Entrevista: Vítor Oliveira

Entrevista: Vítor Oliveira

Vítor Oliveira tem hoje o seu primeiro livro de BD, Agá: A Cura, editado. Conversámos com o mais recente autor português de banda desenhada sobre o livro, o seu percurso e as suas aspirações.

Nuno Pereira de Sousa: Agá: A Cura é a sua primeira obra de BD publicada. Como se deu esta oportunidade?
Vítor Oliveira: Uma amiga ilustradora, a Fedra Santos, coopera com a Câmara Municipal de Lousada como designer. O vereador do ambiente Manuel Nunes falou-lhe de um projeto para o qual precisava de um ilustrador. A Fedra reuniu e apresentou os portefólios de alguns ilustradores e felizmente o escolhido fui eu. Nem sabia de nada até ao fim do processo. Foi uma completa surpresa.

NPS: Que premissas foram definidas pela Câmara Municipal de Lousada (CML) para a construção da obra?
VO: 
A história tinha que mostrar Lousada daqui a 300 anos e como será afetada pelas alterações climáticas. Logo na nossa primeira conversa sobre o livro e o seu tema, o Manuel Nunes tornou claro que não queria uma obra enfadonha ou um ensaio académico. Seria uma obra que entreteria o leitor ao mesmo tempo que o faria refletir sobre os problemas causados pelo impacto humano. Acabámos por concordar que uma história de ação e aventura pautada por algum drama seria a melhor solução. Estaria destinado a um público alvo jovem, nomeadamente alunos do 9.º ano de escolaridade. Penso que alcançámos o nosso objetivo de entreter e ainda assim ensinar esse público.

NPS: Conte-nos as diferentes etapas da metodologia de trabalho que realizou para o argumento, desenho, arte-final, colorização e legendagem.
VO: Nunca tinha escrito um conto destas dimensões, fiz muita pesquisa sobre escrita para livros de Banda Desenhada e adquiri uns quantos sobre escrita para guiões. Visitei vários pontos de Lousada e arredores para fazer uma recolha fotográfica e informativa sobre locais que seria necessário aparecerem no álbum. Cedo, durante a fase de criação do guião, senti a necessidade de escrever um prólogo para tornar claro para mim mesmo como tínhamos chegado àquela situação. Esse prólogo aparece logo no início do álbum como introdução à história. Depois de ter a história definida como se de uma prosa se tratasse, dividi a mesma em cenas e as cenas em páginas. Como eu era o escritor e artista da história, não senti a necessidade de criar um storyboard muito completo; as imagens estavam todas na minha mente e foi apenas uma questão de passar esse imaginário para o papel. Fiz apenas pequenos ajustes nos thumbnails e breakdowns para acertar o ritmo da história. Para quem não sabe o que são thumbnails e breakdowns, são esboços das páginas que definem a distribuição das vinhetas numa página e as imagens nessas vinhetas. Aqui ainda é tudo analógico, comigo a fazer os esboços numa espécie de caderno diário. Depois desta fase, passo a fazer tudo no computador. Digitalizo os esboços e aumento o seu tamanho até servir de base para as minhas páginas. Nesta fase, começo a trabalhar num programa próprio para artistas de BD, o Manga Studio. Depois de importar o esboço coloco-o numa layer. Sobreponho outra layer, na qual refino o desenho. Tento definir melhor os personagens, os seus gestos e as expressões. Torná-los mais reais e credíveis. Esta seria a fase no processo tradicional conhecido no meio dos comics como penciling. É a fase onde se tomam todas as decisões sobre a anatomia, uso de perspectiva e iluminação da cena. A fase seguinte passa por criar outra layer, onde procuro sobretudo melhorar a qualidade da linha e do traço, ou seja o inking. Esta layer é a base para a seguinte fase, onde faço o que eu chamo de rendering. Tento dar volumetria às personagens, representar texturas e definir melhor as sombras e reflexos. A fase final é a colorização. Passa por escolher as melhores cores para definirem o ambiente da cena e questões mais básicas, como a altura do dia em que a cena decorre e a cor local dos objectos. Esta é normalmente também a fase onde aplico efeitos como lens flare, ou brilhos, enfim… os efeitos especiais.

NPS: Fale-nos de como o Thor de Jack Kirby o atraiu tanto aos 4 anos?
VO: A capa da publicação que vi era incrível, cheia de cor e emoção, com o Thor a tentar libertar-se de uma força que o aprisionava. O trabalho de Jack Kirby tem tudo para ser fascinante, especialmente para uma criança. As perspetivas e anatomia exageradas. A ação teatralizada através dos gestos dos personagens. Tudo aquilo era novidade para mim, completamente fresco e novo. Felizmente, a minha mãe percebeu esse fascínio e comprou-me o livro.

NPS: Que banda desenhada lia na infância?
VO: Lia muitos comics da Marvel e DC, sendo que os meus heróis favoritos eram o Homem-Aranha na Marvel e o Batman pela DC. Esses, sem dúvida, eram em maioria e faziam o grosso da minha coleção. Também lia muitos livros da Disney e do Mauricio de Sousa, o Cebolinha e a Mónica… Tudo muito eclético.

NPS: E na adolescência?
VO: Na adolescência comecei a ler mais BD europeia, Moebius e Bilal principalmente. Também descobri nessa fase da minha vida a Heavy Metal, revista de histórias de BD mais adulta e alternativa, com muita ficção científica e terror. Descobri também autores americanos mais adultos, como Neil Gaiman, através do seu Sandman. Conforme se vai crescendo, é normal que se vá também procurando BD com temas e conteúdos mais maduros e complexos.

NPS: Em que medida foram úteis os livros “como desenhar” lidos nessa altura?
VO: Muito, porque não tive ninguém que me ensinasse. Tive que aprender por mim próprio, através desses professores, os livros. Tinha muitos livros desses com temas muito variados desde Como desenhar o corpo humano até Como desenhar em perspectiva. Adorava os livros do David Brown, da colecção Como Desenhar da Presença.

NPS: Formou-se como técnico de design na Escola Secundária do Viso, em Setúbal. Esta formação influencia de alguma forma o seu trabalho na banda desenhada, hoje em dia?
VO: Gostava de dizer que sim, mas infelizmente aquilo que aprendi pouco contribuiu para aquilo que faço hoje em dia ao nível de ilustrações e BD. Talvez apenas o primeiro contacto a sério com programas de ilustração como o Corel Draw e Photoshop.

NPS: Foi também nesta altura que teve o seu primeiro trabalho de BD pago, a desenhar uma BD para uma escola de condução. Do que se recorda desse projeto?
VO: Prefiro não me lembrar; a sério que não tenho assim tantas memórias alegres desses tempos e pouco orgulho do trabalho produzido nessa altura. Aprendi a lidar com clientes e com as suas expetativas e exigências, apenas isso.

NPS: Ficou desiludido com o curso de design no IADE. Fale-nos dessa experiência.
VO: Foi frustrante. O meu curso no Viso foi bastante bom e completo. Muitas vezes as coisas que estava a aprender pareciam repetições do que já tinham aprendido em Setúbal. Não me parecia que a matriz curricular do curso fosse virada para o futuro e novas tecnologias. Também fiquei com a ideia que pouco respondia às verdadeiras necessidades do mercado de trabalho. O que mais gostei no curso foram as aulas de desenho com modelos nus. Aprende-se muito sobre anatomia e ainda hoje em dia penso que beneficiaria de aulas dessas.

NPS: Pelo contrário, o curso de animação e modelação 3D teve um final feliz. De que forma contribuiu o curso para o seu trabalho em BD?
VO: Gostei bastante do curso na ETIC e do ambiente da escola, apesar de que, na minha opinião, devia ser um curso mais longo e que os alunos, em vez de se virarem cada um para um projeto final individual, deveriam ter produzido um filme de colaboração para final de curso. A modelação 3D está presente no meu trabalho, se bem que de uma forma dissimulada. Olhem com atenção para as naves, pistolas e alguns droides… está lá. Uso o Sketchup para criação de alguns objectos e ambientes e é algo que pretendo usar cada vez mais. Pode demorar um pouco mais numa fase inicial mas agora nunca mais terei de desenhar um pulsor de raiz.

NPS: Atualmente, que obras, argumentistas e ilustradores se encontram entre os seus favoritos?
VO: Ultimamente, tenho tido muito pouco tempo para ler BD. Muito dele esteve ocupado pela produção do álbum Agá: A Cura. Entre os meus artistas favoritos da atualidade, encontram-se o Marini e o Guarnido. Com especial ênfase no segundo. É um artista fora de série. Ao nível das ilustrações, mas também ao nível do storytelling e conceção dos personagens. Tenho usado o pouco tempo que tenho para ler alguns clássicos, como obras de Will Eisner e Joe Kubert. A Levoir lançou uma excelente coleção destes clássicos. Aproveitem, como eu estou a fazer, para pôr a leitura em dia.

NPS: O final de A Cura antevê o regresso a este universo. Está nos seus planos prosseguir a narrativa?
VO: Gostava muito de ter a oportunidade de continuar a história, até porque já tenho tudo definido para o segundo álbum, a nível da narrativa. Não sei se vou poder continuar a história mas se o fizer vai ser em full-time e não como este álbum foi produzido, em que tive de fazer malabarismos entre dois empregos e a vida particular. Acho que está na altura de dedicar-me a tempo inteiro à ilustração.

NPS: A edição de um eventual segundo volume dar-se-ia novamente via CML?
VO: Penso que esta obra não é só minha. Sem o Manuel Nunes este livro não existiria e muito se deve ao vereador. Penso que a lógica seria a narrativa ser continuada através da CML. Pelo menos gostaria que assim fosse.

NPS: A curto prazo que planos tem na área da BD, ilustração e animação?
VO: Está tudo em aberto. Gostava de colaborar com revistas e fanzines e ter clientes que me permitissem fazer ilustração a tempo inteiro. Para já, gostaria de continuar a história do Agá e seus companheiros de aventura. Sonho em produzir um motion comic do Agá, para abranger mais leitores e outras plataformas. Mas acima de tudo, clientes precisam-se. O que eu quero mesmo é não deixar este sonho morrer.

nota: imagens gentilmente cedida pelo autor.

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