Por Filipe Serra Carlos
Em agosto, cinco anos após o seu começo, chegou ao fim uma longa aventura chamada Disney Comix. A despedida desta série constitui uma ocasião ainda mais especial por coincidir com a publicação da sua 200.ª edição. A equipa da Goody merece, por isso, uma saudação por terem decidido fazer coincidir estes dois acontecimentos.
Para este final, a revista apresenta-nos quatro histórias que se esperam especialíssimas. Afinal, a capa traz até um destaque que nos garante ser uma revista imperdível. Sê-lo-á decerto pelas razões atrás referidas, mas infelizmente, ao nível das histórias, esse objetivo é apenas parcialmente cumprido. Efetivamente, só a primeira história nos brinda com uma aventura digna da celebração desta efeméride e o facto de ocupar mais de metade das páginas da revista apenas atenua a sensação de “esperava algo melhor” que as restantes três histórias nos deixam.
A abrir o último número temos uma história intitulada “Tudo Isto Acontecerá Ontem”, protagonizada pelo Mickey. Passa-se no dia do seu aniversário e é marcada por um mistério que o obrigará a viajar no tempo. Nada de inédito na vida do rato, é verdade, mas nesta história não só a viagem no tempo o manda para a Ratópolis dos anos 30 como o Mickey do presente se vê envolvido com o Mickey do passado numa aventura que viveu naquela era e de que não tem memória. Por si só, o simples facto de a nossa realidade invadir o mundo das personagens Disney, ao reconhecer-se explicitamente que um jovem adulto Mickey já por cá andava há quase 100 anos, torna esta história um momento único na vivência Disney. Mas, não bastando isso, Casty, o argumentista e um dos artistas, brinda-nos com uma estrutura narrativa muito mais complexa do que o habitual, em que dentro da história principal acontece uma história secundária que se revela fundamental para o desenlace da primeira. Ao nível da arte, merece destaque a conjugação do trabalho de artistas para evidenciar as duas épocas em que aventura toma lugar, em especial as páginas de Massimo Bonfatti com o seu grafismo reminescente do estilo das primeiras histórias do Mickey.
Recuperado o fôlego após a longa história que abre a revista, o entusiasmo esbarra, infelizmente numa sequência menos feliz de histórias. Primeiro, uma história da Disney brasileira protagonizada pelo Zé Carioca na pele do super-herói Morcego Verde. “A Queda do Morcego” inspira-se, como se percebe desde logo pelo título, numa importante saga de Batman dos anos 90, em que este herói, impossibilitado de prosseguir o seu trabalho de vigilante, se vê obrigado a passar o manto a um substituto que rapidamente se revela inadequado para o papel. No caso da aventura do Zé Carioca, a trama é ultrassimplificada e reduzida a um conjunto de situações cómicas muito elementares.
Segue-se “Donald e a Ameaça do Loup Garou”, uma história que reutiliza um texto de Carl Barks. Se, por um lado, as histórias do grande mestre Barks nunca são de mais, especialmente porque nunca foi publicado um integral de toda a sua obra, a verdade é que esta está longe de ser um dos seus melhores trabalhos. Com efeito, a história é marcada por uma ameaça cuja explicação é confusa e também não contribui para a clareza a referência a uma personagem — o Conde Drakula — que não se percebe se tem alguma coisa a ver com o célebre vampiro da Transilvânia. Alguns momentos de humor mais refinado, como quando os nossos patos sobem a uma árvore pela segunda vez para escaparem ao lobo, não compensam situações em que há comportamentos que não têm a ver com as personagens, como o quando o Tio Patinhas se insinua à socapa no avião do Donald só por curiosidade. Foi a forma encontrada para justificar a participação do pato milionário na aventura, mas soa forçado.
Por fim, chega-nos da Disney dinamarquesa “Tio Patinhas e a Varinha Chinesa”, a história de mais uma tentativa da Maga Patalójika se apoderar da moeda da sorte. O enredo começa por ser relativamente complexo, com o Tio Patinhas a ser incriminado por algo que não fez. Para conseguir limpar o seu nome, vê-se metido num conjunto de peripécias que o levará, junto com o Donald, até à China, numa sucessão apressada de acontecimentos que resulta numa história que, embora partindo de uma ideia bastante original, podia ser muito mais sólida e épica.
Não sendo uma obra-prima em termos de seleção de histórias, o balanço geral da Comix 200 é francamente positivo, em grande parte graças à história principal. Não deixa, também, de ser uma revista obrigatória para os colecionadores aficionados da banda desenhada Disney, pois é o último número de uma série que faz questão de celebrar esse fim. Para quem se recorda de outros tempos da banda desenhada Disney em Portugal, cujas séries acabaram subitamente e sem aviso, esta postura faz toda a diferença e importa realçá-la.
Formou-se em História da Arte e não sabe qual é a sua arte favorita. Já qual aprecia há mais tempo é fácil: a banda desenhada, que descobriu antes de aprender a ler. Faz da palavra a sua ferramenta, sendo freelancer na área editorial e da cultura. Em paralelo, continua a alimentar paixões, pela BD e pela literatura, pelo cinema, pelo canto, entre muitas outras.