Dentes de Rato é uma obra de Agustina Bessa-Luís, editada pela primeira vez em 1987. Algumas edições atrás, recebeu um novo conjunto de ilustrações com retratos da protagonista e a sua família, da autoria de Mónica Baldaque, filha de Agustina, facto este que se releva de maior importância se se considerar que se trata de uma quase-autobiografia da escritora.
São estas imagens que ilustram a 24.ª edição da obra, lançada este ano pela chancela editorial Guimarães da Babel. Vinte e nove anos volvidos, a prosa de Agustina Bessa-Luís continua a encantar, sendo uma das poucas obras da sua vasta produção que Agustina dedicou aos mais novos. Ambientada nos anos 20 do século passado, a obra centra-se em Lourença, uma menina de 6 anos, sendo encadeados diversos acontecimentos – e sentimentos – vividos pela pequena protagonista de tal forma que até se estranha que, a cerca de metade da narrativa, comecem a surgir novos capítulos formais.
Já em tenra idade, Lourença considerava-se única no seu seio familiar, sendo extremamente crítica com os que a rodeavam. No entanto, imaginativa e curiosa, esta personagem gera empatia nos leitores. No final do livro, Lourença perde a primeira dentição e a razão do seu apelido, começando-se a gerar outras transformações que viriam a ser narradas numa sequela.
As ilustrações de Mónica Baldaque captam momentos fotográficos, frequentemente com as devidas poses direcionadas para a lente. A pintura é enriquecida com técnicas de recorte, sendo inclusivamente utilizada na composição de uma das ilustrações um desenho de uma evocação imaginária de África da autoria de Agustina Bessa-Luís.
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Eis a sinopse da editora:
É pela voz de Lourença que surgem as memórias familiares e as aventuras próprias da infância nesta quase-autobiografia de Agustina Bessa-Luís. Levemente ficcionados, os tempos de infância da Autora ou da narradora (que se cruzam em cada linha) são aqui oferecidos ao leitor com ilustrações de Mónica Baldaque. Um livro que já se tornou um clássico da literatura infantil portuguesa.
«Lourença tinha três irmãos. Todos aprendiam a fazer habilidades como cãezinhos, e tocavam guitarra ou dançavam em pontas dos pés. Ela não. Era até um bocado infeliz para aprender, e admirava-se de que lhe quisessem ensinar tantas coisas aborrecidas e que ela tinha de esquecer o mais depressa possível. O que mais gostava de fazer era comer maçãs e deitar-se para dormir. Mas não dormia. Fechava os olhos e acontecia-lhe então uma aventura bonita, e conhecia gente maravilhosa. Eram as pessoas que ela via no cinema ou que ela já tinha encontrado em qualquer parte, mas que não sabia quem eram. Não gostava de ninguém que se pusesse entre ela e a imaginação, como um muro, e a não deixasse ver as coisas de maneira diferente. Não gostava que lhe tocassem e, sobretudo, que a gente grande pesasse com a grande mão em cima da sua cabeça. Apetecia-lhe morder-lhes e fugir depressa. Mas não fazia nada disso. Ficava quieta e olhava para a frente dela, cheia de seriedade. Isto tinha o efeito de causar estranheza, e diziam sempre que ela era uma menina obediente e sossegada. Mas retiravam a mão. Tinham-lhe posto o nome de “Dentes de Rato”, porque os dentes dela eram pequenos e finos e, pela mania que ela tinha de morder a fruta que estava na fruteira e deixar lá os dentes marcados.»
Leitura recomendada pelo Plano Nacional de Leitura no 7.º Ano.
AGUSTINA BESSA-LUÍS nasceu em Vila Meã, Amarante, a 15 de Outubro de 1922. Filha de um empresário de cinemas e casinos, cedo se deixou viciar pelo romance, iluminada roleta dos comportamentos humanos. Foi com o profético título «A Sibila» que publicou em 1954 que veio a ser reconhecida ao público em geral ao receber o Prémio Delfim Guimarães e o Prémio Eça de Queiroz. Vários dos seus romances foram adaptados ao cinema por Manoel de Oliveira. Foi, durante a sua vida, homenageada em múltiplos países e universidades, condecorada por Portugal e pela França e traduzida em várias línguas. Já foi distinguida por todos os prémios nacionais de literatura e vários internacionais. Recebeu o Prémio Camões em 2004 e, recentemente, em 2015, o Prémio Eduardo Lourenço.
MÓNICA BALDAQUE nasceu no Douro, no lugar de Godim, Peso da Régua, a 13 de Maio de 1946. Concluiu o Curso Superior de Pintura na Escola Superior de Belas-Artes de Lisboa em 1970, enveredando pela Museologia. Conservadora dos Museus Municipais do Porto desde 1975, foi nomeada pelo Ministério da Cultura para ocupar o cargo de Directora do Museu Nacional da Literatura e posteriormente do Museu Nacional de Soares dos Reis. Com uma vasta obra plástica na área do retrato e da paisagem, realizou exposições individuais e participou em colectivas. Entre outros livros, ilustrou Vento, Areia e Amoras Bravas e Dentes de Rato, de Agustina Bessa-Luís, e participou na ilustração do livro Depois de Ver, de Pedro Tamen. Publicou Do Outro Lado do Quadro e Pequeno Alberto, o Pensador, entre outros livros.

Fundador e administrador do site, com formação em banda desenhada. Consultor editorial freelance e autor de livros e artigos em diferentes publicações.