«No futuro, gostava que as bandas desenhadas abordassem muito mais temáticas adultas e de conteúdo mais social.»
Horacio Altuna foi um dos convidados do Amadora BD 2015. Realizou-se uma pequena entrevista, centrada especialmente na fase inicial do seu trabalho na Argentina, menos conhecida dos portugueses, embora também se abordassem os seus atuais projectos.
Nuno Pereira de Sousa: Na Argentina, nos anos 40 e 50, há um crescimento do número de revistas de banda desenhada para crianças, jovens e adultos, como Rico Tipo, Billinken, Patoruzito, Intervalo, Salgari, Misterix, Cinemisterio, Fantasía, Frontera ou Hora Cero. Como foi crescer neste ambiente? Influenciaram o querer ser autor de BD?
Horacio Altuna: Claro, não só por ser leitor desses materiais, mas também porque ali eram publicados os desenhadores que seriam os meus mestres.
NPS: Iniciou a sua atividade como autor de BD nos anos 60, numa altura em que se iniciou uma diminuição da produção de material e um enfraquecimento da indústria. Foram tempos difíceis para os autores de BD?
HA: Pelo contrário, essa época foi aquela com a maior quantidade de revistas e editoriais que eram fontes de trabalho para os desenhadores. Essa “primavera” da banda desenhada durou até aos anos 80, de modo que facilitou a minha evolução profissional.
NPS: O que nos pode contar sobre a luta pelos direitos de autor da ADA – Asociación de Dibujantes de la Argentina, nos anos 70?
HA: Foi difícil e não conseguimos grandes conquistas, já que enquanto decorriam essas lutas, srugiu a ditadura militar. Eu continuei sempre com essas reivindicações, já em Espanha, desde 1982, na Asociación de Ilustradores de Cataluña, da qual fui presidente sete anos e continuo na sua Direção.
NPS: Como conheceu Carlos Trillo?
HA: Na redação da revista Satiricón, onde ele trabalhava, para a qual me convidaram a trabalhar esporadicamente.
NPS: Em algum momento, o Horacio Altuna e o Carlos Trillo se aperceberam que “El Loco Chávez”, publicado no Clarín, se iria tornar um marco da BD argentina daquela altura?
HA: A primeira repercussão foi a popularidade da BD, que chegou a ser série televisiva, e proibida pela ditadura em pouco tempo.
NPS: “Las puertitas del Sr. López” é outro marco incontornável. Com a falta de liberdade de expressão que se vivia nessa época, a criação da série era um ato de coragem?
HA: Não estávamos conscientes de estar a fazer nenhum ato desse tipo. Creio que, com o tempo, nos apercebemos que tinhas feito algo importante naquela época.
NPS: Quando decidiu que iria residir em Espanha?
HA: Nos anos 80, depois de sofrer com a ditadura, com a perda e desaparecimento de amigos e a falta de liberdade, decidimos tentar uma nova carreira na Europa. Também teve a ver com a minha crise dos 40 anos e estar no mais alto patamar profissional no meu país. O desafio de começar do zero noutro país foi positivo para mim.
NPS: É em Espanha que começa a realizar as primeiras BD como autor integral (argumentista e ilustrador) e começa a utilizar frequentemente as cores. Como foi esta experiência?
HA: Tudo o que fiz com Trillo também era da minha autoria a nível de argumento, uma vez que elaborávamos os dois os argumentos, em conjunto. Portanto, não foi uma experiência nova para mim.
NPS: Atualmente, quais são os géneros de banda desenhada mais lidos em Espanha?
HA: Lêem-se todos os géneros, com uma grande influência de super-heróis e manga.
NPS: Que idade têm os leitores que atualmente lêem Horacio Altuna?
HA: É uma faixa ampla, mas creio que são leitores formados, pós-adolescentes.
NPS: Em que bandas desenhadas está a trabalhar atualmente?
HA: Trabalho num Tex (Texone, o Tex Gigante), para a italiana Bonelli; num álbum sobre os combates de boxe de Muhammad Ali contra George Foreman em 1974, para a francesa Dupuis; e numa tira diária chamada “Es lo que hay”, para o diário argentino Clarín.
NPS: Daqui a 20 anos, como imagina que será a BD publicada?
HA: Suponho que igual à de hoje em dia, embora desejasse que abordassem muito mais temáticas adultas e de conteúdo mais social.
NPS: Para que serve atualmente a banda desenhada? Quais os valores da banda desenhada?
HA: Depende de qual seja a temática. Creio que é um meio de expressão que teria de ter um conteúdo mais universal e não ser apenas uma leitura de evasão infantojuvenil. Atualmente, ainda não se alcançam essas quotas de diversidade.
nota: fotografia cedida por Amadora BD.
Fundador e administrador do site, com formação em banda desenhada. Consultor editorial freelance e autor de livros e artigos em diferentes publicações.