Banda Desenhada em 2016

Banda Desenhada em 2016

À semelhança do que realizámos para o ano de 2015 e no primeiro trimestre de 2016 (1 de janeiro a 31 de março de 2016), vamos analisar as publicações portuguesas de banda desenhada no ano de 2016. É o momento de verificarmos se as projecções e preocupações que se manifestaram a propósito de 2016 se confirmaram ou não.

PUBLICAÇÕES DE BD NAS BANCAS

Em primeiro lugar, ter-se-á de relembrar o que definimos em 2015 como publicações de banda desenhada. A divisão realizada passou por distribuir as publicações em 3 categorias: de, com e sobre BD (tendo já omitido a quarta categoria, sem BD). Eventualmente favorecendo a abrangência, ao invés da exclusão, considerou-se então, para efeitos destes artigos, que são publicações de banda desenhada aquelas cujo total de páginas de BD é igual ou superior a 50% da publicação.

Deste modo, foram consideradas as seguintes publicações, agrupadas por editora:

ASA
– Bernard Prince (Le Lombard)
– Jonathan (Le Lombard)
– Os Túnicas Azuis (Dupuis)

CORREIO DA MANHÃ/COFINA
– Super-Heróis da História de Portugal (editora original: Bertrand)

EUROPRESS
– Santo António em Banda Desenhada (próprio)

GOODY
– Disney Comix (Disney)
– Disney Especial (Disney)
– Hiper Disney (Disney)

JANKENPON
– JanKenPon (próprio)

LEVOIR
– Novela Gráfica – série (vários licenciadores)
– Novela Gráfica – 3 one-shots (vários licenciadores)
– Sandman (DC)
– Super-Heróis DC (DC)

SALVAT
– Coleção Oficial de Graphic Novels Marvel (Marvel)

VISÃO/IMPRESA
– Coleção Banda Desenhada (vários)

ZERO A OITO
– Winx Club

Foram, portanto, excluída da análises, além de jornais e revistas com reduzido número de páginas dedicadas à BD, as demais publicações em que a BD ocupou menos de 50% do total de páginas, nomeadamente:
– Carros (Goody)
– Cartoon Network (Goody)
– Dinossauros (TailorMade)
– DreamWorks Magazine (Bauer)
– Invizimals (Panini España)
– Jake e os Piratas a Terra do Nunca (Goody)
– A Idade do Gelo (TailorMade)
– Lego Friends (TailorMade)
– Lego Nexo Knights (TailorMade)
– Lego Ninjago (TailorMade)
– Lego Star Wars (Bauer)
– My Little Pony (Goody)
– Nancy (Bauer)
– Playmobil (TailorMade)
– Playmobil Pink (TailorMade)
– Playmobil Super 4 (Bauer)
– Trolls (Bauer)
– Vaiana (Goody)

Ao contrário de 2015, foi excluída a revista Playmobil devido aos números publicados em 2016, ao contrário dos anteriores, não cumprirem com o critério de inclusão, apresentando 44% de páginas de banda desenhada. É verdade que as revistas dos universos Lego e Playmobil apresentam uma percentagem de páginas de BD superiores a 40% das páginas totais de cada número, contendo frequentemente as restantes páginas actividades e passatempos relacionados com as próprias bandas desenhadas, mas continuou-se a respeitar os 50% de páginas de BD como o cut-off pré-estabelecido, tendo sido esse o pressuposto assumido para distinguir entre uma revista de BD de uma revista com BD.

Das diferentes revistas com BD excluídas da análise em 2015, 3 não são agora citadas pois sofreram cancelamento o ano passado – Club Penguin (Panini España), Disney Junior (Zero a Oito) e Frozen (Goody) – e 1 deixou de publicar BD no seu miolo – Disney Princesas (Goody). Durante o ano de 2016, foram canceladas mais duas: Invizimals (Panini España) e Jake e os Piratas na Terra do Nunca (Goody). As novas revistas com BD identificadas em 2016 foram a DreamWorks Magazine (Bauer), Lego Friends (TailorMade), Lego Nexo Knights (TailorMade), Lego Ninjago (TailorMade), My Little Pony (Goody) e Playmobil Pink (TailorMade), além dos one-shots de Trolls (bauer) e Vaiana (Goody) e dos 2 números de A Idade do Gelo (TailorMade). Conclui-se ter existido um maior número de títulos em 2016 do que em 2015, tendo-se apostado em franchises conhecidas e no apelo dos covermounts.

Da análise realizada, excluíram-se ainda aquelas publicações de BD que já tinham sido disponibilizadas anteriormente em contextos que não o de bancas ou que a distribuição em bancas tenha sido temporalmente pouco desfasada da distribuição livreira, tendo esta escolha afectado algumas publicações de BD de editoras como a G. Floy.

Pelo contrário, foram incluídas as edições da Levoir que tiveram distribuição nos pontos de venda de periódicos, uma vez que a sua distribuição, com raras excepções relativas aos one-shots da série Novela Gráfica, é inicialmente exclusiva em bancas durante um período de tempo alargado.

Fig. 1 – Distribuição das publicação de BD nas bancas por tipo, em 2016.

Deste modo, totalizaram-se 167 publicações de banda desenhada nas bancas em 2016, uma diminuição de 5,1% quando comparado com o ano anterior. Quanto à tipologia da BD distribuída nas bancas, 55 %  realizou-se sob forma de livros, 42% sob a forma de revistas e 3% sob a forma de jornal (fig. 1). A diminuição do número de publicações de BD em bancas, bem como a inversão da predominância de livros relativamente a revistas, têm como facto principal o menor número de revistas de banda desenhada Disney em 2016, quando comparado com 2015.

Fig. 2- Distribuição das publicações de BD nas bancas por editora, em 2016.

A Goody continua a ser a editora que contribuiu com mais publicações de BD nos pontos de venda de periódicos, apesar do seu número de publicações de BD ter decrescido 48,3%. Ao invés dos 49% de publicações em banca em 2015, é responsável por 27% das mesmas em 2017. A Levoir contribui com 26%, tendo subido 4% quando comparado com o valor obtido o ano passado. Tal não é justificado apenas pelo menor número global de publicações de BD distribuídos em pontos de venda periódicos, mas também por um aumento real do número de publicações em 2016. Como era de esperar, a Salvat e a Jakenpon, com os seus projectos iniciados ao longo do ano passado, aumentaram a sua percentagem contributiva, atingindo, em 2016, respectivamente 15% e 3%. A subida relativa da Salvat originou que a Asa descesse para a 4.ª posição, contribuindo com 13%. A Zero a Oito, com um menor número de publicações em 2016, desceu 2 pontos percentuais. Registe-se ainda a introdução, em 2016, de novos agentes na distribuição de BD em bancas, a Cofina (8%) e a Impresa (4%), em projectos auto-limitados (fig.2).

Fig. 3 – Distribuição das revistas de BD nas bancas por editora, em 2016.

Iniciando a análise das revistas de banda desenhada disponibilizadas nas bancas, a Goody editou 64% das revistas (ao invés de 87% no ano passado), a Cofina 20%, a Impresa 9% e a Zero a Oito 7% (ao invés de 8% em 2015) (fig. 3). Destes lançamentos, 29% realizou-se no contexto de publicações com periódicos e no contexto de colecções auto-limitadas, tendo ocorrido 0% de lançamentos individuais com periódicos. Das publicações com periódicos, 30% ocorreu com a Visão e 70% com o Correio da  Manhã. O número de revistas de banda desenhada com covermounts é de 0%. Registe-se que se nesta análise se incluísse as revistas com banda desenhada, a percentagem de revistas com brindes seria superior, uma vez que a quase totalidade das revistas infanto-juvenis com BD excluídas incluem brindes.

Fig. 4 – Distribuição dos livros de BD nas bancas por editora, em 2016.

No que toca a livros de banda desenhada, a Levoir editou 47% das publicações de BD neste formato, ao invés dos 53% do ano passado (fig. 4). A Salvat contribuiu com 28% (ao invés dos 10% de 2015) e a Asa com 24% (ao invés de 36%) (fig. 4). Estas diferenças são justificadas pelo ano completo de actividade editorial da Salvat, ao contrário de 2015. Registe-se ainda o surgimento de um novo agente em 2016, a Europress, com 1%. Entre os lançamentos de livros, 72% realizou-se no contexto de publicações com periódicos e 28% sob a forma de colecção não associada a periódicos. Das publicações associadas a periódicos, 93,9% são colecções auto-limitadas e 6,1% lançamentos individuais. Das publicações com periódicos, 100% ocorreu com o diário Público.

Quanto aos jornais de BD, referem-se à publicação Jankenpon, editado pela Jankenpon, sendo a única publicação com material nacional próprio, ao invés de material estrangeiro licenciado.

Fig. 5 – Distribuição de publicações de BD nas bancas por editora de origem, em 2016.

No que toca à editora original de cada uma das séries ou lançamento individual (nota: as únicas séries que tiveram como fonte várias editoras estrangeiras foram a Colecção Banda Desenhada, da revista Visão, e os volumes Novela Gráfica da Levoir, tendo sido considerada para a presente análise a fonte como “vários”, sem desdobramento da mesma), 27% pertencia à Disney (ao invés de 47% em 2015), 16% à Marvel (ao invés de 12%) e 15% à DC Comics (ao invés de 6%) (fig. 5). As publicações da Asa originaram que em 2016 a Le Lombard e a Dupuis ocupassem os lugares da Dargaud e Casterman do ano anterior.

Fig. 6 – Distribuição de publicações de BD nas bancas por país de origem, em 2016.

A mesma análise por países de origem, revela que, devido à diminuição das publicação da BD Disney, após um ciclo de 3 anos com a BD italiana a predominar nos pontos de venda de periódicos, em 2016 tal coube à BD oriunda dos EUA, com 31% (ao invés dos 22% em 2015) (fig. 6). A BD italiana, que em 2015 correspondia à maioria da BD, com 51%, em 2016 correspondeu a 30%. A restante BD provém em 14% de vários países (Colecção Banda Desenhada da revista Visão e volumes Novela Gráfica da Levoir), 13% de França/Bélgica e 12% de Portugal. O valor nacional de 12% em 2016 (em 2015, correspondeu a 2%) foi conseguido devido à série Os Super-Heróis de Portugal e a um maior número de jornais Jankenpon.

Registe-se ainda que dos 18 títulos de publicações de banda desenhada distribuídos nas bancas, 27,8% corresponde a séries em curso, 50% a séries autolimitadas e 22,2% a publicações isoladas (one-shots).

As edições de banda desenhada portuguesa distribuídas nas bancas continuam a representar uma baixa proporção da BD portuguesa publicada. É um cenário que se tem mantido nos últimos anos e neste momento desconhecem-se factores que permitam pensar que será diferente em 2017. É um facto que o valor percentual aumentou em 10%, mas relembra-se que a série Os Super-Heróis de Portugal republicou sob a forma de 14 fascículos o material previamente publicado em 2 álbuns. Não é possível correlacionar este aumento com um eventual aumento competitivo no mercado de edições de BD portuguesa distribuídas nas bancas, dado o seu artificialismo.

Comparativamente com o ano passado, existe um menor número de títulos de BD nas bancas. No que toca a revistas de BD, a Goody cancelou 50% das mesmas em 2015. As séries canceladas foram Disney Big, Minnie & Amigos e Simpsons. Por outro lado, a revista Playmobil da TailorMade não foi contemplada em 2016, pelas razões supra-explanadas do não cumprimento de inclusão.

A alteração da periodicidade da revista Disney Comix (Goody) de semanal para quinzenal diminui o número total de revistas de BD disponíveis nas bancas. Por outro lado, a reestruração interna da editora, com a suspensão temporária da maioria dos seus títulos no período estival, incluindo a maioria dos de banda desenhada, também contribuiu para tal facto.

A revista Winx Club (oficialmente denominada Clube Winx) da Zero a Oito continua a ser a revista portuguesa de banda desenhada mais antiga em circulação, apesar de atualmente ser publicada aperiodicamente. Relembre-se que a Disney Comix é a segunda revista de banda desenhada mais antiga no mercado, com 4 anos de idade, um indicador da fragilidade deste sector, com os títulos a chegarem rapidamente ao final do seu ciclo de vida.

Algumas das revistas de BD competem com as revistas com BD e brindes, para as quais o mercado parece ser aparentemente mais favorável actualmente, não só pelo surgimento de novos títulos e o crescimento do seu número, mas também pela longevidade de algumas séries (Carros, Disney Princesas – este último com BD em apenas alguns números); no entanto, também se verificaram cancelamentos em 2016 neste tipo de publicações (Invizimals e Jake e os Piratas na Terra do Nunca).

A necessidade do acessório chamativo (neste caso, o brinde) para viabilizar as publicações com banda desenhada, tem-se inclusivamente expressado muito além das bancas nos mais diferentes níveis, como actividades paralelas em eventos de BD (leituras infantis, cosplay, etc), que por vezes tornam a própria BD o secundário (actores internacionais de cinema e televisão), inclusivamente nos eventos ditos mais underground (concertos de música). São indicadores da percepção dos editores e demais agentes quanto à fragilidade da BD per se e da necessidade de complementar a oferta com algo tão ou mais atractivo.

Regressando às revistas de e com BD, algumas, ao apostar no segmento infantil ou infanto-juvenil, conseguem atingir transversalmente diferentes grupos etários, seja tal motivado pela própria banda desenhada (p.e., BD Disney) ou o covermount agregado à revista (p.e., figuras exclusivas da Lego ou Playmobil).

Em resumo, conclui-se que o número de séries de revistas de BD sem brindes está a diminuir nas bancas, com cancelamentos e sem o aparecimento de novas apostas. Pelo contrário, as revistas infanto-juvenis com brindes, sejam elas de, com ou sem BD continuam a ser renovadas com o desaparecimento de umas (p.e., Club Penguin, Frozen) e surgimento de outras (p.e., National Geographic Junior, My Little Pony, A Idade Gelo, Lego Friends, Lego Nexo Knights, Lego NinjagoPlaymobil Pink, Playmobil Super 4DreamWorks Magazine), sendo a aposta feita em marcas conhecidas e/ou temáticas consideradas actualmente fortes.

Como nota de rodapé, saliente-se que as revistas portuguesas de BD competem nas bancas com as revistas brasileiras de BD importadas, as quais, maioritariamente infantis ou juvenis, são transversais a diferentes grupos etários, sendo editadas pela Panini Brasil (DC Comics, Marvel, Mauricio de Sousa), Mythos (Bonelli, Rebellion) e Tambor (Minecraft Comics). Pelo seu teor, as revistas brasileiras, em conjunto com as francesas de e sobre BD, atingem mais facilmente o leitor adulto do que as revistas nacionais. O número de publicações brasileiras de BD disponibilizadas nas bancas (386) é largamente superior ao das revistas nacionais.

Em 2016, a sua distribuição, no que toca às publicações de BD (algumas revistas da Mauricio de Sousa Editora não cumprem o critério de mais de 50% de BD nas suas páginas) foi a seguinte:
– Bonelli: 45
– DC: 73
– Marvel: 72
– Mauricio de Sousa: 182
– Minecraft Comics: 4
– Rebellion: 10

Registe-se ainda que a Panini distribuiu 3 publicações brasileiras da Marvel e 5 da DC no mercado livreiro nacional, os quais não serão contabilizados na análise dedicada às publicações nacionais naquele canal de distribuição.

No que toca às publicações franco-belgas sob o formato de revista ou jornal de ou sobre BD identificadas (Aaarg! Mensuel/Aaarg! Magazine, Casemate, Charlie Hebdo, Charlie Hebdo hors-série, dBD, dBD hors-série, L’Echo des Savanes, Fluide Glacial, Fluide Glacial hors-série, Fluide Glacial série or, L’Immanquable, L’Immanquable hors-série, Lanfeust Mag, Méga Spirou, Psikopat), bem como os hors-séries de ou sobre BD de publicações cujo título não está relacionado com BD (Beaux-Arts, L’Expresso, Historia, LiRE, Paris-Match), em 2016 contabilizaram-se 160 publicações franco-belgas. Relembre-se que neste dois formatos (revista e jornal) registaram-se 75 publicações portuguesas de BD (o total de 167 publicações nacionais inclui o formato em livro).

No que toca aos livros de BD, em 2016 nenhum teve propriamente como alvo o público infantil, tendo-se publicado uma quantidade apreciável de banda desenhada juvenil que se poderia agrupar num género major de aventuras, com vários subgéneros possíveis, com predominância para o de super-heróis. Tal como as revistas brasileiras disponibilizadas nas bancas, estes livros atingem, sem dificuldade, o leitor adulto.

As temáticas de banda desenhada mais adultas disponibilizadas nas bancas foram publicadas principalmente através da colecção de livros e one-shots Novela Gráfica. Esta divisão artificial de segmentos que se tem abordado neste artigo não exclui obviamente a possibilidade da mesma obra originar leituras completamente diferentes consoante se é uma criança, jovem ou adulto (com percepções diferentes das frequentemente denominadas camadas de um livro). No entanto, pode-se presumir que, com as devidas excepções, a BD per se disponibilizada nas bancas em 2016 continua a dirigir-se a crianças e jovens ou a adultos que pretendem um escapismo. Obviamente que quando se considera a aquisição das obras e se tem em conta os economicamente menos acessíveis livros (por comparação com o preço unitário das revistas), encontra-se o viés de que a colecção de livros foi realizada a pensar num poder de compra que o jovem não terá.

Independentemente de tais considerações, verifica-se que a colecção de livros em banca permanece o modelo preferido no nosso país para o lançamento de álbuns de BD franco-belga com personagens que eram populares entre os leitores de banda desenhada de algumas décadas atrás, bem como os encadernados de super-heróis. Trata-se de um modelo que noutros países apela ao leitor mais generalista que não se interessa tanto por banda desenhada ao ponto de já ter adquirido individualmente tais livros, bem como ao coleccionador que deseja adquirir as bandas desenhadas que já possuía, desta feita numa compilação de edições em que eventualmente o papel e a capa dos volumes seja de maior qualidade. No entanto, no nosso país, transformou-se no modelo mais comum para a edição desse tipo de livros, ao invés da reedição sob formato colectável, apelando um pouco a todos (leitores de BD assíduos, ocasionais ou inexperientes), de modo a viabilizar os projectos editoriais. Este facto é um mau indicador sobre a edição de BD estrangeira disponibilizada nas livrarias em Portugal e a respectiva receptividade do público à mesma (se não toda, pelo menos a franco-belga –com as excepções conhecidas – e de super-heróis).

É exactamente ao mesmo tipo de público (leitores de BD assíduos, ocasionais ou inexperientes) que apela a colecção e one-shots Novela Gráfica, eventualmente pensados para um segmento mais adulto e exigente na leitura. A aposta principal da colecção em inéditos no nosso país, é também ele um mau indicador da edição de banda desenhada estrangeira, ao longo dos anos, em Portugal. E mais grave é o facto de que se poderiam fazer centenas de colecções com grandes obras mundiais da banda desenhada, somente com volumes inéditos…

No ano de 2016, as colecções em banca obnubilaram parcialmente a parca oferta nas livrarias de publicações nacionais de aventuras franco-belgas, encadernados de super-heróis e livros de banda desenhada estrangeira com temática mais madura. Critique-se ou não as escolhas das obras coligidas em colecções, relembra-se que este tipo de colecção resulta de uma combinação de factores entre o material que está disponível num dado momento (e as colecções têm timings precisos para serem executados) e um compromisso de escolha entre a editora nacional, os seleccionadores nacionais de material e outros agentes internacionais. É verdade que não seria suposto este modelo actuar como um determinante daquilo que mais é publicado dentro daqueles géneros no nosso país. De facto, deveria ser complementar. E, num mercado activo, publicaria exclusiva ou maioritariamente reedições (como acontece com outras colecções com periódicos, sejam em formato de vídeo, música ou literatura), tornando a selecção supérflua na história da publicação de BD estrangeira no nosso país, não dependendo de si a publicação desta ou daquela obra para que a mesma se encontrasse editada em Portugal.

Convém ainda relembrar que este modelo também aposta principalmente em colecções e em marcas fortes ou fortes q.b. (Marvel, DC, BD franco-belga), bem como tenta instituir a força da marca “novela gráfica”, o que facilita algumas escolhas e dificulta (ou mesmo impossibilita) outras, não sendo possível que venha a substituir em pleno o catálogo dos editores que distribuem as suas obras de BD estrangeira fora das bancas. Mas a sua inexistência ditaria menos 92 livros publicados em 2016, com uma percentagem considerável de inéditos.

BD NAS LIVRARIAS

De modo a se ser coerente com os dados apresentados relativamente às bancas, somente se consideraram publicações de BD (excluindo-se aquelas com, sobre ou sem BD). Mas, no final, faremos ainda algumas considerações no que toca às publicações sobre banda desenhada.

Deste modo, excluíram-se todas as obras que não se consideraram de BD, independentemente de pertencerem ou não a editoras e autores conotados habitualmente com a BD (p.e., sketchbooks e livros de caricaturas). Inversamente, incluíram-se as wordless novels e demais publicações com narrativas gráficas mudas (cf. nossa posição sobre esta temática aquiaqui), bem como livros com cartoons.

Registe-se ainda que apenas foram consideradas para esta análise as publicações impressas, não sendo alvo da mesma as publicações digitais, online ou não.

Quanto ao critério aparentemente óbvio de “publicação portuguesa de BD”, realizamos algumas considerações. As publicações brasileiras de BD disponíveis nas livrarias generalistas ou especializadas foram excluídas, bem como aquelas produzidas em países de língua oficial inglesa, francesa, etc.

No entanto, as publicações de BD de editores nacionais (com ISBN nacional) em, por exemplo, língua inglesa ou outra, foram incluídas, independentemente de Portugal ser o principal alvo das mesmas, desde que distribuídas no mercado livreiro nacional.

Se o ISBN parecia ser uma boa solução como critério de inclusão nas obras que o ostentassem, tal como em 2015, tiveram-se de realizar algumas excepções. No nosso entender, não contemplar, por exemplo, as edições portuguesas da G. Floy devido ao ISBN das mesmas conter inicialmente o código da Dinamarca e actualmente o código de Espanha e não o de Portugal (devido a decisões com base em questões fiscais por parte da editora), pareceu-nos criar um artificialismo ao que se pretendia estudar. Em língua portuguesa e disponíveis aos leitores portugueses em eventos, bancas e livrarias portuguesas e estando indisponíveis em Espanha, aproximam-se bastante mais das publicações portuguesas que espanholas, pelo que foram incluídas.

Classificaram-se as diferentes publicações de editoras/(fan)editores tendo por base o binómio livrarias / distribuição alternativa, conforme a distribuição planeada pela editora para cada publicação. Atendendo à maior potencial exposição nas livrarias generalistas, considerou-se que qualquer publicação que tivesse planeada a distribuição nas livrarias generalistas, fosse ou não também disponibilizada por métodos alternativos, seria incluída na categoria livrarias. Deste modo, publicações de editoras frequentemente associadas com o movimento independente, como a Associação Chili Com Carne, MMMNNNRRRG ou El Pep, foram contabilizadas.

Pelo contrário, as publicações de editoras habitualmente distribuídas no mercado livreiro que só conheceram distribuição alternativa, sem que estivesse prevista prevista distribuição nas livrarias generalistas, não foram contabilizadas, como por exemplo O Segredo de Coimbra da G. Floy para a Universidade de Coimbra e os números de Madoka Machina editados pela Polvo.

Para não duplicar números, os one-shots Novela Gráfica da Levoir com distribuição nas livrarias temporalmente próxima da sua distribuição com o diário Público nas bancas, não foram novamente contabilizados. Inversamente, foram contabilizadas as publicações das editoras G. Floy e Devir no canal livreiro e não nos pontos de venda de periódicos.

Quanto às editoras que não utilizaram as livrarias nem as bancas para a distribuição das obras publicadas em 2016, foram incluídas na categoria dos métodos de distribuição alternativos.

Deste modo, as editoras/chancelas editoriais incluídas na categoria livrarias foram:
– Âncora
– Arranha-Céus
– Arte de Autor
– Asa (não se incluem os lançamentos nas bancas com o jornal Público)
– Bertrand
– Bicho Carpinteiro
– Bizâncio
– Booksmile
– Chili Com Carne
– CITY
– Devir
– Europress (co-edição Comic Heart)
– G. Floy
– Gailivro
– Gradiva
– In
– Kingpin
– Levoir (somente Watchmen)
– Lucerna
– MMMNNNRRRG
– Nuvem de Letras
– Pato Lógico
– El Pep
– Planeta Manuscrito
– Polvo (excepto números da série Madoka Machina)
– Publicações Dom Quixote
– Ponto de Fuga
– Teorema
– Tinta-da-China

Registe-se a ausência de várias editoras que contribuíram para a publicação de banda desenhada distribuída em livrarias em 2015, nomeadamente a Babel e a sua chancela Arcádia, Apeiron, O Castor de Papel, Chiado, Ideia-Fixa, Lema d’Origem, Parceria A. M. Pereira e Planeta Tangerina. Apesar de tal, verificou-se um aumento do número de editoras.

Fig. 7 – Publicações de BD distribuídas nacionalmente nas livrarias em 2016, por editora.

As entidades supra-mencionadas foram responsáveis por 116 publicações de BD identificadas, tendo-se verificado um aumento de 11% relativamente a 2015. Das diferentes publicações, 75% pertencem a editoras que editaram 3 ou mais títulos em 2016 (fig. 7). Das editoras que utilizaram as livrarias para distribuição das suas obras, a Devir assume-se novamente como a editora com maior número de lançamentos neste canal (32%, ao invés dos 19% verificados em 2015), seguida da G. Floy (14%), Polvo (7%), Planeta Manuscrito (6%), Asa (5%), MMMNNNRRRG e Arte de Autor (ambas com 4%) e Ponto de Fuga (3%).

Fig. 8 – Publicações de BD distribuídas nacionalmente em livrarias em 2016, por país de origem.

Quanto à origem das bandas desenhadas por país, a fig. 8 não apresenta resultados muito favoráveis à banda desenhada portuguesa. Se em 2015, Portugal era o país mais representado no canal livreiro, com 39% das publicações, em 2016 tem uma percentagem de 15%, sendo ultrapassado pelos EUA (39%) e Japão (20%). Em quarto lugar, encontra-se a BD franco-belga com 9%. Apesar dos resultados de 2016, as livrarias continuam a contar com um maior número de títulos de BD portuguesa que os pontos de venda de periódicos. A menor atividade editorial da Chili Com Carne e Kingpin em 2016 foi um dos factores que contribuiu para uma menor edição da BD portuguesa no mercado livreiro. O catálogo da Polvo em 2016 também se concentrou pouco nos autores nacionais.

Se as bandas desenhadas disponibilizadas nas bancas dirigidas claramente a um segmento adulto ou público mais maduro foram escassas (apesar da colecção Novela Gráfica da Levoir ter sido responsável pelo seu aumento, tal como já tinha ocorrido em 2015), nas livrarias a oferta é maior, apesar de também existir uma oferta maioritária de bandas desenhadas infantojuvenis. No entanto, entidades como a Chili Com Carne, a MMMNNNRRRG, a Bertrand e a Teorema, bem como parte do catálogo de 2016 da Polvo e Kingpin, apostam claramente em leitores mais exigentes. Dos 5 países mais representados, as obras portuguesas e brasileiras são as mais visadas para este segmento, ao contrário da maioria das norte-americanas, japonesas e franco-belgas.

PUBLICAÇÕES DE BD COM DISTRIBUIÇÃO ALTERNATIVA

Consideramos possível – porque tal já se verificou nos 3 anos anteriores – que, apesar do nosso trabalho de identificação destas publicações, tenham existido outras em 2016. Advertimos, portanto, que qualquer comparação temporal quantitativa que se realize (mês a mês, trimestre a trimestre, ano a ano, década a década…) neste domínio, deverá sempre ressalvar que se refere às publicações conhecidas pelo investigador a cada momento.

As editoras/(fan)editores cuja totalidade ou maioria das obras de BD não foi distribuída nacionalmente em livrarias generalistas (nem em bancas), disponibiliza a BD que publica por correio (ou em mão) via contactos com os próprios (desde sites com secção de loja virtual à simples divulgação de um e-mail de contacto), em eventos (dedicados ou não especificamente à banda desenhada), em lojas especializadas em banda desenhada ou noutras áreas (música, design…) ou em galerias de arte, bem como noutros locais mais inesperados. As editoras/(fan)editores de BD e demais entidades identificadas que foram incluídas na análise de 2016 nesta categoria foram:
– Apocryphus
– Bedeteca de Beja
– ClimAdaPT.Local
– Clube do Inferno
– Comic Heart
– Daniela Viçoso
– Dor de Cotovelo
– Escorpião Azul
– Façam Fanzines e Cuspam Martelos
– Filipe Felizardo
– G.Floy/Universidade de Coimbra
– O Gato Mariano
– H-alt
– José Pires
– Libri Impressi
– Marco Mendes & Sofia Neto
– Maria Macaréu
– Montesinos
– Mosi
– Mundo Fantasma
– Ao Norte
– Oficina Arara
– Ostraliana
– O Panda Gordo
– Pianola
– Polvo (Madoka Machina)
– Quarto de Jade
– Rodolfo Mariano
– Sama
– SWR Barroselas Metalfest
– Tentáculo
– WP Comics

Não foram contempladas publicações exclusivamente digitais. Até ao momento em que se escrevem estas linhas, foram identificadas 85 publicações de banda desenhada das editoras/(fan)editores supra-mencionados, o que corresponde a 94,4% do identificado durante o ano de 2015. No entanto, em 2016 não foram consideradas as publicações da MMMNNNRRG nesta categoria, dado ter sido identificada a sua distribuição no mercado livreiro.

Destas publicações, 68% corresponde a publicações com banda desenhada portuguesa, com excepção da faneditada por José Pires (Reino Unido e EUA) e a maioria editada pela Libri Impressi (EUA).

A maioria das publicações de BD portuguesa foi, portanto, distribuída por métodos alternativos aos dois utilizados pelas grandes editoras, seguindo-se a presença nacional em livrarias generalistas e sendo quase inexistente nas bancas, se se tiver em conta o artificialismo causado pela colecção Super-Heróis de Portugal.

No que toca aos segmentos mais visados, é desta vez o infantil o menos proposto pelas editoras/(fan)editores que utilizam preferencialmente os métodos alternativos de distribuição. É provavelmente a categoria em que o segmento adulto se encontra mais representado, apesar de existir uma quantidade apreciável de banda desenhada juvenil.

José Pires continua a ser o faneditor que revela mais atividade (29% das publicações), contribuindo a Escorpião Azul com 7% e a Mosi em nome próprio com 6%.

BALANÇO DE 2016

Se não se tiver em conta a distribuição ou tipo de publicação de BD, identificaram-se 368 publicações de BD em Portugal, em 2016. Trata-se sensivelmente do mesmo número de publicações identificadas em 2015: 369 publicações. O menor número de publicações nos ponto de venda de periódicos foi compensado pelo maior número de publicações no canal livreiro.

Fig. 9 – Publicações de BD por editor, em 2016.

Sem ter em conta distribuição nem tipo de publicação, pode-se afirmar que 28% das publicações de BD em 2016 proveio de editoras/(fan)editores com 5 ou menos publicações (identificadas na legenda do gráfico da fig. 9 como vários), enquanto que 72% das publicações teve origem em editoras/(fan)editores que lançaram 6 ou mais publicações de BD no período de tempo supramencionado (fig.9).

Quanto ao número de editoras/(fan)editores com 6 ou mais publicações de BD em 2016, corresponde a 19% do total de editores identificados.

Verifica-se ainda que as 2 editoras com maior expressão nas bancas (Goody e Levoir), mantêm praticamente essa posição quando se considera o número de publicações de BD em geral, tendo editado cerca de 12% do total de publicações cada uma. A terceira editora com maior expressão nas bancas, a Salvat, é ultrapassada nos números globais pela Devir (10%) e igualada pela Asa e pelos fanzines de baixa tiragem faneditados por José Pires (ambos com 7%). Seguem-se a Cofina e a G. Floy (ambas com 4%) e a Polvo (3%). As restantes editoras/(fan)editores com 6 ou mais publicações de BD contribuíram, cada uma, com 2 % das publicações (Escorpião Azul, Impresa e Planeta Manuscrito).

Fig. 10 – Publicações portuguesas de BD por país de origem, em 2016.

Quanto aos países de origem (fig.10), manteve-se a categoria “vários” para a Colecção Banda Desenhada distribuída com a revista Visão e para a colecção e volumes one-shot Novela Gráfica com o Público. Entre as publicações de BD, 99% eram oriundas de países representados com 3 ou mais publicações (o 1% remanescente é identificado como “outros” na fig. 10). Ao contrário do que ocorreu no ano de 2015, Portugal não lidera as origens da BD publicada. Em 2016, a liderança pertence aos EUA, com 28% (3.º lugar em 2015), seguido de Portugal com 26% (1.º em 2015) e de Itália com 14% (2.º em 2015). Segue-se o binómio França/Bélgica (9%), Reino Unido (7%), Japão e várias (ambas com 6%).

NÚMERO DE PUBLICAÇÕES DE BD

Aquando da análise realizada no primeiro trimestre de 2016, colocou-se a hipótese de existir um menor número de publicações de banda desenhada publicadas em Portugal em 2016, atendendo ao modesto número de publicações naquele período. Tal não se verificou (apenas existiu 1 publicação a menos do que em 2015), uma vez que a publicação de revistas não é uniforme ao longo do ano. O primeiro trimestre foi inclusivamente aquele em que se observou um menor número de edições. Nas bancas, os 3 meses com maior número de publicações foram, por ordem decrescente, abril, maio e dezembro, enquanto que as publicações cujo canal preferencial de distribuição é o mercado livreiro tiveram picos coincidentes com os grandes eventos que lhes permitem a distribuição alternativa – por ordem decrescente, outubro (Amadora BD), maio (Festival Internacional de BD de Beja e Feira do Livro de Lisboa), novembro (Amadora BD) e dezembro (Comic Con Portugal).

Não é somente o número de publicações de banda desenhada que é desigual ao longo do ano, mas também os géneros ou países de origem publicados, Por exemplo, nos primeiros 8 meses do ano, as publicações de BD franco-belga com a livraria como principal canal distribuidor não existiram, com uma única excepção, concentrando-se a sua edição no último quadrimestre.

Apesar do número praticamente idêntico de publicações de BD em 2015 e 2016, houve importantes alterações. Registou-se uma diminuição do número de publicações nas bancas, bem como nas publicações destinadas à distribuição alternativa (partindo do pressuposto que a percentagem destas publicações que não se identificaram manteve-se constante nos 2 anos), e um aumento das publicação destinadas às livrarias. Estes resultados certamente se traduzem num menor número de revistas e zines e num maior número de livros de banda desenhada.

BD PORTUGUESA

Aquando da análise realizada no primeiro trimestre de 2016, colocou-se a hipótese de diminuição de publicações de autores portugueses em 2016, bem como uma diminuição de publicações independentes de distribuição alternativa e publicações de temáticas mais maduras/adultas.

Como se verificou ao longo deste artigo, a diminuição de publicações de autores portugueses verificou-se nas publicações destinadas ao mercado livreiro e à distribuição alternativa. Esta última continua a ser a responsável pela maioria das publicações de BD portuguesa, seguindo-se as livrarias e, por fim, as bancas. Foi nestas últimas que se verificou um aumento, devido à publicação da coleção Super-Heróis de Portugal, com o artificialismo já discutido que tal causou.

Caso seja real a diminuição das publicações de autores portugueses com distribuição independente (e não um viés de identificação das mesmas em 2015 e 2016), é um dado preocupante. Não funcionam somente como um laboratório para os autores nacionais, mas também apresentam uma maior proporção de temáticas mais maduras/adultas que os restantes canais (pontos de venda de periódicos e livrarias). Caso não seja real e corresponda ao viés assinalado, significa que a visibilidade e consequente divulgação das mesmas diminuiu, diminuindo também, deste modo, o grau de acessibilidade às mesmas.

Se na análise de 2015 se referiu que, apesar do elevado número de publicações de banda desenhada portuguesa, convém relembrar que a maioria, fruto da edição independente, é de difícil acesso, seja pela exposição pouco ubíqua (em espaços e tempo), seja pelo reduzido número de exemplares frequentemente produzidos, a redução do número de publicações de BD portuguesa em 2016, agrava estes factores. As bancas mantêm-se um local árido para encontrar publicações de BD portuguesa. Nas livrarias, o local onde em 2016 se verificou o maior decréscimo de BD portuguesa, facilmente se verifica que os autores nacionais que podem ser encontrados nas mesmas são publicados sobretudo pelos editores que lidam com pequenas tiragens (p.e., Chili Com Carne, MMMNNNRRRG, Polvo, Kingpin), sendo a sua edição pelas grandes editoras uma excepção e com obras que procuram um público mais transversal e menos segmentado. No entanto, em 2016, houve uma diminuição do número publicações de BD portuguesa no mercado livreiro destinado a um público mais generalista.

Por outro lado, a pouca oferta visível das publicações de BD portuguesa de temáticas mais adultas no ano de 2015, foi em 2016 agravada pelo menor número de laçamentos.

FAIXAS ETÁRIAS

Tal como em 2015, o ano de 2016 revelou-se desequilibrado nos segmentos a que se destina. A oferta infantil deu-se principalmente nas bancas e a preços acessíveis. Com a implosão da linha de BD Disney em 2016, devido à reestruturação da Goody, colocaram-se na análise do primeiro trimestre dúvidas sobre a formação dos mais pequenos leitores em BD com a diminuição de propostas de obras de qualidade a preços facilmente comportados pelos seus educadores. Tal é preocupante, pois a inexistência de crianças a ler banda desenhada tem sido indicada como um dos factores para a não renovação do público que lê frequentemente banda desenhada.

O ano de 2016 termina com uma nota um pouco mais optimista quanto a este segmento. Não só a Goody reiniciou as suas atividades após a reestruturação da editora e prosseguindo as séries de banda desenhada, mas também, embora sem a vantagem dos preços acessíveis, a Devir iniciou a publicação periódica de banda desenhada infantojuvenil de personagens do Cartoon Network, a qual atinge também como target faixas etárias mais velhas.

No final de 2015, postulou-se que o segmento juvenil estaria próximo de atingir a saturação do mercado no que toca ao subgénero de super-heróis, apesar de ser evidente a transversalidade do mesmo aos diferentes grupos etários. Pelo contrário, apesar de uma oferta generosa nas bancas, por comparação com as livrarias, no que toca às aventuras juvenis franco-belgas, parecia existir no seu grupo de leitores – novamente, transversal aos diferentes grupos etários – uma apetência por mais publicações (o que não significa que exista mercado para mais publicações de aventuras franco-belgas nas bancas). Curiosamente, em 2016 o subgénero norte-americano de super-heróis cresceu mais que o de aventuras franco-belgas. Tal como o ano passado, é também para o segmento juvenil que se dirige a quase totalidade do manga editado em livrarias em Portugal – parecendo existir novamente transversalidade, talvez não tão efectiva, nos diferentes grupos etários. Foi, inclusivamente, um ano de crescimento para os mangas editados em Portugal. A BD norte-americana no campo da ficção especulativa dos géneros da fantasia e sobrenatural, bem como o policial, tem também sido uma aposta por algumas editoras. Para os jovens e os adultos em busca de escapismo na leitura de BD, 2016 providenciou, tal como no ano anterior, bastantes publicações nas bancas e livrarias. Ao contrário do que se tinha postulado em 2015, o ano de 2016 não demonstrou saturação do mercado quanto à oferta na área do escapismo, tendo o mesmo crescido.

Por outro lado, este ano verificou-se finalmente a edição nacional de diversas obras inéditas da DC Comics (apesar da maioria já ter sido integralmente distribuída no nosso país via importação de publicações brasileiras) que constavam da secção de obras estrangeiras no projeto Leituras Recomendadas do site Bandas Desenhadas, nomeadamente Watchmen, V de Vingança, Sandman e Daytripper. Um ponto positivo para a edição de banda desenhada em Portugal, concretizado pela Levoir. Apesar do target original da DC ter sido o juvenil, são obras que não ficam a dever a outras concebidas propositadamente para adultos.

De qualquer modo, a edição nacional de publicações de temáticas adultas estrangeiras não goza da mesma abundância que as juvenis, tornando-se a verificar, à semelhança dos anos anteriores, poucas apostas das grandes e pequenas editoras. A segunda coleção Novela Gráfica pela Levoir, bem como os seus one-shots, priveligia maioritariamente este segmento nas bancas, sendo complementada no mercado livreiro pelas habituais propostas da MMMNNNRRRG, Chili Com Carne, Polvo e de uma ou outra editora que ocasionalmente também trabalha nesse sentido. É um mau indicador da relevância da BD no nosso país, dada a tradicional ausência de edição no nosso país das grandes obras de BD destinadas a um público mais maduro. Para os que indicam que um longo caminho tem de ser trilhado na percepção do público sobre a BD enquanto possível literatura adulta para que tais e mais obras venham a ser publicadas, a Levoir contra-argumentou nos últimos 2 anos com a publicação de mais de duas dúzias de tais obras (concorde-se ou não com as escolhas, tal torna-se irrelevante numa país em que a escassez de tal material é a norma), disponibilizadas ao grande público em bancas, projecto que tem sucesso q.b. para permitir a sua viabilidade e continuidade. Tal parece responder a uma das nossas questões sobre o ano editorial de 2015 quanto ao marketing e acessibilidade de BD com este tipo de temáticas. Tal como acontecia com a BD de super-heróis e aventura, parece que o tal longo caminho passa, afinal, por simplesmente disponibilizar o material per se… desde que facilmente acessível e com marketing q.b.

Para os que desejam percorrer tal caminho de imediato e não aguardar, não se contentando com as ofertas das bancas e livrarias, as boas notícias são que a edição independente de banda desenhada portuguesa (e uma ou outra estrangeira publicada em Portugal) é o local, como seria expectável, onde mais se explora este meio, com algumas publicações que desafiam os limites na forma e conteúdo, bem como outras centradas em temáticas de cariz mais social ou introspectivo, oferecendo um conjunto generoso das mais variadas propostas no qual os leitores que procuram estes trabalhos em banda desenhada certamente descobrirão alguns que lhe sejam apelativos, dada a diversidade que existe. Desde que encontrem tais publicações… E o aparentemente menor número das mesmas não é um bom indicador.

Por fim, algumas linhas relativas aos eventos dedicados ou não à banda desenhada. Aos eventos mais visíveis do Amadora BD e Festival Internacional de BD de Beja, adicionou-se em 2014 a Comic Con Portugal (CCPT). No primeiro ano, deu provas de que a migração de público de outras áreas (cinema, séries televisiva, videojogos, etc) do evento para a área da BD era uma possibilidade. E em 2015, apesar da BD continuar a não ser – nem nunca será – o maior chamariz da CCPT, motivou uma série de lançamentos, fosse no domínio da edição independente ou de editoras mais profissionalizadas. Tal tornou-se a verificar em 2016, já sendo, por mérito próprio, um dos 3 principais eventos (também) dedicados à BD no nosso país.

Para além destes 3 eventos, a edição independente tem-se mostrada activa noutros, como as Feiras Mortas e demais eventos promotores do do it yourself (DIY), nos quais, por vezes, se realizam inclusivamente lançamentos de publicações de BD e onde os (fan)editores disponibilizam as suas publicações para venda.

PUBLICAÇÕES SOBRE BD

Por fim, uma pequena nota referente às publicações sobre BD. Das publicações sobre BD não relacionadas com exposições, identificaram-se 4 séries de zines de distribuição alternativa: o quarto número de BD, faneditado por Saul Ferreira, o Boletim do Clube Português de Banda Desenhada (1 número), o Juvebêdê, editado pela Juvemedia (3 números) e a Revista do Clube Tex Portugal (2 números). O total de publicações identificadas foi de 7, em 2016.

Ao contrário de 2015, em que se identificaram 12 publicações sobre banda desenhada, em 2016 não se identificou nenhuma em formato de livro nem em anexo a um zine.

Tal como as publicações com BD, as publicações sobre BD não são contabilizadas na análise realizada neste artigo às publicações de banda desenhada.

O FUTURO DE 2017

Em jeito de conclusão, listamos aqui algumas questões, várias delas interligadas, a que estaremos atentos ao longo do ano:
– tornar-se-á a manter o número de publicações de BD?
– tornar-se-á a verificar a diminuição de publicações de autores portugueses?
– tornar-se-á a verificar a diminuição de publicações independentes de distribuição alternativa?
– tornar-se-á a verificar a diminuição de publicações de temáticas mais maduras/adultas?
– tornar-se-á a verificar a diminuição de publicações de BD infantil a preço acessível nas bancas?
– será em 2017 que se atingirá a saturação do mercado da BD na área do escapismo de origem estrangeira (EUA, Franco-Belga, Japão)?

Da análise do ano editorial de 2015, tinha-se concluído que não só não tinha sido um excelente ano para a banda desenhada em Portugal, como havia indícios preocupantes de que pioraria em 2016. Das 6 preocupações que se manifestaram – e constantes das 6 questões supra-mencionadas -, 4 delas ocorreram: diminuição de publicações de autores portugueses, diminuição de publicações independentes de distribuição alternativa, diminuição de publicações de temáticas mais maduras/adultas e diminuição de publicações de BD infantil a preço acessível nas bancas.

Apesar destes indicadores, poder-se-á presumir, com a subjetividade que lhe é inerente, que em 2016, para além publicação nacional independente, mais concretamente de zines e edições de autor, bem como algumas obras nacionais e estrangeiras lançadas por pequenas editoras, outras houve que publicaram obras passíveis de constar de uma listagem com as obras fundamentais da banda desenhada editadas em Portugal. É possível que assim seja, não sendo este artigo o local para discutir tal. Mas é um bom modo de terminá-lo, fazendo votos que em 2017 os editores de publicações de BD distribuídas nas bancas façam pela história da BD editada em Portugal, não necessariamente mais, mas certamente melhor.

E, como 2017 está no seu início, não ficaria mal expressar que uns quantos desejos fossem economicamente viáveis para as editoras, principalmente no que toca ao público adulto, para o qual a oferta é escassa, pelo que eis o que mui gostaria de ver concretizado em 2017: colecções de livros de autores portugueses ou mais autores portugueses em colecções mundiais, mais livros isolados de autores nacionais, menos escapismo e mais reflexão, menos «vamos vestir estes fatos todos “giros” para andarmos todos à batatada» e mais abordagens sociais, menos «somos os maiores heróis do mundo» e mais introspecção sobre o eu e a nossa relação com o outro, menos consumo imediato (prova, deita fora) e mais slow food. Àqueles a quem tal soa utopia, faço o reparo que se deram mais passos nesse sentido em 2015 e 2016 no que no ano prévio a esse biénio.

12 comentários em “Banda Desenhada em 2016

  1. Uma interessante análise, mas que chega a conclusões radicalmente daquelas a que eu chego, possivelmente por questões metodológicas. Por partes e endereçando algumas das questões.

    Em primeiro lugar, a separação do mercado “por canal de distribuição” pode introduzir uma perspectiva distorcida. Creio que seria mais proveitoso dividir o mercado em “tipos de publicações” qualquer que seja o canal de distribuição. Se percorreres os blogues e sites e páginas de facebook, vês que os leitores e fãs compram “livros” independentemente de onde sejam vendidos, ou qual o canal de distribuição. E se olhares para o mercado pelo prisma dos livros editados, houve um claro crescimento no número de títulos, e uma grande diversificação de géneros. As revistas podem estar em crise (quando é que não estiveram…?) e isso pode trazer preocupações para o futuro, mas em termos de livros as coisas estão obviamente melhores do que estiveram nos últimos cinco anos, p.ex. E não me parece ilógico proceder assim, porque em última instância, todos os livros da Levoir acabam por estar disponíveis em livrarias, bem como a maioria dos da ASA. E já se começa a notar a expansão do espaço dedicado à BD nalguns pontos de venda, devido a esse maior afluxo de livros.

    Em segundo lugar, parece-me que a produção de BD de autores portugueses é demasiado sujeita a acidentes e contigências para se poder tirar ilações. Os autores portugueses não podem viver da BD que fazem para o mercado português, fazem obras para o mercado português essencialmente por amor à camisola, e só acessoriamente para ganhar qualquer coisa, até porque em média nunca ninguém paga adiantamentos a autores portugueses. Pode haver excepções, mas garanto que são muito poucas. Ou seja, qualquer projecto de autores portugueses está sujeito a atrasos porque a vida do autor se meteu pelo caminho. Se estiveres atento às notícias, eventos, etc… sabes p.ex. que a Kingpin tem pelo menos 6-8 projectos em andamento, alguns dos quais deviam ter saído na Amadora… mas o Nuno Duarte teve de ir escrever uma série de TV nova, o Osvaldo precisou de adiantar e acabar a bio do Agostinho Neto, etc… e todos esses projectos foram adiados para 2017. O mesmo aconteceu com dois projectos da Polvo, o André Caetano teve uma tendinite e está também ocupado com um projecto institucional, etc… Eu próprio ando com dois projectos de autores portugueses que já deviam ter saído, e que só verão a luz do dia lá para o meio do ano ou mesmo final… Não se podem extrapolar lançamentos de um ano (em número) para outro ano, existem demasiadas contingências. É ao contrário: 2015 deve ser considerado um ano atípico em que por uma acidental e bizarra conjunção de prazos e trabalhos completados saíram montes de livros. Esse ciclo de conjunções não se deve repetir tão cedo.

    Relativamente a outras considerações, acho que são um pouco subjectivas: “diminuição de publicações de temáticas mais maduras/adultas”, excesso de escapismo/super-heróis… Não sei, mas a mim parece-me que a subida da colecção de Novelas Gráficas de 12 para 15 livros é um bom indicador, bem como o facto de a edição de BD independente americana estar muito bem representada em Portugal, e cada vez mais (Saga, Paper Girls, Sex Criminals, Southern Bastards, etc…). Devo dizer também que é mais ou menos claro que a colecção das novelas Gráficas, bem como a do Sandman, chegaram a leitores novos e que de outro modo não comprariam BD. Não fiz a listagem de edições independentes/de autor/fanzines no ano passado, pelo que não consigo comparar com as de este ano, mas parece-me que também não faltam edições desse tipo.

    A questão que a mim me parece é que na tua análise existe uma prioridade dada às bancas como ponto preferencial de venda, e ás revistas como uma espécie de “sine qua non” para a promoção da BD junto de outros públicos, mais juvenis, etc… e é verdade que isso tem mudado muito em Portugal. Mas a mim já há muito que me parece que não existe muito espaço nesse canal sem a existência de investimentos enormes de publicidade, que no nosso país são difíceis dado o reduzido tamanho do mercado, e o pequeno tamanho das editoras.

    Outra questão que seria interessante colocar é a da diferença entre o franco-belga e o americano: porque é que o franco-belga continua a envelhecer e a ossificar-se, sem que haja alguém, uma editora, que faça com ele o mesmo que a Devir ou a GFloy estão a fazer, isto é, apostar em séries e títulos novos e recentes. Essa é uma das tendências negativas actuais, que é o lento e desaparecimento do franco-belga como categoria relevante de BD no nosso país.

    De qualquer modo, servem estas análises para iniciar debates que podem ser interessantes para situarmos bem o estado actual do mercado!

    1. Olá, José!
      Obrigado pela tua apreciação à análise realizada.
      Não vejo praticamente diferença nas conclusões que apontas e as que o artigo refere quanto a dados objectivos.
      – houve um aumento do número de livros editados; houve também um aumento do número de jornais; o número total de publicações manteve-se idêntico devido à redução do número de revistas e (aparentemente) ligeira redução de zines
      – houve diminuição do número de publicações de autores portugueses (esse é o dado objectivo; o artigo não explora as conjunturas que referes; refere-se à publicação e não à elaboração das obras); caso o número de publicações de autores portugueses em 2015 seja um outlier, isto é, um número atípico na década de 2010, os restantes anos encarregar-se-ão de sublinhar tal.
      No artigo, não existe primazia dada a nenhum canal de distribuição. A análise global final do artigo, inclusivamente, não tem sequer em conta o canal de distribuição nem a tipologia das publicações. Quando muito, os canais de distribuição espelham o grau de acessibilidade das obras distribuídas no canal alternativo e poderão dar algum indício sobre a acessibilidade das obras distribuídas nos restantes dois canais, mas tal obrigaria a outro tipo de estudos, tendo em conta factores regionais e locais (a distribuição de pontos de venda de periódicos e livrarias no país não é uniforme). Idem para uma eventual concorrência dentro de cada canal, pois o facto da publicação A ser distribuída no mesmo canal que a publicação B não implica necessariamente potencial concorrencial na intenção de quem as compra (embora haja sempre a questão da exposição e outro tipo de questões quando coexistem no mesmo espaço). Mas derivamos. Tu podes certamente justificar porque editoras como a G. Floy exploram os 2 canais (na verdade, exploram os 3, mas refiro-me, neste caso, somente às bancas e livrarias). Presumo que se fosse indiferente distribuir num ou em ambos, as publicações seriam apenas distribuídas num deles.
      Na análise, não se quantificou as publicações por géneros mas não houve diversificação de géneros per se (em 2014, realizámos uma análise por género e não encontramos diferenças dos géneros identificados nesse ano e nos de 2016), o que não exclui que haja, como seria de esperar, flutuações de frequência relativa nos mesmos, própria de mercados com pequenos números, mas tal não foi analisado neste artigo. Temos conceitos diferentes do que entendemos por banda desenhada norte-americana independente, mas não é esse também o propósito do artigo.
      Quanto à questão que colocas sobre a G. Floy ter apostado mais em BD norte-americana, em detrimento da franco-belga (ou, já agora, portuguesa, reeditada ou não, por exemplo, para nos esquivarmos da questão da elaboração e demais conjecturas que assinalaste), és precisamente a pessoa indicada para a responder. Não deixa de ser curioso, no entanto, que a inexistência de uma aposta forte em Portugal da publicação de BD oriunda da Europa francófona em 2016 (tal como nos anos anteriores), seja concomitante com um aumento da distribuição nacional do número (160) de publicações franco-belgas, em 2016, de, com ou sobre banda desenhada nos pontos de venda de periódicos, independentemente do número de exemplares distribuídos.

  2. Na verdade, onde andamos mais afastados é em duas coisas:

    Por um lado, o teu artigo parece vagamente pessimista; entendo as razões, e claro, o meu tom vagamente optimista não deixa de ser subjectivo. Dito isto, já era vagamente pessimista (o teu) no ano passado, e de repente este foi o ano em que saiu o Sandman completo, saiu o Watchmen, a GFloy quase duplicou a sua produção, a Devir cresceu mais de 50%, etc… Se este crescimento é sustentável, é outra conversa, e não é fácil de responder. O meu único argumento aqui é de que me parece que os vaticínio pessimistas do ano passado não se justificaram.

    Claro, as diferenças que fazemos na interpretação dos dados são fruto da nossa perspectiva diferente e pessoal. por exemplo: objectivamente, na verdade, eu sou da opinião que a BD que imagino que tu consideres “americana independente” (como tu dizes, “Temos conceitos diferentes do que entendemos por banda desenhada norte-americana independente”) tem relativamente pouco impacto no mercado de BD em geral. Dito de outra maneira: toda esta conversa sobre número de lançamentos é irrelevante sem falar de tiragens e vendas, das quais há pouca informação. E se a edição de “independentes americanos” ou de “livros de temática adulta” significa vender 300 ou 500 exemplares ao longo de dois anos, isso é grosso modo irrelevante para o mercado, a menos que saíssem uns 20 livros desses e aguentassem essas vendas (o que não está provado). Dito de outra maneira: é minha opinião que não há mais desses independentes e alternativos e temáticas adultas porque não há SUFICIENTE venda de escapistas, quaisquer que seja a origem deles. Dito de outra maneira: um mercado que comporta vendas de 3000 Saga ao longo de dois anos, ou de 2000 de outra série, ou de alguns (poucos, 3 ou 4) milhares de exemplares de um livro da Marvel ou das Novelas Gráficas não tem COMO suportar essas edições de que tu lamentas a falta. Uma coisa decorre da outra. Devíamos poder ter números de vendas de editoras várias para saber. Mas podemos começar a conversa, p.ex. nas tiragens da Kingpin (que são públicas, impressas nos próprios livros) de 400-700, ou nas da GFloy, que não são segredo nenhum, de 1500-2500 consoante as séries. E isto são tiragens, não vendas.

    O segundo lugar em que acho que a tua análise é muito diferente da minha é este: eu ignoro completamente a importação de revistas ou livros. Imagina o seguinte: que não se editava NENHUM livro de BD em português, e que em resultado disso havia um crescimento de 100% na importação. Nem isso significaria muito (o crescimento do importado representaria provavelmente menos dinheiro do que a perda do editado), nem teria nada que ver com o mercado português. Nem tem. Ou seja, quem manda para cá revistas do Brasil ou de França não tem qualquer intervenção no mercado, não é actor no nosso mercado. Não me parece que se deva falar da importação, até porque existe a compra directa, na Amazon ou Bookdepository etc… e se entras pelo caminho de saber da importação devias também ter isso em conta. É uma espécie de espiral sem fim, e não me parece que seja uma análise proveitosa.

    Eu na minha análise, que sairá ainda hoje provavelmente na Central Comics, ignoro o mercado de revistas, e se calhar não devia, Mas ele é fácil de ser isolado, e não é minha especialidade, nem do meu interesse. As bancas, essas sim, são importantes, mas não como sítio de venda de revistas, massificado, como antigamente. representam um canal que se habituou a receber alguns produtos mais caros (livros a 10-15€) e que possui uma penetração geográfica muito grande, combinada com margens de distribuição muito agradáveis. Como existe também já o hábito de comprar em BD bancas, para nós representa um canal adicional de venda que tem a vantagem de poder ter uma venda razoável inicial e prazos de pagamento rápidos; mas que só consegue absorver livros de um certo tipo (“escapistas”). Nunca é indiferente distribuir num ou noutro sítio. As livrarias levam mais tempo a pagar, mas os livros estão lá sempre, e podem ser encomendados pelos clientes; as bancas têm maior distribuição geográfica e prazos de pagamento mais rápidos, mas a presença dos livros lá é rápida e episódica. São complementares se conseguires gerir as questões de stocks que precisas de ter para servir ambos os canais.

    Finalmente: a minha pergunta sobre a não-existência de aposta na BD franco-belga como tem havido no comic americano é genuína. É algo que não entendo. Se o Saga ou o Southern Bastards ou o Tony Chu (séries que ninguém ou poucos conheciam) conseguem vender, não vejo porque séries franco-belgas não poderiam vender também. Nós na GFloy, claro, gostamos de comics e é o que conhecemos melhor e é o que queremos editar, e como até certo ponto se edita também por gosto, não é na GFloy que a resposta está! 🙂

    De qualquer modo, a minha opinião é radicalmente diferente da tua: eu diria que 2016 foi provavelmente um dos melhores anos de BD de sempre, senão mesmo o melhor, em termos dos lançamentos! Como 2017 será, é difícl de saber, mas por enquanto não há razões para pessimismos, embora possa haver razões para algumas preocupações.

    1. Depois de ler três ou quatro destes balanços tranformados em teses académicas, parece-me que este último comentário do José toca no ponto essencial que ninguém foi capaz de referir: em Portugal, bem ou mal, há um número razoável de indivíduos que garantem a venda de QUALQUER coisa. Séries de quarto ou quinto gabarito como o Chew ou Southern Bastards ou O Astrágalo vendem, e vendem por várias razões, desde o gosto de ler tudo, até à eficaz publicidade ou a um certo culto messiânico que existe em torno de uma certa pessoa. É incrível, isso sim, que se transforme as vendas do mercado português numa discussaozinha insonsa sem nunca dizer uma coisa que parece que causa alergia: o português compra livros e compra banda desenhada. Ver tanta verborreia aqui espetada nesta altura e andar a mastigar coisas como “o português não acompanha coitadinho”, “as coleções da dc da levoir não são para fãs a sério”, “lá fora é que se vende e há mercado” ou “os editores até perdem dinheiro só para educar estes ignorantes” durante o ano todo, ditas por gente com responsabilidade, começa a chatear um bocadinho. Portanto, os meus parabéns aos verdadeiros vencedores de 2016, os leitores, que provaram que há mercado em Portugal com dimensão para todo o tipo de géneros. Continuem a ler o que vos apetecer!

      1. Olá, José Pina!
        Não conseguir concluir do seu comentário se a sua opinião é a de que os os leitores afinal lêem o que lhes apetece ler ou se lêem qualquer coisa que aos editores (ou aos editores de culto -?) lhes apeteça editar…

      2. “séries de quarto ou quinto gabarito como o Chew ou Southern Bastards”

        Não sei onde foi buscar a ideia que são séries de segunda (ou quinta, como diz). São dos maiores sucessos comerciais e críticos das editoras independentes americanas (isto é, de qualquer editora que não seja DC ou Marvel). Ambas já foram consistentemente premiadas, com Eisners e Harveys, valha isso o que vale, pelo que eu diria que são séries americanas de primeira linha.

        Quanto ao resto, todos os índices o parecem comprovar: os portugueses são dos europeus que menos lêem (per capita) e que menos lêem banda desenhada. Dito isto, isso não impede que se edite e se venda alguns títulos razoavelmente.

        1. Por favor, mostre-me esses dados que eu não consigo encontrar. A única coisa que encontro é um ranking que fizeram com o grau de desenvolvimento das bibliotecas públicas (http://www.ccsu.edu/wmln/library.html) em que Portugal aparece a meio da tabela, à frente de países como a Bélgica, a Irlanda ou a Nova Zelândia. Mas eu nunca falei em leitura, falei em vendas que é bastante diferente.
          A primeira comic do Southern Bastards vendeu 38 mil exemplares quando saiu na America inteira (http://www.comicsbeat.com/indie-month-to-month-sales-april-2014-oh-those-southern-bastards/). A terra dos comics, um sitio com 300 milhoes de habitantes. Portugal, se tiver vendido 1000, tem um consumo per capita sobreponível…
          É dividir o número de livros vendidos pelo número de habitantes. Acho que iamos ficar surprendidos.
          Basta fazermos um exercício simples: os livros são coeditados na Polónia não é? Como é que é a divisão das impressões? 50-50? É que a Polónia tem quatro vezes o número de habitantes de Portugal… Para mercados equidimensionados o senhor deveria ficar com um quinto dos livros impressos… É isso que acontece? É fazer as contas.

    2. Olá de novo, José!
      Ou devo dizer… nada de novo? 😉 Estas conversas soam-me familiares às do ano passado…
      Apenas queria sublinhar que o mercado de importação não consta obviamente da análise do artigo sobre o mercado editorial português. É apenas uma nota de rodapé e somente merece menção dado aparentemente existir um mercado para o mesmo, que, em princípio, é concorrente directo das restantes publicações de BD, nem que seja por uma questão de disponibilidade financeira dos leitores.
      Compreende-se perfeitamente a tua postura dos gostos influenciarem o que propões ser editado. Isso não está em causa. Ou centrares actualmente a tua análise do mercado editorial no formato do livro e ignorares o mercado de revistas (e jornais e zines), uma vez que tal não é o teu presente mas sim o passado mais remoto na Devir e mais recente na Panini España. Mas isso são posturas pessoais.
      Ao contrário do que te possa parecer, na minha análise não há um lamentar da falta disto ou daquilo, mas antes uma constatação global. Se vivemos em Portugal, estranho seria parecer optimista perante os dados obtidos este ano quanto à BD portuguesa, sem que se anteveja como os autores nacionais possam vir um dia a publicar no nosso país periodicamente e com a devida recompensa… Sem dúvida que os desejos finais (de ano novo, se quiseres) se referem a vontades que são resumidas em: a) desejar um aumento de publicações de autores portugueses (seja em revista, livro ou qualquer outro tipo de publicação nas bancas, livrarias ou via distribuição alternativa) – até porque se não somos nós a desejar tal, que leitores e agentes estrangeiros o desejarão? – e b) equilibrar os segmentos visados no mercado com a publicação de um maior número de bandas desenhadas que promovam a BD enquanto possível literatura adulta (e não somente por adultos). Existem várias editoras nacionais que se dedicam mais a essa vertente e, no que te diz respeito, será verdade que, por exemplo, as vendas da Levoir dos volumes Novelas Gráficas sejam da ordem dos 300-500 exemplares no espaço de 2 anos que referes?
      Dadas as minhas conclusões e desejos não serem posições pessoais, parece-me importante ressalvar que se as obras de BD menos publicadas no nosso país fossem as de entretenimento juvenil estrangeiro, transversal a outras faixas etárias, seria o crescimento desse segmento o desejo manifestado nas conclusões, justificado pelo eventual crescimento do número global de leitores de BD ao se utilizar a estratégia de cativar espectadores de televisão e cinema, ou inclusivamente de “gamers”, para outra via de entretenimento, onde podem contactar com marcas e personagens já sua conhecidas e conhecer outras dentro do mesmo género literário… Dado ser praticamente o oposto, como é habitual, a questão é saber em que ano o mercado parará de crescer (de forma sustentável?) e se existirá implosão de todo o mercado de BD ou um simples reequilíbrio a nível de número de lançamentos e tiragens.
      Já o ano passado se referiu que a inexistência de dados de tiragens e vendas não permite outro tipo de análise. Actualmente, dados parciais das tiragens que são conhecidos mostram realidades diferentes desde revistas de banda desenhada com tiragens da ordem da dezena de milhar, alguns livros na ordem da unidade de milhar ou de tiragens mais modestas na ordem das centenas (os livros com tiragens na ordem das dezenas de milhar são raros) ou, por exemplo, zines na ordem da dezena, raramente da centena. Tratam-se de pesos completamente diferentes na história da edição portuguesa de banda desenhada, mas não negamos a existência de nenhum e são todos componentes da história integral do que se pretende estudar.

      1. Concordamos no geral. Eu resumiria as minhas conclusões da seguinte maneira:

        A minha principal preocupação é que me parece que há poucos projectos feitos para criar novos leitores. Nesse sentido acho as colecções Novelas Gráficas e alguns títulos da Devir os mais importantes no mercado neste momento, porque me parece que saem um pouco daquilo que é público fixo de BD, que é o dos fãs hardcore com que as editoras parece estarem a trabalhar há alguns anos.

        Mas para além disso, parece-me que é inegável que houve uma progressão nestes últimos anos, mais lançamentos e editoras, mais lançamentos de autores portugueses em edições com qualidade, e mais diversidade no tipo de BD editada. Tudo razões para estarmos contentes.

        Relativamente a duas coisas: suponho que as únicas tiragens de dezenas de milhares de exemplares sejam as da Goody, e honestamente, não sei até que ponto se podem transformar leitores de Goody em leitores regulares de BD.

        Quanto a fanzines, edições de autor, etc… são obviamente importantes no sentido de constituírem experiências, laboratórios de lançamento de autores nacionais, e de mostrarem alguma vitalidade do mercado, mas são no geral irrelevantes em termos de “mercado” porque estamos no geral a falar de publicações de tiragens de 50, 100 ou 200.

        Entretanto, podes ler a primeira parte da minha análise aqui, e descarregar um PDF com a lista de livros que compilei (com a ajuda do Pedro Cleto), se vires que falta alguma coisa, avisa.

        https://goo.gl/FRmgs0

        1. Olá, José!
          Reparei em vários erros, por acaso. Editoras mal atribuídas (p.e., CCC), editoras de livros ausentes (p.e., MMMNNNRRRG, Dom Quixote), lançamentos que não ocorreram (p.e., Infante), uma lista infindável de zines (divulgados todos no Bandas Desenhadas) em falta. No entanto, apesar destes défices nas fontes dos dados, certamente chegarias a resultados e conclusões semelhantes.

  3. ” …até porque em média nunca ninguém paga adiantamentos a autores portugueses. Pode haver excepções, mas garanto que são muito poucas.”

    Enfim, se há vontade de educar os leitores a consumir um certo tipo de publicações, porque será que, de uma vez por todas, não se educa os editores a deixar de ser meros “publicadores” e a, de uma vez por todas, garantirem as editoras condições mínimas que motivem os autores a poder dedicar-se em exclusivo à criação de uma obra de Banda Desenhada?

    Não se adianta pagamentos aos autores de outros géneros literários? Serão os autores de Banda Desenhada menos merecedores de tal respeito?

    Somos mercado pequeno? Sim somos. Há leitores? Sim há. É possível tornar vendável obras nacionais junto do grande publico? Claro, que sim. Bastando que para tal seja feita uma divulgação séria do produto que se quer vender dedicando-se o mesmo esforço que se dedica a obras estrangeiras.

    Há tanto talento no nosso pequeno país, porque será que só o valorizamos quando lá fora eles atingem o reconhecimento que deviam ter tido primeiro no seu próprio país?

    Que 2017 seja o ano da afirmação das obras nacionais. Que haja coragem para editar uma colecção com um jornal dedicada única e exclusivamente ao que melhor se pode fazer no nosso país.

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