Sombras

Sombras

Outro livro que inaugura a coleção “autores de imagens” da Pato Lógico, que abordei ontemé o de Marta Monteiro, intitulado Sombras. A Marta Monteiro teve um lugar de destaque, embora anónimo e efémero neste site – na coluna direita, durante muitas semanas, evidenciou-se o intrigante poster que anunciava as 3.ªs Conferências de Banda Desenhada em Portugal, organizadas por Pedro Moura, sendo o poster da autoria de… Marta Monteiro.

O lançamento inaugural dos dois livros nesta coleção justificou a apresentação conjunta dos mesmos no final de junho. Não estranhei, portanto, quando Inês Felisberto, gestora de projeto na editora Pato Lógico, após o meu contato a propósito de Bestial de André da Loba, gentilmente me inquiriu se tinha tido oportunidade de conhecer a obra Sombras de Marta Monteiro.

Aceitei, então, o desafio de Inês Felisberto, e dirigi-me ontem a outra livraria. Apostei na secção infantil e facilmente localizei a teia de croché que me chamara a atenção dias antes. Descobri Sombras por trás deste – o que era lógico, dado o foco de luz incidir na frente do livro de André da Loba e projetar a sua sombra para trás. Verifiquei que tinham sido dispostos ora um ora outro, como se à sombra de Bestial correspondesse precisamente Sombras e a sombra de Sombras fosse Bestial.

No entanto, apesar de ambos partilharem a mesma premissa e coleção – dedicada a autores de imagens, vulgo ilustradores, onde o limite de páginas é a única condição imposta – é meu desejo que a crítica especializada não os aborde em conjunto pois tratam-se de obras díspares e não necessariamente complementares, merecendo cada uma direito ao seu próprio espaço.

O livro de Marta Monteiro faz-nos interrogar o quanto somos fieis ao eu e o quanto somos a reação / adaptação ao meio e ao contexto. Que ideia projetamos do eu aos demais, quais as premissas do nosso autoconceito e como se cruzam todas estas projeções?

Atualmente, somos expostos em tenra idade a um conceito fantástico das silhuetas humanas através da obra Peter and Wendy de J. M. Barrie, muito provavelmente na versão animada da Disney, a qual permite que vislumbremos as sombras com um olhar mágico. Serão as sombras do livro de Marta Monteiro as reais representações das personagens retratadas? Devemos aqui ir beber na alegoria da caverna de Platão?

A única certeza é a de que as sombras aqui representadas desafiam a lógica e as leis da física, tendo por vezes características que o nosso ser mais profundo sabem serem mais representativas da situação que o habitual bloqueio de luz por um corpo – repare-se na personagem concentrada na leitura do mapa, a dado momento, por exemplo.

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Há algo nesta obra muito importante para mim, dado o meu interesse na banda desenhada. Marta Monteiro apresenta-nos aqui uma série de ilustrações que assentam numa narrativa sequencial. Cada ilustração ocupa a totalidade da página ou a página dupla. Fosse a mesma disposta sob a forma de várias vinhetas por página e haveria quem concordasse tratar-se de uma BD sem recurso à palavra (frequentemente designada por muda). No entanto, existem BD com apenas uma vinheta por página… Esta particularidade é apenas um exemplo percetível a todos os leitores, sem pretensões de analisarmos neste espaço o que muitos académicos se encontram – e encontrarão – a discutir. É algo que tem acompanhado a humanidade, a necessidade de classificar e catalogar, para tornar atingível o saber / conhecimento através da categorização. Certamente voltarei, dado não ser esse o intuito com esta pequena apreciação da obra, à intersecção de linguagens estéticas entre a banda desenhada, o livro ilustrado e outras apresentações narrativas. Trata-se de um tema que merece o seu próprio tempo e lugar.

Não derivando para vôos paralelos, vale a pena encontrarem o livro de Marta Monteiro. E sejam solidários com os que receiam vasculhar nas regiões em que a luminosidade se encontra ausente. Coloquem Sombras à luz. A autora e, principalmente, os leitores merecem-no!

nota: as imagens da capa e antevisão do livro foram gentilmente cedidas pela editora Pato Lógico, as quais se agradecem e ilustram o texto.

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