Tudo começou em 20 de março de 2007. Nesse dia, o espanhol Daniel Estorach começou a escrever um blog de ficção chamado ¿Soy un superhéroe?, na primeira pessoa e subintitulado El blog de los superhéroes reales. O título do primeiro post era Hoy me ha pasado algo muy biesta, em português Hoje aconteceu-me algo brutal.
Nascido em 1975, depois de um quarto de século a ler toneladas de banda desenhada norte-americana de super-heróis, entre Watchmen, Demolidor Renascido e O Regresso do Cavaleiro das Trevas, andava desencantado com o género, sem nada mais que o surpreendesse ou o prendesse como o fez A Liga da Justiça de J. M. DeMatteis, Keith Giffen e Kevin Maguire quando era adolescente.
Decidiu então criar o blog para escrever, numa espécie de diário, a sua própria versão do que seria o nascimento e as primeiras aventuras de um super-herói moderno e atual, não nos longínquos EUA, mas na própria Espanha.
O sucesso online, possibilitou a possibilidade da publicação da história, no formato de romance, pela Norma Editorial em 2012. No ano seguinte, o romance seria nomeado aos Prémios Ictineu 2013 da Societat Catalana de Ciencia Ficció i Fantasia / TerCat.
Seria também em 2013 que seria editado o segundo romance, Identidades Secretas, da anunciada trilogia, denominada Crónicas de un Héroe Urbano, não tendo ainda sido escrito o derradeiro romance. Pelo contrário, em 2014 seria publicado uma banda desenhada da autoria de Estorach e mais 6 autores, que ampliava o universo inicial do Justiceiro do Post-It das Crónicas de um Herói Urbano para uma nova série, Tiempo de Héroes, com o título La Venganza de Pekinp.
Paralelamente, a Norma adaptou o primeiro romance de Estorach à banda desenhada, com argumento de El Torres, vencedor o ano passado do Prémio de Melhor Argumentista Espanhol na Expocómic com El fantasma de Gaudí, e os desenhos de Julián López, com vários comic books da DC Comics no seu currículo. Editado em abril deste ano no país vizinho, é publicado agora pela CITY – Conventions In The Yard, para a sua terceira edição da Comic Con Portugal, como se divulgou aqui.
Não tendo lido nem o blog onde a história nasceu, nem o romance de Estorach, não nos é possível aperceber o quão fiel é a banda desenhada ao livro, mas, atendendo a que Estorach foi construindo o seu próprio universo super-heroístico, acreditamos que El Torres tenha transposto eficazmente o romance para a BD.
A temática dos superpoderes é abordada sob o ponto de vista de Daniel, que um certo dia começa a manifestar algumas capacidades extraordinárias que só conhecia do mundo dos super-heróis. A partir daí, apercebe-se que não é o único, havendo outros indivíduos com superpoderes diferentes. E, qual Peter Parker, aceita a responsabilidade dos mesmos, enquanto realiza a descoberta de que parecem existir facções opostas no novo mundo de que faz parte e que nem todos têm o mesmo ponto de vista quanto ao uso dos poderes.
Os desenhos e layouts dinâmicos e fluídos de Julián López, bem como a arte-final de Juan Albarrán e cores de Fran Gamboa, estão perfeitamente ajustados à narrativa super-heróica, seguindo a atual escola norte-americana. Nesse sentido, o travo espanhol que eventualmente o romance tenha, poder-se-á ter perdido um pouco na BD.
No final do livro, ficam várias questões por resolver, próprias de um primeiro tomo de uma trilogia. Quanto à temática de um super-herói “num mundo real”, apesar de não ser original – seja na banda desenhada, cinema, televisão ou videojogos – também não deixa de ter o seu quê de particular quanto à forma como foi construída. E é bastante apropriada ao lema da Comic Con Portugal, be whatever you want.
Fundador e administrador do site, com formação em banda desenhada. Consultor editorial freelance e autor de livros e artigos em diferentes publicações.