Como era o mercado editorial da BD há 10 anos? Começámos a responder a essa questão com o estudo clínico do primeiro semestre de 2006. Republicamos o segundo artigo da autoria de Daniel Maia sobre o ano de 2006, no qual realiza o balanço anual, o qual tínhamos originalmente publicado a 13 de março de 2007 no portal bdesenhada. Prepare-se para mais uma viagem no tempo…
Por Daniel Maia
Após vários anos de repetidos prognósticos sobre a quebra do comércio bedéfilo, foi só em 2005, com 490 títulos, que o mercado contrariou – pela última vez? – os mais negros vaticínios e atingiu o tecto máximo em edição. No ano passado, assistiu-se por fim à tão profetizada queda de lançamentos para níveis suportáveis pelas editoras e leitores, dada à crise que ainda se faz sentir no mercado livreiro. 2006 é por isso, com 340 títulos no total, o ano que menos BD viu editada desde o raiar do milénio; menos 150 que os conseguidos no ano transacto.
Deste total, pouco mais de 100 títulos vieram editora Edimpresa, que no final do ano optou por descontinuar drasticamente a sua linha de revistas Disney, mas não sem antes açambarcar 1/3 da produção bedéfila daquele ano.
Do volume de 340 publicações, 90 são álbum de BD típicos, nos formatos franco-belga e americano ou até pocket, e 178 são edições de quiosque, indo das mais convencionais revistas e almanaques, a fascículos coleccionáveis. Assistiu-se a um moderado número de reedições, não consideradas nesta contagem porém, o que teria elevado a cerca de 350 títulos (e faria ascender a 500 as edições de 2005). Voltam a ser visíveis publicações que forçam as fronteiras BD ou cartoon tradicionais, bem como se realizaram diversas edições independentes (prozines ou fan-álbuns), frequentemente em formatos de revista e de cariz antológico. 15, para ser exacto.
A nível de cartoon e tiras cómicas, estivemos nos 32, dos quais só 4 tiveram origem nacional. Foram ainda produzidos 9 livros técnicos e de investigação ou catálogos e monografias. No total, realizaram-se 26 títulos portugueses, sendo 2 desses escritos em línguas estrangeiras; em francês e inglês, nomeadamente. Edições nacionais de BD estrangeira em língua estrangeira houve apenas o primeiro volume d’O Príncipe Valente (Livros de Papel).
A média mensal foi de 28 edições (tendo sido 41 em 2005), chegando aos 22 títulos no 1.º trimestre, a 34 durante o 2.º trimestre, novamente 22 no 3.º, e terminando com 33 nos meses natalícios. Os meses mais fortes foram Outubro e Abril, respectivamente com 45 e 35 títulos, números motivados pela altura de recuperação do mercado após o início do ano, bem como pela preparação para período de natal, coincidentes com os dois Festivais Internacionais de BD naqueles meses, na Amadora e Beja. Os meses veranescos pré-época alta estiveram igualmente recheados, mas com menor influência que a registada em 2005, aquando atingiram a meia centena de edições cada.
A respeito dos protagonistas do meio, o ano ficou marcado pelo regresso da repensada Devir e a estreia da BDmania, ambas orientadas para explorar a BD mainstream, dando-se paralelamente um novo “boom”, desta feita por parte de chancelas unipessoais ou micro-editoras, que asseguraram muito do dinamismo do sector. Esta pequena imprensa tirou proveito e explora continuamente os inovadores modos de edição digital que facilitam publicações a custos competitivos e qualidade próxima das gráficas offset, ou o sistema POD (Print on Demand).
Nas indústrias estrangeiras estiveram em destaque os autores Rui Lacas, com o álbum “Merci, Patron”, no mercado francófono, e Eliseu Gouveia, com a série “Infiniteens”, nos EUA. Em Portugal teve destaque o autor Filipe Abranches – artista em foco no 17,º FIBDA –, tendo o certame destacado Miguel Rocha como melhor desenhador e João Paulo Cotrim com melhor argumentista, e ainda o álbum de ambos, “Salazar – Agora na hora da sua Morte” (Parceria A. M. Pereira). Nos IV Troféus Central Comics, o público leitor optou por premiar o álbum “A Pior Banda do Mundo 5 – O Depósito dos Refugos Postais” (Devir) e o seu autor, José Carlos Fernandes com o troféu para melhor argumento, e mais Daniel Maia (eu próprio) no desenho.
De resto, outra principal tendência a relatar foi o salutar aparecimento de novos talentos, alguns ainda por se consolidarem mas possuidores de bons conhecimentos técnicos e formais na prática da BD, comparáveis aos autores profissionais. Algumas das iniciativas privadas efectuadas orientaram-se conscientemente para descobrir e acalentar a produção destes artistas recém-chegados. E por fim, também importante para a área e difusão dos talentos nacionais foram as feiras-eventos (Mula, Feiras Laica, etc.) que preencheram o vácuo cultural e comercial deixado pela escassez de festivais promovidos por entidades estatais e institucionais.
Artigos realizados por colaboradores do Bandas Desenhadas.