André Oliveira: entrevista

André Oliveira: entrevista

André Oliveira é um dos convidados da Comic Con Portugal 2015. Para esta entrevista, fez-se uma tentativa consciente de não repetir assuntos presentes na dezena de participações que André tem tido no programa radiofónico Bandas. Deste modo, a entrevista torna-se complementar às mesmas e vice-versa.

il. Pedro Carvalho (in Zona Monstra)

Nuno Pereira de Sousa: Foste coeditor da antologia de BD Zona. Que importância teve a Zona na tua formação enquanto autor
André Oliveira: A Zona foi muitíssimo importante para mim, devido a uma série de razões. Em primeiro lugar, deu-me uma primeira experiência de produção. Antes disso, não fazia muito bem ideia das soluções que havia para fazer um livro, a preparação dos documentos e toda a dinâmica de realizar projectos com gráficas. Depois, foi a partir da Zona que conheci muitos ilustradores, colaborei com muita gente diferente que estava a começar e fui depurando o meu processo a cada trabalho realizado. Fiz amigos pessoais e tenho o prazer de ainda trabalhar com alguns deles, de tempos a tempos. Por fim, durante anos, a Zona foi a minha principal motivação para escrever para banda desenhada. É certo que estava sempre atento a concursos e a outras antologias, achava importante participar em tudo para ganhar experiência e confiança, mas mesmo que não houvesse muitas outras oportunidades durante o ano, pelo menos podia sempre contar essa solução para editar uma ou duas curtas.

NPS: O teu avô tem tido várias homenagens ao longo da tua obra. Fala-nos um pouco desta pessoa fulcral na tua vida.
AO: O meu avô nunca me disse que estava cansado e que não lhe apetecia brincar. Nunca. Julgo que isso acaba por resumir muita coisa. Fiz-lhe algumas homenagens, aqui e ali, através daquilo que consigo e sei criar, mas por muitas que faça nunca serão suficientes. Era um homem extremamente talentoso em várias áreas, foi aluno da Escola António Arroio e isso materializou-se numa série de bonitas aguarelas e desenhos a grafite que me habituei a ver pendurados na parede da casa dos meus pais. Além disso, também tinha jeito para escrever, sobretudo quadras e textos humorísticos sobre episódios passados entre amigos. Nunca li nada dele que não fosse para rir… Não creio que não fosse capaz de escrever textos dramáticos mas julgo que talvez tenha considerado que já lhe bastavam os dramas da vida juvenil e adulta. Eu sou filho único e, como tal, passava algum tempo a brincar sozinho. Mas sempre que estava em casa dos meus avós, era ele que fazia a vez das outras crianças, de um montão delas, em jogos, correrias e brincadeiras que ocupavam tardes e serões. Também me contava histórias para eu adormecer, uma diferente todos os dias, munido de uma imaginação que parecia não ter limites. Muito daquilo que sou hoje vai beber àquilo que ele foi e é, ao exemplo que me deu. Mas a nossa história ainda dura e espero que dure durante muitos e bons anos.

il. Maria João Careto (in Há Sempre um Eléctrico que Espera por Mim)

NPS: Em 2010, com Há Sempre um Eléctrico que Espera por Mim, atingiste o número de 16 páginas numa banda desenhada. Cinco anos depois, que recordações tens da elaboração da mesma.
AO: Em primeiro lugar, estou chocado por constatar que apenas se passaram seis anos desde o lançamento desse livro… Na minha cabeça parece que se passou uma eternidade. Na altura, dezasseis páginas aparentavam ser um autêntico Evereste. Penso que o máximo que tinha escrito até então eram quatro ou cinco. Mas não me lembro de ter demorado muito a escrever a história, foi um processo relativamente rápido. Hoje, quando olho para ela julgo que devia ter resolvido melhor algumas partes. Como na altura não construía o guião vinheta a vinheta, também não havia maneira de controlar minimamente o ritmo da história e de dar tudo o que a Maria João precisava para não deixarmos a narrativa com lacunas. Enfim, foi uma boa experiência apesar de tudo. Estive um pouco ausente do processo de desenho do livro porque a Maria João não tinha scanner e não me conseguia enviar o que estava a fazer. Apenas pude observar por uma vez o work in progress, quando ela me mandou as páginas fotocopiadas por correio. Lembro-me disso porque passei vários meses sem ter a certeza se o livro ia ou não ser feito… Ainda bem que foi. Aprendi bastante.

NPS: Fala-nos um pouco do teu processo na escrita de bandas desenhadas.
AO: O meu processo muda um pouco de projecto para projecto, até porque me aborrece fazer sempre as coisas da mesma forma. A exposição que fizeram agora no Amadora BD acerca do meu trabalho é a melhor maneira para se analisar aquilo que faço: estavam lá os guiões integrais de todos os livros que publiquei até agora. No entanto, talvez possa deixar aqui algumas coisa que para mim são absolutamente fundamentais. Em primeiro lugar, só começo a escrever quando tenho o princípio, meio e fim da narrativa bem definidos. Sou incapaz de o fazer de outro modo, sob perigo de me perder e de prejudicar todo o investimento de tempo aplicado. Depois, tenho sempre a noção do número de páginas que vou querer usar antes de planificar a história. Isso ajuda-me a criar uma espécie de esqueleto para encher de músculo, digamos assim. Quando tenho personagens descritas e o livro planificado, começo a escrever o guião propriamente dito. E é aí que, na minha óptica, começa o trabalho mais duro.

il. Nuno Plati (in Milagreiro)

NPS: Publicar na Kingpin, Polvo e El Pep providencia-te experiências diferentes?
AO: Sim, muito diferentes. Não quero estar a falar das três situações na mesma resposta porque podia cair no erro de comparar editores e não o quero fazer. Para mim não faz sentido no mercado português trabalhar com uma só marca editorial, até nisso gosto de variar. Há projectos que julgo que se adequam melhor a uma do que a outra e até agora tenho tido a sorte de ter a porta aberta em qualquer uma delas. Mas cresço sempre, aprendo sempre e dou sempre o meu melhor. Podemos dizer que esses são denominadores comuns.

NPS: Hawk, Casulo, Vil, Tiras do Baralho, Tormenta, Milagreiro, Living Will, Gentleman. Estamos quase no Natal. A que tipo de leitor/pessoa oferecer cada um deles?
AO: O Hawk, Living Will e Tormenta são trabalhos mais introspectivos, mais intimistas, se calhar mais próximos de mim e da minha sensibilidade. Portanto, se as pessoas gostarem deste género, os três títulos são boas soluções.  Para quem gosta de thrillers, narrativas negras e de cariz histórico/fantástico então aí enquadra-se o Vil, claro. O Casulo tem um pouco de tudo, de BDs cómicas a alegóricas ou autobiográficas. Mas é uma boa opção para quem gosta de variedade e de conhecer (ou rever) uma série de bons ilustradores portugueses. O Milagreiro, continuo a dizer, é entretenimento puro. É uma história de acção, com a temática religiosa como pano de fundo mas não deve ser levado demasiado a sério. O Gentleman talvez se enquadre num patamar semelhante mas é mais violento, passado num mundo pós-apocalíptico e com muita coisa por explicar. Por fim, para quem gosta de humor negro, bonecada e estupidez… o Tiras do Baralho! talvez seja uma boa escolha.

il. Xico Santos (in Vil – A Tragédia de Diogo Alves)

NPS: Na tua escrita, praticas diferentes registos e géneros. Contudo, julgas que ao longo da tua obra é possível denotar a tua voz?
AO: Não tenho a certeza… Eu tenho uma frase que felizmente digo muito em muitos lançamentos de livros: “Isto é muito diferente de tudo o que fiz até à data”. Gosto muito de experimentar e de me transportar para universos distintos, de arriscar, de me atirar para fora de pé. Isso às vezes é bom, outras causa-me dissabores mas isso agora é outra história. Se tenho uma voz? Penso que cabe aos leitores dizer, pelo menos aqueles que conhecem realmente o meu trabalho. Eu diria que há alguns elementos comuns, transições de vinhetas que uso muito, um tipo de narração algo particular (sempre ou quase sempre ditada por uma das personagens)… Mas se isso chega para constituir uma voz, sinceramente não sei dizer.

NPS: Milagreiro permitiu-te reformular uma BD anterior. Relês os teus trabalhos após terem sido publicados? Se sim, ficas a reflectir sobre o que querias mais ter feito na obra ou colocas realmente um ponto final no assunto após ter sido editada?
AO: Coloco um ponto final. Atenção que eu não reformulei o primeiro capítulo do Milagreiro. As pranchas estão praticamente iguais àquelas que foram publicadas na revista Café Espacial. As diferenças mais substanciais estão no uso da cor (eram originalmente a preto e branco) e na mudança do tipo de letra. O resto são mudanças pontuais, já que estava com a mão na massa. Mas geralmente tento não pensar demasiado no assunto. Os livros saem como saem, eu faço o melhor que consigo durante um determinado intervalo de tempo, com as ferramentas que tenho na altura, com o know-how que tenho na altura e com o investimento pessoal que pude dar. Podia sempre ter feito melhor e pior, é natural que dê o máximo para minimizar os erros e fazer com que tudo saia o mais perfeito possível. Mas a perfeição é uma utopia a todos os níveis e considero contraproducente olhar demasiado para trás e para os lados.

il. André Caetano (in Volta – O Segredo do Vale das Sombras)

NPS: O que poderemos ler da tua autoria em 2016?
AO: Sinceramente não sei bem. E quem me conhece sabe que prefiro ficar calado do que prometer e depois não cumprir. Tenho algumas coisas escritas que não sei se vão chegar a ver a luz do dia (não depende de mim). Quero acabar o Living Will e para isso vou ter de publicar dois números durante o ano. Quero continuar a série do Gentleman e quero apostar também no Volta 2 (sem conseguir garantir que saia em 2016). Depois, tenho pensado numa espécie de sequela para o Milagreiro, um livro com os mesmos moldes, e mais um ou dois projectos com características diferentes. Pode-se esperar qualquer coisa da minha parte para o ano, sem dúvida. Só não sei se muito se pouco.

NPS: Em que bandas desenhadas estás actualmente a trabalhar?
AO: Actualmente, actualmente em nenhuma. Escrevi recentemente a curta de Janeiro da Cais e durante umas semanas estou safo desse compromisso. Mas conto (re)começar a escrever em breve… E quando isso acontecer, o Living Will#6 e o segundo volume do Volta terão de estar no topo das minhas prioridades.

il. Joana Afonso (in Living Will #5)

NPS: Estiveste recentemente em Leeds, no Thought Bubble Festival. Qual tinha sido a tua primeira impressão sobre o festival, quando o visitaste pela primeira vez?
AO: Foi um primeiro contacto com uma realidade muito diferente: eu nunca tinha estado em nenhum festival de BD fora de Portugal. Em primeiro lugar, fiquei surpreendido e entusiasmado com a quantidade de editoras que por lá existem (entretanto podemos dizer que o deslumbramento passou e, na realidade, muitas dessas marcas pertencem a microeditoras como a Ave Rara, por exemplo), com a quantidade de talentos a realizar trabalho de BD e de ilustração no Reino Unido e no à vontade com que os artistas de reputação internacional interagem directamente com o público. Eu sei que esta última parte também existe no nosso país mas a lista de convidados do Thought Bubble é absolutamente impressionante. Todos os anos são dezenas de vedetas que para lá se dirigem e o contacto com eles é muito fácil e autêntico. Em 2013, vivi uma experiência intensa, gratificante e motivadora. Na altura, levei o Living Will #1 para me dar a conhecer e falei com muita gente. A reacção foi sempre muito boa, convidando-me a contactar depois quando tivesse os números todos da série concluídos para sondar a hipótese de publicação, coisa que vou com certeza fazer. De qualquer maneira, ocorreu-me depois, nada está garantido porque naquelas condições julgo ser um pouco o trabalho deles serem agradáveis. Afinal de contas, os editores estão lá em representação das suas marcas e com o objectivo de vender.

NPS: Que expectativas profissionais tinhas relativamente a este ano?
AO: Eu não tinha expectativas algumas (na verdade, raramente tenho). Mas é verdade que tinha um propósito. Como disse anteriormente, há dois anos atrás levei o Living Will #1 para oferecer às editoras que me interessassem, assim como um cartão de visita com os meus contactos. Queria dar-me a conhecer, conhecê-los a eles, e deixar a referência de que estaria interessado em colaborar com editoras estrangeiras caso fosse esse também o seu desejo. De resto, não tinha nada de concreto para apresentar nem intuitos mais ambiciosos. Quando cheguei a Portugal enviei, naturalmente, um e-mail de follow-up mas recebi muito poucas respostas. Pode significar muitas coisas: o não terem gostado lá muito da minha escrita, o não terem recebido nenhuma proposta no verdadeiro sentido da palavra, o não colaborarem com argumentistas estrangeiros… Levou-me a tirar conclusões e a tentar coisas diferentes este ano, por exemplo. Estou neste momento a trabalhar na tradução de alguns livros meus para inglês e foi a publicação dessas obras que propus, muito objetivamente. Uma vez mais, recolhi reacções positivas mas não tenho ainda nada de concreto para anunciar.

il. João Sequeira (in Tormenta)

NPS: Pensas que, apesar de ser um dos maiores festivais de banda desenhada no Reino Unido e de vários autores nacionais autoeditarem ou serem editados em língua inglesa ou produzirem bandas desenhadas mudas, é um festival pouco procurado pelos autores nacionais?
AO: Não, apenas acho que há dois anos atrás muito pouca gente por cá sabia que esse festival se realizava. Desde aí, todos os anos o número de artistas portugueses a visitar o Thought Bubble tem aumentado exponencialmente. Andamos a tomar aquilo de assalto.

NPS: Do modelo do Thought Bubble Festival, há alguma vertente que acredites que não está ou está a ser pouco explorada em Portugal?
NPS: Nem por isso… Eu ainda não fui à Comic Con Portugal mas acredito que aí a parte da convenção propriamente dita (como o próprio nome indica) esteja mais desenvolvida. É essa a grande diferença da convenção do Thought Bubble em relação aos festivais que costumo frequentar no nosso país. No entanto, neste momento não haveria condições para fazer algo semelhante em Portugal. Não há editoras suficientes, não há mercado suficiente e ainda não há entusiasmo e dinheiro suficientes para podermos competir. Portanto, nem sequer se coloca a questão de haver algo que não está a ser explorado. Pura e simplesmente, não há algo que é essencial. Mas creio que estamos no bom caminho.

il. Pedro Serpa (in Living Will #4)

NPS: Em Leeds, tiveste oportunidade para assistir a alguma das apresentações da conferência académica de 2 dias, este ano dedicado à política e banda desenhada?
AO: Não, eu apenas vou à convenção que acontece no último fim-de-semana. Tenho ideia que o festival dura mais tempo, tem exposições, conferências e outros eventos paralelos, mas a mim só me interessa mesmo a parte final.

NPS: Que metas tinhas com o selo editorial Ave Rara? Qual o seu futuro?
AO: Quando criei a Ave Rara, as minhas metas eram de promover o meu trabalho e o dos ilustradores que comigo colaborassem, em Portugal e no estrangeiro. Normalizei um formato e uma série de características técnicas que me permitiram aplicar o menor PVP possível, para acabar com as desculpas de muita gente que diz que não dá uma oportunidade à BD portuguesa porque os livros são caros. Enfim, julgo que a fórmula resultou porque tenho conseguido fazer sempre novas edições e pagar aos autores o valor combinado (por acaso alguns deles devem estar a chamar-me de aldrabão neste momento, porque estão alguns números por pagar, mas não se preocupem… em breve acertamos contas). A Ave Rara, para mim e neste moldes, tem coisas muito positivas e outras menos boas. O positivo é poder fazer histórias que de outra forma não veriam a luz do dia. Se me tivesse virado para a Joana e proposto fazermos um álbum com cento e tal páginas, certamente teria recusado. Assim, aos poucos, os projectos encontram a sua fluidez e viabilidade. No entanto, tratando-se de séries, cria-se uma certa obrigatoriedade para com o público. Acaba por ser uma espécie de uma prisão para mim e para os outros autores, além de me obrigar a tomar decisões como foi a inclusão de Pedro Serpa durante o processo do Living Will por causa da disponibilidade limitada da Joana Afonso. Por todas estas razões, neste momento apetece-me concluir as séries que comecei e não me meter numa brincadeira dessas tão cedo. Depois disso é possível que o futuro da Ave Rara passe por publicar livros curtos autoconclusivos. Mas como estou sempre a mudar de opinião, tudo isto pode virar ao contrário já amanhã. Não é a resposta mais esclarecedora mas é a única que é verdadeiramente honesta.

il. Ricardo Reis (in Zona Desenha)

NPS: Numa altura em que parece existir alguma confusão sobre que termos dar a algumas publicações (fanzines, prozines, minicomics), como denominas as da Ave Rara e porquê?
AO: Essa questão dos termos e das denominações sempre me aborreceu bastante e com anos e anos a ouvir esses “debates” só me apetece sugerir que as pessoas chamem aos livros aquilo que quiserem. É que, às vezes, parece que se passa mais tempo a discorrer sobre estas temáticas do que sobre as histórias em questão e isso parece-me absurdo. Quando estava na Zona havia o debate omnipresente (debate esse que assumiu uma longevidade absolutamente insana) sobre se era uma revista, um fanzine, um prozine… E isso acompanhou a publicação desde os primeiros números. Relativamente às edições da Ave Rara, eu comecei por chamar-lhes minicomics, hoje chamo-lhes comics e parece que as pessoas que realmente gostam deles, compreendem e não é por isso que compram mais ou menos depressa. Eu sei que há que ter respeito pela língua e pelo uso das palavras mas às tantas estas questões são contraproducentes. Mais vale aplicar a energia em fazer, em editar, em ler, em avaliar… Nas coisas que realmente interessam, no fundo.

NPS: Concordas com as opiniões de quem afirma que se está a editar mais banda desenhada portuguesa, de uma forma sustentada?
AO: Desde que acompanho a edição de BD portuguesa que sempre foram publicados livros com muita qualidade. Não sei se hoje se faz de forma mais sustentada como dizes ou simplesmente há mais publicações a sair e de temáticas mais abrangentes. Eu penso que é mais isso, há mais quantidade e isso não veio comprometer a qualidade, muito pelo contrário. Temos livros com tiras de humor, temos biografias, temos temas mais sérios, históricos, dramáticos, filosóficos… Neste momento, há um pouco de tudo e ainda bem. Acho que a aposta na banda desenhada portuguesa, por uma série de editoras, é evidente e para manter, porque tem tido boa aceitação por parte do público. Isto apesar de continuarmos a ter um mercado residual, de vermos apresentações com meia dúzia de pessoas a assistir e de continuarmos a debater-nos com preconceitos e lugares comuns que por esta altura já deviam ter desaparecido. Mas enfim, há motivos para se estar optimista e é nisso que temos de nos sustentar para continuar a produzir mais e melhor.

des. Osvaldo Medina; cor Inês Falcão Ferreira (in HAWK)

NPS: No que toca à BD portuguesa, acreditas que os caminhos da maior liberdade e experimentalismo característico dos zines e a BD mais mainstream editorialmente publicada seguem caminhos paralelos, divergentes ou convergentes?
AO: Como disse na resposta anterior, agora parece haver de tudo um pouco. E isso é muito importante para cativar o maior número possível de público e para a nossa BD sair um pouco da obscuridade. Digo isto porque quando um leitor ganha apreço por banda desenhada, é tentado a experimentar e a descobrir títulos a partir de títulos. Vai testar os seus próprios limites e ganhar curiosidade em relação a mais e mais temáticas de BD. Nessa óptica, os livros que têm vindo a sair ajudam-se todos um bocado uns aos outros. Por muito diferentes que sejam, se se regerem por critérios editoriais de qualidade, estão a remar para o mesmo lado.

NPS: Uma BD nacional bem executada dedicada ao puro entretenimento tem mais probabilidades de vir a ser publicada em Portugal do que outra que contenha temáticas mais exigentes, que promovam a reflexão sobre o eu ou a sociedade?
AO: Não creio. Penso que distinção não se faz por aí. Como sabes, não há assim tantos editores como isso e os que há ou têm inclinações vincadas e conhecidas ou são até bastante versáteis, dentro de critérios de gosto, evidentemente. Por isso, julgo que a meta deve estar sempre em fazer uma obra com o máximo de qualidade possível. De resto, a menos que entremos em temas mesmo muito fracturantes e/ou chocantes, julgo que as oportunidades acabam por ser iguais para todos.

il. Pedro Carvalho (in Tiras do Baralho!)

NPS: Do teu ponto de vista, os prémios na área da BD abrem novas portas entre as editoras nacionais de maiores dimensões?
AO: Não faço ideia, eu continuo a trabalhar com as mesmas e estou satisfeito. Esse “percurso” em Portugal não existe. Não acho que seja uma ambição especial publicar por uma editora um pouco maior como se isso provasse alguma coisa. Eu gosto de colaborar com as três editoras com que tenho colaborado (claro que não estou a contar com a minha Ave Rara) e por mim continuo na mesma no que a Portugal diz respeito. No nosso país, aliás, aprecio o trabalho de mais algumas editoras mas nenhuma delas é “grande”. Portanto, mesmo que os prémios captassem a atenção das mesmas, o que ganharia eu com isso? Os 10% de royalties que estão normalmente reservados aos autores? Como costumo dizer, os prémios são bons para os livros porque lhes dão visibilidade, contribuem para as vendas e talvez me dêem um pouco mais de legitimidade quando quiser chegar lá fora e tentar publicação no estrangeiro. De resto, julgo que não vale a pena fazermos da nossa realidade aquilo que ela não é. Na minha opinião, são editoras pequenas que têm o melhor catálogo de banda desenhada em Portugal e o resto é conversa.

NPS: Sendo a primeira vez que estarás presente na Comic Con Portugal, quais são as tuas expectativas profissionais e pessoais?
AO: Nada em especial. Sinceramente não sei o que vou encontrar. A maior parte das pessoas que conheço, entre as quais se destacam autores e editores, disseram bem do evento do ano passado. No entanto, também disseram que o grosso do entusiasmo é mais dedicado ao cinema e às séries, o que já seria expectável. Portanto, não sei… Tudo pode ser uma surpresa. Posso encontrar muita gente interessada nos meus livros ou uma grande dose de indiferença. Seja como for, como convidado, vou estar disponível para o que quiserem que eu faça: painéis, debates, sessões de autógrafos… o que houver.

NPS: Numa das sessões do ano passado da Comic Con Portugal, um elemento do público e aspirante a argumentista de BD, manifestou um desabafo sobre existirem várias estratégias na Comic Con para um ilustrador atrair atenção sobre si e tentar se iniciar profissionalmente no mundo dos comics nacional e internacionalmente (portfolio reviews, arte exposta no Artists’ Alley), mas que parecia não existir na convenção (ou fora dela) ninguém interessado em recrutar argumentistas. Que indicações úteis darias a alguém que se quer iniciar no meio enquanto argumentista?
AO: Qual meio? Eu só posso falar da minha experiência. E a minha experiência tem a ver com ter identificado algo que gostava muito de fazer (contar histórias e escrever para banda desenhada) e procurar investir muito tempo, paciência e sacrifício nessa atividade. Procurar evoluir a cada página escrita para ser o melhor possível. Nunca me preocupei com “meios”, nem em ser conhecido, nem em ganhar prémios, nem em nada que não tivesse a ver com dar o melhor naquilo que se faz e experimentar formas diferentes para lá chegar. Se me perguntarem o que é necessário para se ser argumentista de banda desenhada em Portugal, diria para escreverem muito, para estarem preparados para ouvir todo o tipo de feedbacks e para crescerem com eles, darem muito de si em cada trabalho, colaborarem com bons ilustradores e quando acharem que chegaram a um nível aceitável de qualidade, mostrarem às pessoas certas que poderão eventualmente publicar um livro (embora o circuito dos fanzines também seja muito interessante, viável e, na maior parte das vezes, perfeitamente conciliável). Portanto, se ser argumentista em Portugal, se fazer parte do “meio” enquanto escritor para BD é ter livros publicados… Então penso que é isto. Se, por outro lado, é fazer do argumento para banda desenhada a principal fonte de rendimento e ter sucesso no estrangeiro, então não sei. Não é algo que tenha atingido ainda nem sem se alguma vez vou atingir. Porém, como dizem os ingleses: “Good things come for those who wait.”

nota: imagens cedidas pelo autor.

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