Estava eu em mais um passeio pós-prandial pelas livrarias, quando uma capa de um livro me chamou a atenção na secção infantil. Com um fundo negro – e, portanto, contrastando com os demais da secção – encontrava-se representado algo que, ao longe, se assemelhava aos panos de croché que a minha avó e a minha mãe faziam.
O inusitado da situação – estivesse o livro na secção dedicada às revistas de lavores e o meu olhar não o teria captado – fez-me aproximar do livro. Nos poucos segundos que durou eu percorrer essa distância, equacionei a hipótese de ser um livro ilustrado através de recortes de papel (prezo muito, por exemplo, a obra de Gémeo Luís), frequentemente também colocados em secções infantis e similares das livrarias.
Já com o livro da editora Pato Lógico nas mãos, apercebi-me da razão da dissonância cognitiva que estava, desde o início, a experimentar. Existia ali um corpo estranho que não encaixava na primeira ideia que concebi e que agora distinguia perfeitamente – a aranha. Adicionada a sua presença aos fios excêntricos (refiro-me obviamente à composição gráfica e não a extravagância) da teia, subitamente tudo ganhava um novo significado.
O nome do autor fez-me esboçar um sorriso. O André da Loba dispensa apresentações, com um longo currículo – tendo o seu primeiro livro ilustrado, ainda sob o nome de André Carvalho, sido publicado curiosamente pela Edições Eterogémeas, editora do supramencionado Gémeo Luís – e, ainda mais importante, o justo reconhecimento nacional e internacional da sua obra na área da ilustração em particular e no das artes em geral.
No entanto, acima de tudo, são as emoções que me desperta, o que mais me cativa na obra de André da Loba. Se o referi de passagem, como a tantos outros, aquando da abordagem do livro Sérgio Godinho e as 40 Ilustrações, era minha intenção regressar calmamente à sua obra, acreditando que Arenque Fumado seria o mote para tal. Mas a vida prega-nos estas partidas… o que se revelou bestial.
Bestial, ao longo das suas 32 páginas, mescla animais com objetos ou elementos naturais. Esta aventura gráfica, transportou-me para o passado, mais concretamente a revistas de atividades que estimulavam a nossa criatividade para que inventássemos neologismos por junções parciais de outras palavras, perante um estímulo gráfico (imagine-se um animal meio elefante, meio girafa e batize-se o mesmo: eleafa? girafante? elefafa? girante?).
Com Bestial, André da Loba faz uma viagem mais rica, não pretendendo que procuremos criar novas entradas para um léxico existente no nosso imaginário, mas construindo ligações por analogia visual – por exemplo, as bossas de um camelo e as montanhas cobertas de neve; aqui, decerto eu optaria pelo Pão de Açúcar numa homenagem à banda brasileira Titãs e à sua música O Camelo e o Dromedário – ou explorando as semelhanças funcionais – por exemplo, o pica-pau e o martelo.
Acabado de chegar às livrarias, Bestial será certamente alvo de várias apreciações na imprensa de especialidade e na internet, ao inaugurar uma nova coleção da editora, inteiramente dedicada a autores de imagens, vulgo ilustradores, onde o limite de páginas é a única condição imposta. Esperemos que as palavras que daí vão advir consigam fazer jus à obra repleta de seres fantásticos, que recomendo sem exceções.
Provavelmente, será difícil um autor almejar mais do que um leitor, horas depois de terminado um livro, desejar retornar ao mesmo. Foi o que aconteceu comigo. Quando confrontei o autor com tal facto, deu-me a única resposta possível, que isso era… bestial!
nota: as imagens da capa e antevisão do livro foram gentilmente cedidas pela editora Pato Lógico, as quais se agradecem e ilustram o texto.
Fundador e administrador do site, com formação em banda desenhada. Consultor editorial freelance e autor de livros e artigos em diferentes publicações.