Pela primeira vez após duas décadas, trabalhos publicados nos EUA são abrangidos pelo domínio público.
O domínio público é uma condição jurídica na qual uma obra não possui o elemento do direito real ou de propriedade que tem o direito de autor, não havendo, assim, restrição de uso de uma obra por qualquer um que queira utilizá-la.
Em Portugal, o direito de autor caduca setenta anos após a morte do criador intelectual, mesmo que a obra só tenha sido publicada ou divulgada postumamente. O direito de autor sobre obra atribuída a pessoa coletiva caduca setenta anos após a primeira publicação ou divulgação lícitas.
No entanto, determinar nos EUA se um trabalho passou a constar do domínio público ou se ainda detém o direito de autor pode ser bastante complexo, principalmente porque a legislação sobre esta matéria alterou-se diversas vezes ao longo do século XX. Até a simples regra de que todos os trabalhos anteriores a 1923 estão em domínio público tem a excepção dos trabalhos não publicados, os quais estão protegidos durante 70 anos após a morte do autor.
De acordo com a legislação vigente na altura, os trabalhos publicados em 1923 seriam abrangidos pelo domínio público em 1999, após 75 anos da sua data de publicação. No entanto, a alteração da legislação aumentou este prazo para 95 anos, o que originou uma pausa de 20 anos.
É verdade que alguns trabalhos publicados em 1923 já poderiam se encontrar em domínio público há algum tempo, devido a algumas obrigações legais por parte dos detentores dos direitos de autor não terem sido cumpridas, mas, a partir deste momento, sem necessidade de nenhuma pesquisa fastidiosa e inconclusiva, todos os trabalhos publicados em 1923 entram em domínio público. Todos? Não… ou não fosse complexa a legislação norte-americana, que evoca algumas excepções. Mas a maioria, sim.
Entre os trabalhos publicados em 1923, há, entre muitos outros, livros de e. e. cummings, Aldous Huxley, Edgar Rice Burroughs, Agatha Christie e Virgina Wolf; filmes realizados por Charlie Chaplin, Buster Keaton e Cecil B. DeMille; músicas de Louis Armstrong, Irving Berlin e George Gershwin.
E na banda desenhada? Fizemos uma pequena investigação de quais as séries iniciadas em 1923.
Estreias
Felix the Cat
O gato Félix surgiu em 1919, em plena era muda do cinema de animação. Em 1923, teve direito à sua tira dominical, desenhada por Otto Messmer e Pat Sullivan. Na verdade, a tira estreou inicialmente no Reino Unido e só passado umas semanas surgiu nos EUA, recolorida. Em 1927, iniciou-se a tira diária, primeiro concebida por Jack Bogle e posteriormente desenhada por Messmer. Joe Oriolo colaborou com Messmer nas revistas de BD do gato Félix, tendo assumido a tira diária entre 1954 e 1969. Quanto aos direitos do personagem propriamente dito, foram adquiridos em 2014 a Don Oriolo, filho de Joe, pela DreamWorks Animation, atualmente pertencente à divisão NBCUniversal da Comcast.
Moon Mullins
Criada por Frank Willard, Moon Mullins foi uma tira diária e dominical publicada entre 19 de junho de 1923 e 2 de junho de 1991, distribuída pelo Chicago Tribune / New York News Syndicate. Moon (abreviatura de Moonshine) é um pretenso pugilista, carente de dinheiro, que reside num quarto numa pensão, com um apetite voraz pelo vício e a vida em altas esferas. Foi compilada em revistas e livros. Após o falecimento de Willard em 1958, o seu assistente Fred Johnson assumiu a tira até ao final daquela.
Skippy
Criada por Percy Crosby, Skippy foi uma tira diária e dominical publicada entre 1923 e 1945, incialmente publicada na Life e posteriormente distribuída pelo King Features Syndicate. Extremamente popular, esta BD era protagonizada por Skippy Skinner, uma criança indisciplinada do 5.º ano, e o seu grupo de amigos e inimigos. É referida como uma das inspirações de Charles Schulz para o seu Peanuts.
Obviamente que estas 3 séries são um pequeno aperitivo da banda desenhada norte-americana publicada em 1923, uma vez que não teve em conta as séries estreadas em anos anteriores nem a matéria foi alvo de uma pesquisa exaustiva.
Os estudos apontam que os trabalhos em domínio público originam livros menos caros, disponibilizados em mais edições e formatos e têm uma maior probabilidade de não se encontrarem esgotados. O futuro dirá se veremos alguma da BD originalmente publicada em 1923 a conhecer novas edições em papel. Entretanto, é possível que algum deste material seja disponibilizado online gratuitamente nalgum repositório que se dedique a compilar tiras cómicas em domínio público.
Fundador e administrador do site, com formação em banda desenhada. Consultor editorial freelance e autor de livros e artigos em diferentes publicações.