Juan Díaz Canales: entrevista

Juan Díaz Canales: entrevista

Juan Díaz Canales é um dos convidados que estará presente na Comic Con Portugal 2015. Realizámos uma pequena entrevista a este argumentista de banda desenhada, um autor que os portugueses ficaram a conhecer com a série Blacksad e que se encontra a escrever as novas aventuras de Corto Maltese.

Nuno Pereira de Sousa: O Juan Díaz Canales tem uma carreira na animação profissional na animação que talvez seja desconhecida pelos leitores de banda desenhada. Fale-nos um pouco do seu trabalho nesta área.
Juan Díaz Canales: Durante muitos anos, a animação foi o meu principal trabalho, tendo chegado a formar o meu próprio estúdio, a Tridente Animación, com 3 colegas e amigos. Após muitos anos a fazer storyboards e layouts para um número infindável de produções, decidimos encerrar a sociedade e cada um continuar por sua conta. Atualmente, trabalho pouco na animação porque a banda desenhada ocupa-me quase todo o tempo.

NPS: Como é que a sua experiência na animação influencia o processo criativo na banda desenhada?
JDC: A animação é uma excelente escola de desenho e narração. Sobretudo, quando se trabalha em pré-produção, elaborando histórias, desenhos ou layouts. Ao estar a mudar constantemente de estilo, aprende-se um monte enorme de recursos. Outro factor muito positivo é o trabalho em equipa, imprescindível nos desenhos animados e que pode ser muito enriquecedor, especialmente se se está rodeado de grandes artistas, como foi o meu caso.

NPS: Foi precisamente no mundo da animação que encontrou Juanjo Guarnido. Como surgiu a ideia de criarem uma banda desenhada em conjunto?
JDC: A ideia nasceu porque compartilhávamos a mesma paixão pela banda desenhada e decidimos que tínhamos de fazer algo juntos. Após algum intercâmbio de ideias, a oportunidade apresentou-se quando mostrei a Juanjo um par de histórias curtas desenhadas por mim a branco e preto. Tratava-se de umas bandas desenhadas protagonizadas por um gato detetive. Imediatamente, Juanjo pensou que esse personagem e esse universo podiam ser uma possibilidade, pelo que me propus a desenvolver o projecto de um modo mais ambicioso, para que o apresentássemos em conjunto a algumas editoras. E tivemos a sorte da Dargaud nos fazer um contrato.

NPS: Se tivesse de definir Juanjo Gaurnido numa só palavra, qual escolheria?
JDC: Amigo.

NPS: Atualmente, Blacksad é uma obra premiada a nível mundial. Quando se começaram a dar conta do êxito transversal da série?
JDC: Logo no início, pois o primeiro álbum, quando ainda ninguém conhecia o personagem, foi coeditado em França, Espanha e Alemanha e, pouco depois, Portugal e Itália.

NPS: Porque escolheram um policial noir ambientado em plena década dos anos 50 do século passado?
JDC: Estivemos na dúvida entre os anos 30 e 50, mas acabámos por optar por esta década porque nos pareceu uma época dourada para o género, em especial no cinema. Por outro lado, adoramos a estética desses anos. A moda, a arquitetura, o desenhos, os carros… quase tudo envelheceu muito bem!

NPS: Ao longo da série, foram sendo introduzidas grandes temáticas, como a segregação racial, a caça às bruxas durante a Guerra Fria, a toxicodependência e a aparente boémia e hedonismo egoísta de uma beat generation. Porque escolheram esses temas em concreto?
JDC: Essa era outra das grandes vantagens em situar a acção nos anos 50 e nos EUA. Os conflitos dessa época são de uma enorme atualidade e isso permite-nos refletir sobre um monte de temáticas que ainda hoje nos preocupam e interessam.

NPS: Qual vai ser a grande temática do próximo livro de Blacksad?
JDC: Sinceramente, ainda não o decidimos.

NPS: Como foi a reacção dos leitores à introdução do contraponto cómico Weekly na série?
JDC: Excelente, como não podia de ser de outro modo perante um personagem tão simpático e cativante.

NPS: É no próximo livro que Blacksad encontra o seu pai?
JDC: Não sei. Mas tudo é possível…

NPS: As séries Les Patriciens (com Gabor) e Fraternity (com Munuera) são inéditas em Portugal. Fale-nos um pouco delas.
JDC: Los Patrícios foi uma série de humor que eu e Gabor quisemos fazer na tradição da BD de humor da editora Burguera, que tanto marcou a nossa infância. O problema foi que talvez fosse um humor demasiado espanhol e em França não funcionou muito bem. Fraternity é um díptico, baseado em acontecimentos históricos reais, mas com um pequeno toque de fantasia. A história narra a formação de uma colónia utópica nos EUA durante a Guerra da Secessão, vista através dos olhos de um menino selvagem e de uma criatura fantástica do bosque. Em ambos os casos, tive a sorte de trabalhar com desenhadores extraordinários.

NPS: Como surgiu a oportunidade de continuar as aventuras de Corto Maltese, com Pellejero?
JDC: Foi um acaso, uma vez que a Patrizia Zanotti, a gestora dos direitos de Pratt, foi a primeira editora de Blacksad em Itália. Como tal, há anos que nos encontramos no Festival de Lucca, onde o Corte Maltese é um tema recorrente. Quando Patrizia, que já conhecia e apreciava o meu trabalho, pensou que tinha chegado o momento de retomar o personagem, propôs-me escrever o argumento.

NPS: Quais foram as principais linhas orientadoras que traçou para construir a narrativa de Sous le soleil de minuit?
JDC: Como ponto de partida, recebi uma sinopse escrita por Luca Romani. Nela, havia alguns elementos interessantes que guardei como ponto de partida para escrever o argumento completo, em especial o ano – 1915, logo após A Balada do Mar Salgado -, a situação geográfica no Alasca e, finalmente, a presença de Jack London.

NPS: Acredita que o mercado franco-belga continua a ser uma referência para os autores de BD espanhóis que pretendam internacionalizar o seu trabalho?
JDC: Não apenas para os espanhóis, mas para os europeus em geral. Qualquer autor que queira viver de banda desenhada tenta publicar diretamente em francês porque é o único mercado europeu que alcança um grande público de leitores. Tem uma indústria editorial muito potente, colocando a BD ao mesmo nível da literatura.

NPS: Dentro de 20 anos, como imagina que será a banda desenhada publicada?
JDC: Não sei o que responder. Não sou um bom profeta. Mas tenho curiosidade em descobri-lo e espero que eu ainda esteja ativo!

NPS: Para que serve atualmente a banda desenhada? Quais são os valores que lhe são inerentes?
JDC: A BD continua a ter os mesmos valores de há um século, quando começou a popularizar-se porque, embota tenha evoluído bastante nestes cem anos, já nasceu adulta. É um meio de expressão excecional que, sem necessitar de muitos recursos, é capaz de transmitir desde a emoção mais subtil até às ideias mais complexas. É uma dádiva para autores e leitores!

nota: as imagens foram gentilmente cedidas pelo autor.

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