Já apresentámos alguns dados relativamente às publicações de banda desenhada nas bancas em 2015 (cf. a nossa divisão de publicações de, com, sobre e sem BD aqui). Neste artigo, apresentaremos mais dados referentes a publicações de BD não distribuídas em bancas e reflectir-se-á sobre diversas tópicos, devidamente assinalados.
A GOODY E A BD DISNEY
A maioria dos dados anteriormente apresentados refere-se ao número de publicações, tendo-se concluído que:
– a Goody foi a editora com mais publicações de BD em bancas (49%);
– a BD Disney foi a BD mais publicada em bancas (47%);
– a BD italiana foi a BD mais publicada em bancas (51%).
Dado a Goody ser responsável (por vezes única, outras vezes como responsável maioritária), pelas 3 conclusões supra-mencionadas, devido a ser uma das editoras das quais se conhece as tiragens, pode-se facilmente extrapolar essas conclusões não só para o número de publicações disponibilizadas em bancas mas também para o número de exemplares de BD em geral ( independentemente do local de distribuição: bancas, livrarias ou distribuições alternativas), tal como aconteceu nos 2 anos anteriores.
Nenhuma outra editora atingiu ou superou as 8 dezenas e meia de publicações de BD (feito ainda mais importante no que toca à quantidade de BD publicada se se referir que as suas publicações tiveram entre 130 a 510 páginas). Nenhuma outra disponibilizou 1 milhão de exemplares no total. E, utilizando-se os dados públicos de circulação da Disney Comix referentes ao primeiro semestre e propondo-se, com base nos mesmos. uma hipotética (e modesta) média de vendas de 4600 exemplares de cada uma das revistas editadas pela Goody, obtêm-se valores superiores a 400000 exemplares vendidos, tudo razões para crer que a BD Disney é a banda desenhada mais lida em Portugal (by proxy de vendas, é verdade).
De facto, se algumas editoras em banca atingiram, nalguns casos, tal como a Goody, valores na ordem das dezenas de milhar de tiragem, no mercado livreiro isso raramente aconteceu. Dos poucos dados que se conhecem, apenas o recente álbum de Astérix, O Papiro de César, com uma tiragem de 60000 exemplares na norma europeia da língua portuguesa, ultrapassou as tiragens individuais das revistas de BD Disney da Goody. É possível que existam outros que tenham atingido a dezena milhar de exemplares, mas a não divulgação das tiragens e/ou vendas, dificulta qualquer análise que se pretenda realizar.
Apesar destes números obtidos com a BD Disney, os mesmos aparentemente não correspondem às expectativas da editora, tendo originado o cancelamento de uma série e alteração da periodicidade de outra que, caso não haja novidades até ao final de 2016, corresponderá a menos 30 revistas de BD Disney este ano (o que equivale a menos 5500 páginas de banda desenhada). É possível que em 2016, ao fim de 3 anos, deixe de ser a Goody a editora com a maior proporção de publicações em bancas (não tão linear se equacionarmos o número de exemplares disponibilizados). Mas tal só o final de 2016 confirmará ou não.
A BD PORTUGUESA
Verificou-se que, em 2015, a banda desenhada portuguesa disponibilizada nas bancas sob a forma de publicações próprias corresponde apenas a 2% do total das publicações de BD nas bancas, concretizada em 3 publicações (Tudo Isto É Fado! – Nuno Saraiva, Sol; e Jan Ken Pon #0-1 – VA, Jankenpon Lda.).
Com excepção do iniciado projecto Jan Ken Pon, a única publicação de BD portuguesa resulta da compilação de material previamente disponibilizado na imprensa, podendo-se concluir que as publicações de banda desenhada portuguesa em bancas são actualmente situações ocasionais e de excepção. Evoque-se outra compilação lançada em 2013 (As Odisseias de um Motard 6 – Luís Pinto-Coelho, Motorpress) ou um original, do mesmo ano, resultante de um projecto financiado para divulgação de certa temática à população em geral (Uma Aventura Estaminal – VA, Imprensa da Universidade de Coimbra), como exemplos dos poucos livros de BD portuguesa que escaparam à regra de ausência das bancas.
Existiu ainda um quarto álbum de BD portuguesa distribuído em 2015 nas bancas. Referimo-nos a Beterraba: A Vida num Colher de Miguel Rocha (Levoir), que não tinha a possibilidade de surgir nos dados anteriormente apresentados, pois optou-se por não desdobrar a origem das coleções por país. No entanto, nos dados que se apresentam neste artigo, tal já se realizou.
Onde é então publicada a BD portuguesa? Esta e outras respostas poderão ser encontradas nos novos dados que se apresentam de seguida.
PUBLICAÇÕES DE BD EM 2015
De modo a se ser coerente com os dados apresentados relativamente às bancas, somente se consideraram publicações de BD (excluindo-se aquelas com, sobre ou sem BD; cf. cut-off utilizado aqui). Mas, no final, faremos ainda algumas considerações no que toca às publicações sobre banda desenhada.
Deste modo, excluíram-se todas as obras que não se consideraram de BD, independentemente de pertencerem ou não a editoras e autores conotados habitualmente com a BD (sketchbooks, livros de caricaturas e outras publicações ilustradas). Inversamente, incluíram-se as wordless novels e demais publicações com narrativas gráficas mudas (cf. nossa posição sobre esta temática aqui e aqui).
Registe-se ainda que apenas foram consideradas para esta análise as publicações impressas, não sendo alvo da mesma as publicações digitais, online ou não.
Quanto ao critério aparentemente óbvio de “publicação portuguesa de BD”, realizámos algumas considerações. As publicações brasileiras de BD disponíveis nas livrarias generalistas ou especializadas foram excluídas, bem como aquelas produzidas em países de língua oficial inglesa, francesa, etc.
No entanto, as publicações de BD de editores nacionais em, por exemplo, língua inglesa ou espanhola, foram incluídas, independentemente de Portugal ser o principal alvo das mesmas (p.e., incluíram-se as publicações da Libri Impressi, publicações com edição e impressão nacionais e com ISBN com o código de Portugal, embora se encontrem em língua espanhola por ser Espanha o seu principal alvo e Portugal o alvo secundário).
Se o ISBN parecia ser uma boa solução como critério de inclusão nas obras que o ostentassem, tiveram-se de realizar algumas excepções. No nosso entender, não contemplar as edições portuguesas da G. Floy devido ao ISBN das mesmas conter inicialmente o código da Dinamarca e actualmente o código de Espanha e não o de Portugal (devido a decisões com base em questões fiscais por parte da editora), pareceu-nos criar um artificialismo ao que se pretendia estudar. Em língua portuguesa e disponíveis aos leitores portugueses em eventos, bancas e livrarias portuguesas e estando indisponíveis em Espanha, aproximam-se bastante mais das publicações portuguesas que espanholas, pelo que foram incluídas.
Outras publicações houve que nos colocaram dúvidas, sendo a nossa postura, desde que fizesse sentido, mais inclusiva que exclusiva. A título de exemplo, cita-se uma publicação sem ISBN de uma editora suíça, desenhada por duas autoras/editoras suíças aquando de uma residência artística em Portugal, impressa e editada em Portugal, sendo um dos elementos complementares da exposição que teve lugar em Portugal no final da residência. Optou-se por incluí-la no estudo.
Por fim, uma consideração relativa à edição independente. Consideramos possível – porque tal já se verificou nos 2 anos anteriores – que, apesar do nosso trabalho de identificação destas publicações, tenham existido outras no ano de 2015. Advertimos portanto que qualquer comparação temporal quantitativa que se realize (mês a mês, ano a ano, década a década…) neste domínio, deverá sempre ressalvar que se refere às publicações conhecidas pelo investigador.
Apresentando então os novos dados, se não se tiver em conta a distribuição ou tipo de publicação de BD, identificaram-se 369 publicações de BD.
Fig. 1 – Publicações de BD por editor, em 2015.Novamente, sem ter em conta distribuição nem tipo de publicação, podemos afirmar que um quarto das publicações de BD no ano de 2015 proveio de editoras/(fan)editores com menos de 5 publicações (identificadas no gráfico como várias), enquanto que 75% das publicações teve origem em editoras/(fan)editores que lançaram 5 ou mais publicações de BD em 2015 (fig.1).
Pelo contrário, o número de editoras/(fan)editores com 5 ou mais publicações de BD em 2015 corresponde a 18% do total de editores identificados.
Verifica-se ainda que as 3 editoras com maior expressão nas bancas (Goody, Levoir, Asa), mantêm essa posição quando se considera o número de publicações de BD em geral, tendo a Goody editado 24% das publicações, a Levoir 11% e a Asa 8% (tendo beneficiado ainda da adição das edições disponíveis somente em livrarias). Seguem-se os fanzines de baixa tiragem faneditados por José Pires (6%) – único faneditor incluído no grupo de 5 ou mais publicações de BD -, a editora Devir (5%), Polvo (4%), Kingpin e G. Floy (3%). As restantes editoras/(fan)editores com 5 ou mais publicações de BD contribuíram, cada uma, com 2 % das publicações (Zero a Oito, Chili Com Carne, Salvat, Ponto de Fuga, TailorMade Media) ou 1% (Planeta Manuscrito).
Fig. 2 – Publicações portuguesas de BD por país de origem, em 2015.Quanto aos países de origem (fig.2), identificaram-se 13 (apesar de se ter utilizado o binómio França/Bélgica, ao invés da sua divisão). Portugal lidera as origens da BD publicada, correspondendo a 28% do total de publicações (fig. 2). Segue-se Itália (25%), EUA (18%), França/Bélgica (11%), Reino Unido (7%) e Japão (4%).
Se, como vimos anteriormente, a banda desenhada portuguesa se encontra quase ausente das bancas, onde é então disponibilizada? Nas livrarias generalistas ou por métodos alternativos? Para respondermos a estas e outras questões, dividimos as publicações de BD em 3 locais de distribuição: bancas, livrarias e alternativas.
Pareceu-nos que esta solução seria mais próxima da realidade do que uma separação da edição independente da restante. Cite-se Marcos Farrajota, a propósito da definição daquela:
A edição independente é um termo que se tem utilizado para definir edições de livros ou de discos que fogem aos parâmetros, conteúdos e formatos das grandes editoras que geralmente dominam o mercado em vendas, distribuição, espaço de venda nas lojas e promoção dos seus produtos e artistas.
Há várias formas de identificar um editor independente: estrutura organizacional e laboral reduzida (uma pessoa, um casal, um colectivo), comunicação activa com os autores e o público, distribuição e promoção defeituosa, exploração de nichos de mercado, poucos apoios públicos ou institucionais, financiamento reduzido, inovação tecnológica, etc (…) Nesta definição alargada ainda assim cabem várias formas de publicação que passam por sistemas de impressão caseiros (impressora do computador), artísticos (serigrafia, gravura, xilogravura, linóleo), tecnológicos baratos (fotocópias) e relativamente mais caros (impressão digital e offset). Podemos identificar estes tipos de publicação: fanzine, zine, edição de autor, livro de autor, livro de artista, impressão digital/P.O.D. (print on demand) (…)
É um mundo onde cabe de tudo: autores que vêm uma forma de promoção pessoal como uma espécie de escalada para chegar às “grandes”, autores que tem uma visão única como o seu trabalho deve ser tratado, um programa ou um plano de um editor, um registo de um movimento local/geracional/artístico, uma diversão de um autor ou de vários, uma provocação, uma necessidade de exposição pública, etc… – in Relatório sobre Fanzines e Edição Independente em Portugal 2011 (actualização)
Atendendo à margem cinzenta que separa as pequenas editoras (por anteposição às grandes) – com estrutura organizacional e laboral reduzida, promoção defeituosa e financiamento reduzido mas que não trabalham com micro-edições mas sim na ordem das centenas q.b. ou milhares para serem distribuídas a nível nacional em livrarias generalistas – dos editores e faneditores que trabalham com números menores, parece-nos mais operacional para esta análise centrarmo-nos nos locais de distribuição.
Quanto às publicações de BD comuns a todos estes locais, apenas lhes foi atribuída um destes valores, considerado o mais adequado. Já referimos quais foram os critérios de inclusão e exclusão na categoria bancas e analisámos esses dados.
Resta-nos concentrar nas restantes publicações de BD. Classificaram-se as diferentes editoras/(fan)editores tendo por base o binómio livrarias / distribuições alternativas, conforme a distribuição das suas obras em 2015. Atendendo à maior potencial exposição nas livrarias generalistas, considerou-se que qualquer entidade que tivesse tido distribuição da maioria das suas obras de banda desenhada nas livrarias generalistas em 2015, fosse ou não também disponibilizada por métodos alternativos, seria incluída na categoria livrarias. Quanto às editoras que não utilizaram as livrarias (nem bancas) para a distribuição das obras publicadas em 2015 – ou somente o fizeram com uma minoria delas -, foram incluídas na categoria dos métodos de distribuição alternativos.
Deste modo, as editoras/chancelas editoriais incluídas na categoria livrarias foram:
– Âncora
– Apeiron
– Arcádia
– Arte de Autor
– Asa (não se incluem os lançamentos nas bancas com o jornal Público)
– Babel
– Bertrand
– Bizâncio
– Booksmile
– O Castor de Papel
– Chiado
– Chili Com Carne
– Devir
– G. Floy
– Gradiva
– Ideia-Fixa
– Kingpin
– Lema d’Origem
– Parceria A. M. Pereira
– Pato Lógico
– Planeta Manuscrito
– Planeta Tangerina
– Polvo
– Ponto de Fuga
– Teorema
Estas entidades foram responsáveis por 103 publicações de BD identificadas. Das diferentes editoras, 84% publicaram 4 ou mais títulos em 2015 (fig. 3). Das editoras que utilizaram as livrarias para distribuição das suas obras, a Devir assume-se como a editora com maior número de lançamentos (19%), seguida da Polvo (13%), Kingpin (11%), G. Floy (10%), Chili Com Carne (7%), Ponto de Fuga (6%), Planeta Manuscrito e Asa (5%) e Arcádia e Pato Lógico (4%).
Fig. 4 – Publicações de BD de editoras distribuídas nacionalmente em livrarias em 2015, por país de origem.Quanto à origem das bandas desenhadas por país, a fig.4 começa a dar algumas respostas sobre os locais onde se encontra a banda desenhada portuguesa. Com 39%, Portugal revela-se como o país mais representado nas 103 publicações. Seguem-se bandas desenhadas dos EUA (22%), Japão (12%), França/Bélgica (9%), Brasil (8%) e Dinamarca (6%).
Por outro lado, se as bandas desenhadas disponibilizadas nas bancas dirigidas claramente a um segmento adulto ou público mais maduro foram escassas (apesar da colecção Novela Gráfica da Levoir ter sido responsável pelo seu aumento, quando se compara com os anos anteriores), nas livrarias a oferta é maior, apesar de também existir uma oferta maioritária de bandas desenhadas infantis e juvenis. No entanto, entidades como a Chili Com Carne e a Teorema, bem como parte do catálogo de 2015 da Polvo e Kingpin, apostam claramente em leitores mais exigentes. As obras portuguesas e brasileiras são as mais visadas para este segmento, ao contrário das norte-americanas, japonesas, franco-belgas e dinamarquesas.
As editoras/(fan)editores cuja totalidade ou maioria das obras de BD não foi distribuída nacionalmente em livrarias generalistas (nem em bancas), disponibiliza a BD que publica por correio (ou em mão) via contactos com os próprios (desde sites com secção de loja virtual à simples divulgação de um e-mail de contacto), em eventos (dedicados ou não especificamente à banda desenhada), em lojas especializadas em banda desenhada ou noutras áreas (música, design…) ou em galerias de arte, bem como noutros locais mais inesperados. As editoras/(fan)editores de BD e demais entidades identificadas que foram incluídas em 2015 nesta categoria foram:
– Álvaro & Geraldes Lino
– Amanda Baeza & Camille Dagal
– Ao Norte
– Ave Rara
– Bedeteca de Beja
– Câmara Municipal de Santa Maria da Feira
– Clube do Inferno
– Coisas Feitas à Pressa
– Dor de Cotovelo
– Escorpião Azul
– Extractus & Olindomar
– Façam Fanzines e Cuspam Martelos
– Francisco Sousa Lobo
– Hécatombe [somente publicação portuguesa]
– Los Hermanos Brothers
– Insónia
– Joana Afonso
– João Mascarenhas
– José Pires
– Libri Impressi
– Marco Mendes & Sofia Neto
– Maria Macaréu
– MMMNNNRRRG
– Monte Negro
– Moon Kids Comics
– Moxila
– Mundo Fantasma
– Nuno Sarabando
– O Panda Gordo
– Pedro Manaças
– El Pep
– Ricardo Cabral
– Rough ‘Nough
– Rudolfo
– Sétima Dimensão
– Studio Dongtai
– Tentáculo
– Tiago Araújo
– Xavier Almeida & Pato Bravo
Conforme se pode constatar, desta lista constam a maioria dos agentes da edição independente de 2015, com poucos enxertos e algumas omissões, ou por falha nossa ou por terem apostado em 2015 na distribuição nacional da maioria das suas obras em livrarias generalistas.
Até ao momento em que se escrevem estas linhas, foram identificadas 90 publicações de banda desenhada das editoras/(fan)editores supra-mencionados. A maioria corresponde a publicações de banda desenhada portuguesa, com excepção da faneditada por José Pires (Reino Unido), Libri Impressi (EUA), Hécatombe (Suiça), bem como uma porção de obras da MMMNNNRRG (Sérvia, Bélgica).
A maioria das publicações de BD portuguesa foi, portanto, distribuída por métodos alternativos aos dois utilizados pelas grandes editoras, seguindo-se a presença nacional em livrarias generalistas e sendo quase inexistente nas bancas.
No que toca aos segmentos mais visados, é desta vez o infantil o menos proposto pelas editoras/(fan)editores que utilizam preferencialmente os métodos alternativos de distribuição. É provavelmente a categoria em que o segmento adulto se encontra mais representado, apesar de existir uma quantidade apreciável de banda desenhada juvenil.
PUBLICAÇÕES SOBRE BD
De difícil acesso (distribuição alternativa), existem 3 séries publicadas com alguma periodicidade: o Boletim do Clube Português de Banda Desenhada (4 números em 2015, apesar do primeiro distribuído em 2015 ostentar a data de 2014 na capa), o Juvebêdê, editado pela Juvemedia (4 números) e a Revista do Clube Tex Portugal (2 números). Sob o formato de livro, foi ainda publicado Maga, editada pela Chili Com Carne. Anexa ao zine Muji Life (Clube do Inferno), foi ainda publicada Yangire/Yandere, da autoria de Hetamoé.
Deste modo, em 2015, identificámos 12 publicações sobre banda desenhada.
BALANÇO DO ANO DE 2015
Apesar do elevado número de publicações de banda desenhada portuguesa, convém relembrar que a maioria, fruto da edição independente, é de difícil acesso, seja pela exposição pouco ubíqua (em espaços e tempo), seja pelo reduzido número de exemplares frequentemente produzidos. As bancas mantêm-se um local árido para encontrar publicações de BD portuguesa. Nas livrarias, facilmente se verifica que os autores nacionais que podem ser encontrados nas mesmas são publicados sobretudo pelos editores que lidam com pequenas tiragens (p.e., Chili Com Carne, Polvo, Kingpin), sendo a sua edição pelas grandes editoras (p.e., Asa, Bertrand) uma excepção e com obras que procuram um público mais transversal e menos segmentado.
Se 2015 se revelou um ano com muitas obras de BD disponibilizadas, revelou-se também desequilibrado nos segmentos a que se destina. A oferta infantil deu-se principalmente nas bancas e a preços acessíveis. Com a aparente implosão da linha de BD Disney em 2016, colocam-se-nos dúvidas sobre a formação dos mais pequenos leitores em BD com a diminuição de propostas de obras de qualidade a preços facilmente comportados pelos seus educadores. Tal é preocupante, pois a inexistência de crianças a ler banda desenhada tem sido indicada como um dos factores para a não renovação do público que lê frequentemente banda desenhada.
O segmento juvenil deve estar próximo de atingir a saturação do mercado no que toca ao subgénero de super-heróis, apesar de ser evidente a transversalidade do mesmo aos diferentes grupos etários. Pelo contrário, apesar de uma oferta generosa, por comparação com as livrarias, no que toca às aventuras juvenis franco-belgas, parece existir no seu grupo de leitores – novamente, transversal aos diferentes grupos etários – uma apetência por mais publicações (o que não significa que exista mercado para mais publicações de aventuras franco-belgas nas bancas). É também para o segmento juvenil que se dirige a quase totalidade do manga editado em livrarias em Portugal – parecendo-nos existir novamente transversalidade, talvez não tão efectiva, nos diferentes grupos etários. Para os jovens e os adultos em busca de escapismo na leitura de BD, 2015 providenciou bastantes publicações nas bancas e livrarias.
Já a edição nacional de publicações de temáticas adultas estrangeiras, não goza da mesma abundância, tornando-se a verificar, à semelhança dos anos anteriores, poucas apostas das grandes e pequenas editoras. O anúncio de uma segunda coleção Novela Gráfica pela Levoir indica que, a ser complementada pelas habituais propostas da Polvo e MMMMNNNNRRRG e de uma ou outra editora que ocasionalmente também trabalha nesse sentido, 2016 será semelhante a 2015 neste campo. O que é um mau indicador da relevância da BD no nosso país, dada a tradicional ausência de edição no nosso país das grandes obras de BD destinadas a um público mais maduro. Para os que indicam que um longo caminho tem de ser trilhado na percepção do público sobre a BD enquanto possível literatura adulta para que tais e mais obras venham a ser publicadas, a Levoir contra-argumentou em 2015 com a publicação de uma dúzia de tais obras (concorde-se ou não com as escolhas, tal torna-se irrelevante numa país em que a escassez de tal material é a norma), disponibilizadas ao grande público em bancas, projecto que teve sucesso q.b. para estar anunciada a continuação em 2016. Fica então a questão se marketing e acessibilidade colocam os leitores adultos a ler esse tipo de material ou se apenas funcionam para BD de super-heróis e aventura. Se parece funcionar, talvez o tal caminho seja afinal o de simplesmente disponibilizar o material per se… desde que facilmente acessível e com marketing q.b.
Para os que desejam percorrer tal caminho de imediato e não aguardar, não se contentando com as ofertas das bancas e livrarias, as boas notícias são que a edição independente de banda desenhada portuguesa (e uma ou outra estrangeira publicada em Portugal) é o local, como seria expectável, onde mais se explora este meio, com algumas publicações que desafiam os limites na forma e conteúdo, bem como outras centradas em temáticas de cariz mais social ou introspectivo, oferecendo um conjunto generoso das mais variadas propostas no qual os leitores que procuram estes trabalhos em banda desenhada certamente descobrirão alguns que lhe sejam apelativos, dada a diversidade que existe. Desde que encontrem tais publicações…
Por fim, algumas linhas relativas aos eventos dedicados ou não à banda desenhada. Aos eventos mais visíveis do Amadora BD e Festival Internacional de BD de Beja, adicionou-se em 2014 a Comic Con Portugal (CCPT). No primeiro ano, deu provas de que a migração de público de outras áreas (cinema, séries televisiva, videojogos, etc) do evento para a área da BD era uma possibilidade. E em 2015, apesar da BD continuar a não ser – nem nunca será – o maior chamariz da CCPT, motivou uma série de lançamentos, fosse no domínio da edição independente ou de editoras mais profissionalizadas. É, sem dúvida, por mérito próprio, um dos 3 principais eventos (também) dedicados à BD no nosso país.
Para além destes 3 eventos, a edição independente tem-se mostrada activa noutros, como as Feiras Mortas (por outro lado, a Feira Bastarda parece ter morrido), Noite Fetra e demais eventos promotores do DIY, nos quais, por vezes, se realizam inclusivamente lançamentos de publicações de BD e onde os (fan)editores disponibilizam as suas publicações para venda.
2016 dirá se tínhamos ou não razões para nos preocupar com a implosão da BD infantil nas bancas, a saturação do mercado quanto à oferta na área do escapismo, a pouca oferta da BD estrangeira para um público mais maduro e a pouca oferta visível das publicações de BD portuguesa de temáticas mais adultas.
Fundador e administrador do site, com formação em banda desenhada. Consultor editorial freelance e autor de livros e artigos em diferentes publicações.