Lucio Oliveira é um dos convidados do XII Festival Internacional de Banda Desenhada de Beja. A sua criação Edibar já é muito conhecida dos internautas portugueses. É altura de descobrirmos um pouco sobre o seu autor.
Nuno Pereira de Sousa: Que tipo de trabalho fazias para a imprensa antes da tua viagem para Inglaterra?
Lucio Oliveira: Fui chargista e cartunista de um jornal diário no norte do Paraná.
NPS: Quais as principais diferenças do Edibar que criaste na altura com o atual?
LO: Ele está mais desbocado e menos machista. Nas primeiras tiras (2000/2001), era normal ele tratar a esposa como empregada doméstica. Hoje, a coisa não está mais assim. Com o passar do tempo, a Edimunda tornou-se bastante querida pelo público e resolvi fazer o Edibar respeitá-la um pouco mais.
NPS: Fala-nos da experiência de viver em Inglaterra durante 2 anos. Estiveste a cursar arquitetura?
LO: Na verdade, eu não cursei arquitetura na Inglaterra. Viver nas terras inglesas não foi uma experiência muito boa. Foram 24 meses vivendo e trabalhando em Lincoln, cidade do interior da Inglaterra. Foram diversos trabalhos em indústrias de alimentos e restaurantes. Era como se passasse um filme em preto e branco para você assistir repetidamente, sem intervalos todos os dias na sua cara.
NPS: Em que é que essa experiência influenciou voltar ao personagem Edibar no regresso ao Brasil?
LO: Foram as dificuldades que enfrentei em ramos que não eram os meus. Comecei a dar valor ao meu dom e renasci como pessoa, sendo o Edibar o colorido que eu não via na vida. Gosto de dar vida ao personagem. Não economizo nos detalhes de cada quadrinho justamente para demonstrar a paciência que tenho ao debruçar-me sobre uma mesa para traçá-lo. Percebi, vivendo na Inglaterra, que cada dia de vida é um presente que ganhamos de Deus. Não vale a pena perder nenhum segundo dela correndo atrás de dinheiro. A grana é consequência da dedicação e do amor naquilo que se faz.
NPS: Após teres criado a página do Edibar no facebook, quando te apercebeste de que estava a ser um sucesso?
LO: Desde a primeira aparição do personagem em tiras no jornal diário de minha cidade, o sucesso foi notório. Depois de alguns dias de publicações diárias, muitas pessoas ligavam para a redação do jornal para entender mais sobre o Edibar. Ele conseguiu atrair muitos assinantes e o espaço que trazia as tiras no site do jornal era o mais visitado pelos internautas. Com a chegada do facebook, construí a fanpage do Edibar da Silva, na verdade sem muita expectativa. Cada curtida para mim era o máximo. Estar hoje com mais de 600 mil seguidores, tem um significado maior do que números. Consegui como cartunista, fazer algo que sempre busquei, o reconhecimento.
NPS: A primeira vez que Edibar foi publicado em papel foi na Fábrica de Risos da Super-News? Como se deu a transição para o formato revista e quantos números foram dedicados a Edibar?
LO: Iniciei a parceria com a Editora Super News ilustrando com meu personagem as capas da coletânea Fábrica de Risos. A aceitação foi tanta que ao todo foram quatro edições. Sabe aquela expressão “não julgue pela capa”? Pois com essa coletânea foi ao contrário. O livro foi sucesso de vendas pela capa. Daí foi uma ponte para o surgimento do livro Edibar & Turma, primeira coletânea que reuniu mais de 300 tiras que mais repercutiram em jornais e na internet na época (2012).
NPS: O Edibar e o Dr. Sarado surgem no livro Humor os Tempos de Cólica da editora Revinter. O humor e a medicina são bons aliados?
LO: Criei o Dr. Sarado devido à “invasão” do público infantil. As crianças tornaram-se fãs do bêbado e isso me preocupou. Não queria passar para elas que beber é coisa boa, que ser bêbado é divertido. O Dr. chegou com a missão de mostrar com muito humor os malefícios da bebida na vida daquele que exagera. Foi através do surgimento do médico nas tiras do Edibar que recebi o convite do Dr. Lauro Sérgio Pereira, cardiologista no Rio de Janeiro, para participar do décimo livro da coletânea Humor na Medicina, que reúne o trabalho de mais cartunistas renomados no Brasil, entre eles Ronaldo Cunha e Biratan Porto. Humor na medicina funciona com mais eficácia que Rivotril.
NPS: Como surgiu a oportunidade de realizar a antologia pela HQM?
LO: Carlos Costa, dono da premiada Editora HQM, acompanhava a página do Edibar no facebook há tempos. Ele entrou em contato com a proposta de lançarmos em 2015 a segunda coletânea de tiras do boémio. O livro Edibar – O bêbado mais escroto dos botecos teve uma tiragem de 10000 exemplares. Foi distribuído para as principais bancas do país. A segunda coletânea foi e continua sendo muito elogiada em diversos sites de quadrinhos no Brasil e na Europa.
NPS: O prefácio de Marcelo Alencar mereceu destaque na capa do livro da HQM. Explica aos portugueses quem é Marcelo Alencar.
LO: Poderia fazer mais um livro só para dizer quem é Marcelo Alencar. Além de fã do Edibar, Marcelo é jornalista, tradutor dos quadrinhos Disney no Brasil e atua como crítico nos principais blogs e sites de HQ do país. Marcelo também presidiu a premiação HQMIX durante muitos anos. Ele é uma pessoa fantástica, muito conhecido no meio artístico. Marcelo me chamou para amizade no facebook e eu nem sabia quem ele era. Papo vai, papo vem, ficamos amigos logo de cara. Fez questão de comprar o primeiro livro do Edibar. Então, quando eu ainda estava trabalhando na seleção e na diagramação das tiras do segundo livro, ele me surpreendeu com o pedido de escrever o prefácio. Muito honrado, aceitei imediatamente. O nome dele na capa, foi mais uma forma de agradecimento.
NPS: Se tivesses que escolher uma única palavra, qual escolherias para definir Marcelo Alencar?
LO: Simpatia.
NPS: E Edibar numa única palavra?
LO: Canalha.
NPS: Quais achas serem as principais razões do sucesso da tira e da mesma agradar a públicos-alvo diferentes?
LO: Edibar é gente como a gente. Uma das suas maiores características é mostrar que não há necessidade de fazer humor com apelações. As tiras do Edibar se passam em ambientes familiares. Todos conhecem um Edibar na vida.
NPS: Porque sentistes a necessidade de criar uma página de facebook para Edimunda, a mulher de Edibar?
LO: Edimunda sempre esteve presente nas tiras do Edibar desde a primeira aparição do personagem. No começo, ela era mais vítima das carraspanas do marido. Ela foi amadurecendo e devagarinho foi conquistando a simpatia do público feminino. Foi então que decidi criar uma fanpage exclusivamente para ela. Inclusive tenho que dar mais atenção para ela. A mulherada adora quando eu faço alguma coisa com que ela detona o Edibar.
NPS: E a página do facebook para o primo Edi Roça? Fala-nos desse personagem.
LO: Ilustrei por algum tempo o caderno de “Agronegócios” de um jornal. Como o Edibar fazia muito sucesso nas páginas de entretenimento do mesmo, a ideia de lançar um personagem caipira para o caderno foi mais do que aceite pelos editores do jornal. A aceitação dos internautas também foi ótima. Mais uma vez, todos conhecem alguém do interior. Isso trás uma proximidade com os fãs que respeito muito. Criar algo com que eles se identifiquem.
NPS: Que ligação tens com o Circo de Teatro Tubinho? Qual a finalidade do personagem Tubinho?
LO: Não criei o personagem. As tiras do Tubinho já existiam no traço de outro cartunista, que abandonou o trabalho em 2015. Atraído pelo sucesso de Edibar, Pereira França Neto, um dos donos do Circo de Teatro e intérprete do palhaço no circo, entrou em contato com Ana Gisele requisitando-nos para dar continuidade com as tiras do Tubinho no facebook. O traço ficou mais arrojado e o humor mais ácido, já que o público deles é adulto. Através das tiras, cada dia mais fãs são atraídos para a fanpage do circo.
NPS: Atualmente, dedicas-te exclusivamente à produção das tiras e ilustrações de Edibar e companhia para a imprensa. És a prova que não é necessário ser o Mauricio de Sousa para viver de BD no Brasil?
LO: Sim. Porém não é um trabalho que vira sucesso somente pela dedicação. Tem muita gente dedicada que não tem o dom para a coisa. É necessário uma boa dose de talento do artista e que ele ande constantemente de mãos dadas com a criatividade. Ele também tem a obrigação de ser autêntico. Mesmo assim, a demora pelo reconhecimento do público pode desanimar e derrubar muitos artistas pelo caminho. O Mauricio começou fazendo tirinhas da Mônica para jornais e a coisa foi crescendo na mesma proporção de sua criatividade. O dinheiro é a consequência. Mas sim, posso dizer que vivo exclusivamente pela produção das tiras.
NPS: Qual o papel da Ana Gisele França, tua companheira de vida e trabalho, na Lucio Oliveira Produções Artísticas?
LO: Ela é meu braço direito e esquerdo. Ex-bancária, ex-corretora de imóveis, ex-gerente de empresas renomadas, organizadora de eventos e mãe de três filhos ligados no 220 volts, tem no curriculum o feeling para comercializar e administrar toda nossa produção. Falou em negociação, pode falar com ela. É uma pessoa maravilhosa e super competente. Além de linda!
NPS: Que tipo de oportunidades tem atualmente um aspirante a cartoonista e/ou chargista no Brasil?
LO: É bastante difícil para quem está começando. É preciso buscar referências e especializações para o mercado atual. Quando alguém me procura e vejo que ele tem potencial, direciono e incentivo a pessoa a buscar o seu lugar ao sol no meio jornalístico. A publicação de um trabalho, mesmo que no começo seja pouco remunerado, ainda assim é muito importante. O artista assina o seu nome em todas as publicações e a identidade começa a ser construída a partir dali. Embora no Brasil já tenha alguns nomes que sempre são procurados e vejo muita gente boa deixada de escanteio. As oportunidades não são muitas, às vezes temos que fazê-las.
NPS: Que panorama nos podes dar da publicação atual de BD de autores brasileiros no Brasil?
LO: O mercado no Brasil pode aumentar e ficar tão bom quanto o dos Estados Unidos. Em 2015, na principal feira de livros e quadrinhos do Brasil, a FIQ – Festival Internacional de Quadrinhos, houve mais lançamentos brasileiros do que estrangeiros. Algo inédito. Isso é bom.
NPS: Para além do facebook, quais acreditas serem as melhores estratégias para os autores brasileiros de BD chegarem ao seu público?
LO: Os media, no geral, é o que nos aproxima do público. É preciso procurar publicações e parcerias em blogs, sites, principalmente de artísticas já conhecidos. Às vezes recebem-se vários “nãos” de artistas que se acham o máximo, mas sempre vai ter aquele que reconhece o trabalho do outro e acaba ajudando.
NPS: Em que consiste a edição especial Edibar – Tiras inédita” que será disponibilizada no XII Festival Internacional de BD de Beja?
LO: O carinho do povo português com o Edibar sempre foi muito evidente nas postagens da fanpage do personagem. Pensando nisso, todas as 107 tiras (Edibar, Edi Roça e Tubinho) nunca publicadas em impressos no Brasil, foram selecionadas exclusivamente para homenagear o Festival de Beja. Além das tiras, o público português poderá contar com alguns bónus, que serão surpresa.
NPS: Quais são as tuas expectativas relativamente ao festival?
LO: As expectativas são as melhores possíveis. Já estamos felizes só em poder participar de um evento tão significativo. Além de poder conhecer pessoalmente alguns nomes que já temos um carinho muito grande, como Paulo Monteiro e Aida Teixeira, temos como alguns dos nossos objetivos procurar a proximidade com o fã português, apresentar o nosso trabalho para aqueles que ainda não conhecem e, é claro, conhecer de perto a cultura rica que fará parte do festival. São muitos nomes bons. Em feiras de livros, eu às vezes esqueço que sou um dos convidados e vou atrás dos trabalhos dos colegas de traço. Tenho certeza que desta vez não vai ser diferente. É claro que se aparecer alguma oportunidade de negócio, estaremos abertos a negociações (risos).
nota: imagens gentilmente cedidas pelo autor.

Fundador e administrador do site, com formação em banda desenhada. Consultor editorial freelance e autor de livros e artigos em diferentes publicações.