Marcellus Hall regressa a Portugal com a edição de duas obras e uma exposição
De volta ao Porto, dia 8 de dezembro, a partir das 17h00, na Mundo Fantasma, inaugura-se a exposição Virtual Reality de Marcellus Hall, hoje um conhecido autor e ilustrador nova-iorquino que há 10 anos inaugurou o espaço galeria da livraria Mundo Fantasma. Um ilustrador, que também é músico, e que transforma gestos leves e soltos em traços rápidos de desenhos simples e pinceladas de aguarela, seja de cativantes personagens, seja fazendo dos prédios e ruas tão de carne e osso como quem neles vive ou por elas se passeia.
Com este regresso surge também o lançamento de Hitchhiker, um zine impresso em risografia e Virtual Reality, o terceiro número da colecção Minimizine, editados pela Mundo Fantasma e atelier 3|3. Na exposição, para além das publicações assinadas pelo autor estarão em destaque ilustrações originais das mesmas e de outros trabalhos seus, entre as quais de Kaleidoscope City (Bittersweet Editions, 2018), o seu primeiro livro de banda desenhada, desde logo muito bem recebido pela crítica, elogiado por autores icónicos, como Adrian Tomine e Peter Kuper, mas também por atores, como Bob Odenkirk (conhecido pelo seu papel em Breaking Bad e o spin-off Better Call Saul).
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Eis a biografia:
Marcellus Hall teve uma infância e adolescência, no mínimo, turbulentas. Nascido em Minneapolis, em data indeterminada, já que todos os registos de nascimento dele perderam-se numa inundação, fez de tudo um pouco para ganhar a vida: desde vender caricaturas na rua a limpar neve. Mais tarde mudou-se para Nova Iorque e recebeu uma bolsa para estudar na Escola de Design de Rhode Island, onde foi um dos melhores alunos. Foi por essa altura que aprendeu a tocar guitarra e harmónica, fundou os Railroad Jerk, banda a qual editou quatro álbuns pela Matador; depois os White Hassle, outros quatro álbuns pela mesma editora e o EP “you” (Isaac Brock, dos Modest Mouse gosta tanto desta música que tatuou o título no braço); desfeita a banda, seguiu uma carreira solo editando “The First Line”, 2011, pela Glacial Pace e “Afterglow”, auto-editado em 2013. Voltando à ilustração, decidido a seguir uma carreira nesta área, iniciou o seu percurso em pequenas revistas e rapidamente passou a colaborar com regularidade para publicações como The Wall Street Journal, Habitat, The Atlantic Monthly, Time e The New Yorker, para a qual assinou algumas capas, sendo a primeira, “Unaffordable Eden” de 2005, a mais polémica e comparada muitas vezes com “View of the World”, feita para a mesma revista em 1976 por Saul Steinberg. O que, para todos os efeitos, é um valente e enorme elogio. Entre ilustrações para revistas, livros infantis e capas de livros (para editoras que vão desde a Simon & Schuster até à Penguin), o trabalho dele é seleccionado com regularidade para os anuários American Illustration, Communication Arts e Society of Illustrators. Dentro da banda desenhada, é em 2018 que publica o seu primeiro romance gráfico, “Kaleidoscope City”, desde logo muito bem recebido pela crítica, elogiado por autores iconicos, como Adrian Tomine e Peter Kuper, mas também por atores, como Bob Odenkirk (sim, o mesmo de “Breaking Bad” e “Better Call Saul”). De regresso a Portugal e à Mundo Fantasma, aproveita esta exposição para lançar “Hitchhiker”, um zine impresso em risografia e “Virtual Reality”, terceiro número da colecção Minimizine editado pela Mundo Fantasma e atelier 3|3. Com um traço esguio, solto e pouco detalhado, ilustra o quotidiano nova-iorquino como poucos, fazendo dos prédios e ruas tão carne e osso como quem neles vive ou por elas se passeia.
Eis o texto de apresentação, da autoria de Paulo Patrício:
Marcellus Hall é um tipo alto, super bem parecido, reservado e muito educado. Ou melhor, tem uma educação que parece saída de uma série de época, o que causa algum fascínio. Também tem por hábito passear, a pé ou de bicicleta, por Nova Iorque. E como acontecia na moda com o grande Bill Cunningham (que também andava sempre de bicicleta), regista sem qualquer pretensão o quotidiano da cidade, em particular de Manhattan, o que pode ir desde o tipo que está perdido no meio da 5.ª Avenida aos clientes madrugadores de um café em Hester Lower East Side, passando por alguém que desesperadamente tenta fazer uma entrega em Astor Place. Pelo meio, e aqui sim muito à Bill Cunningham, tem umas aguarelas dedicadas à moda de rua, isto é, com gente anónima, mas cheia de estilo. Às vezes dá a sensação que ele não anda por Nova Iorque, mas que é Nova Iorque que está dentro dele. O que é nítido na novela gráfica “Kaleidoscope City”, desde logo muito bem recebida pela crítica, não só elogiada por autores icónicos, como Adrian Tomine e Peter Kuper, mas também por atores, como Bob Odenkirk (sim, o mesmo de “Breaking Bad” e “Better Call Saul”). Nela, temos um desenhador que depois de uma desgraça amorosa, vagueia de bicicleta pela cidade, percorrendo bairros e lugares menos conhecidos. Tudo como se não houvesse amanhã, mas com um lirismo próprio de quem sente falta do amor que perdeu. Muitas das páginas são mudas e contemplativas, outras com pensamentos soltos, porque ter um coração partido dá-nos cabo da cabeça, não é?!, e algumas fixam a opinião de desconhecidos sobre as relações amorosas, como o taxista que a meio da viagem diz: “um homem solteiro vive como um rei, mas morre como um cão”.
Esta amplitude entre a observação contemplativa e a frase solta, faz com que o leitor comece a olhar para o que vê na página, não como uma realidade que pertence ao personagem, mas como se fosse a dele, leitor, naquelas circunstâncias. E aí é que está a força desta novela gráfica, que como uma canção, leva o nosso pensamento para aqui e para acolá, e sem darmos conta disso, já estamos a ver na nossa própria vida pela perspectiva de quem escreveu a letra. A comparação não é descabida, afinal o Marcellus Hall também canta e escreve canções e anda pela estrada em concertos. O que nos leva a “Hitchhiker”, uma história que cobre a viagem que fez à boleia entre São Francisco e Seattle, que resultou mais de uma indecisão, o que fazer e para onde ir depois de acabar a escola, do que uma opção. O ritmo das páginas está marcado como o da própria viagem: estamos na estrada, fazemos uma paragem, novamente na estrada, nova paragem. Quem dá boleia é, como acontece nestas coisas, ou muito simpático ou absolutamente sinistro. O retrato, mais uma vez Bill Cunningham!, de cada um deles depende exclusivamente de diálogos curtos e de uma caracterização muito eficaz, o vendedor cheio de pinta, um cultivador de marijuana alucinado, e como não poderia deixar de ser, o velhinho lascivo. Mas vamos seguindo caminho, porque o destino é que importa, e vendo cenários da América que fazem parte do nosso imaginário colectivo, as sinuosas estradas de montanha a fazer lembrar “Twin Peaks”, um diner ao estilo “Dumb & Dumber”, a ponte de “Stand By Me”. E o destino agora já não é Seattle, mas “Virtual Reality”, editado pela Mundo Fantasma e pelo atelier 3/3, “Virtual Reality” que regressa a casa, Nova Iorque, e é novamente sobre o amor, mas agora do ponto de vista de uma mulher. Todos os pensamentos dela enquadram o passado e o presente: compara o charme das roupas de outra época, mas não fica particularmente transtornada com o que é usado hoje. Mas pronto, amor precisa-se e há que o encontrar, seja onde for. Se “Kaleidoscope City” e “Hitchhiker” soam a folk, este último soa a talking blues. E mais não posso escrever, porque como acontece nesse tipo de blues, no final há um twist e é uma chatice ser desmancha-prazeres.
Registe-se que o autor terá também direito a uma sessão de autógrafos no dia 11, às 17h00, na lisboeta BD Mania.

Fundador e administrador do site, com formação em banda desenhada. Consultor editorial freelance e autor de livros e artigos em diferentes publicações.