Fanzines e fanálbuns: definições, polémicas e balanço de 1998

Fanzines e fanálbuns: definições, polémicas e balanço de 1998

Uma viagem no tempo…

por Geraldes Lino

O sector da banda desenhada com maior dinâmica tem sido, ao longo destes últimos anos, o dos fanzines. Quer seja dos que enchem as suas páginas de bandas desenhadas, quer se trate daqueles que alternam bedês e artigos sobre o assunto, quer pertençam a um género mais raro, o dos que se dedicam ao estudo e à crítica da BD, costuma haver muito por onde escolher. Isso graças a uma produção que ronda anualmente as quatro dezenas de títulos, mesmo que alguns deles desapareçam após três ou quatro números publicados. A maior dificuldade é saber onde ou como os encontrar. Mas, a pouco e pouco, quem esteja verdadeiramente interessado, acaba por descobri-los, seja numa pequena livraria de nome insólito, ou num modesto alfarrabista, às vezes através de correspondência com bedéfilos residentes noutros locais. E, last but not the least, há sempre um pequeno stand dedicado a todos os tipos de publicações alternativas, nos eventos bedéfilos que se realizam em vários pontos do país: Amadora, Lisboa, Moura, Porto, Sobreda e Viseu, além dos de Cacilhas/Almada e de Guimarães, exclusivamente dedicados aos fanzines. 

Distribuição e venda – sugestões

Indubitavelmente, o maior problema dos fanzines, o que mais lhes coarcta a possibilidade de atingirem um maior número de leitores, é a deficiência, por vezes até a total inexistência, da respectiva distribuição.

Tratando-se, como se sabe, de revistas amadoras, aquele factor está principalmente relacionado com o maior ou menor espírito de iniciativa dos respectivos faneditores. Com efeito, depende apenas deles irem directamente às livrarias especializadas em BD (só em Lisboa há cinco: BdMania, Destarte, Galeria BD, Livraria do Duque e Mongorhead Comics), e a alguns alfarrabistas parcialmente bedéfilos (são vários cá pela capital, mas há-os também noutras cidades), propor a sua aceitação para venda ao público, mediante a dedução de uma percentagem que oscila entre os vinte e os trinta por cento. Existem também algumas distribuidoras alternativas especialmente dedicadas aos fanzines (sendo Esquilo Gigante, Experimental Distro e Rastilho as mais activas), que atingem significativas camadas de potenciais compradores.

Outro tipo de acção aconselhável é o envio de exemplares para alguns jornais que incluam nas suas páginas rubricas dedicadas à BD, e também para as revistas vocacionadas para um público mais jovem. As pequenas notícias elaboradas pelos respectivos críticos, quando acompanhadas do endereço do faneditor, possibilitam o aparecimento de interessados.

Igualmente boas hipóteses de divulgação e venda são os acontecimentos bedéfilos que se realizam em vários pontos do país: o Festival Internacional de BD da Amadora, as Jornadas Internacionais da Sobreda, os Salões de BD de Lisboa, Viseu e Moura, cinco eventos anuais, a que há a acrescentar bienalmente o Salão Internacional de BD do Porto. De índole mais especializada – e, para o caso, mais favorável – há, todos os anos, a Feira Internacional do Fanzine, em Cacilhas/Almada, e a sua recente congénere, a Mostra Internacional do Fanzine, em Guimarães.

Quer a Feira, quer a Mostra, são bem representativas do fanzinato, visto que apresentam exemplares abrangendo os mais diversos temas: veganismo, vários tipos de música, esoterismo, poesia, anarquismo, cinema gore, ficção científica, cartoon, ilustração e banda desenhada entre outros. Todavia, em ambos os acontecimentos, os fanzines de BD têm tido menor representatividade do que seria de esperar, embora isso se deva a possível desconhecimentos dos organizadores.

Pequena polémica linguística

Curiosamente, desde há uns três ou quatro anos, os faneditores mais jovens passaram a dizer e a escrever as fanzines, mudando-lhe o género masculino para feminino sem razões aparentes. Há vinte e sete anos que existe em Portugal este tipo de revistas amadoras – o nosso primeiro fanzine é, até prova em contrário, o Argon, editado em Lisboa em Janeiro de 1972 – e desde essa data que sempre se disse e escreveu os fanzines.

Esclareça-se – para não parecer mera teimosia – a razão pela qual se considera ilógica a mudança que se está a verificar. Com efeito, já não é novidade que a origem do vocábulo se deve à junção de fan, primeira sílaba da palavra fanatic, com zine, última de magazine. Sabendo-se que o substantivo magazine é do género masculino, logo aí fica justificada a opção dos faneditores pioneiros.

Fanzine e revista: qual a diferença?

Já se editam fanzines de grande qualidade gráfica, impressos em offset e com capa a cores. A primeira tendência de quem os edita é a de os classificar como revistas. Ora, se assim fosse, em Espanha, França e Itália quase não haveria fanzines visto que, graças ao poder económico dos seus editores, maioritariamente jovens, mas também adultos, essas publicações amadoras apresentam-se, regra geral, com tão excelente aspecto que não se distinguem das suas congéneres comerciais. Só que, na sua maioria, os que as editam continuam a defini-las como fanzines. E porquê?

Exactamente porque os fanzinistas, no estrangeiro, têm consciência das fronteiras que separam os dois tipos de publicações. As características mais marcantes dos fanzines estão englobadas nos seguintes sete pontos:

  1. Os fanzines são editados por amadores;
  2. Os seus editores não pretendem, como finalidade, ter lucro, embora eventualmente possam ter algum, logo investido no número seguinte;
  3. A colaboração não é paga, salvo uma ou outra excepção não significativa;
  4. A tiragem destas publicações por norma quase geral é exígua, limitando-se a duas ou três centenas de exemplares. Em casos esporádicos atingem os extremos: ou ficam por poucas dezenas de cópias, ou chegam ao milhar.
  5. São raros – quase não existem – fanzines com distribuição nacional; na generalidade têm-na, quanto muito, de âmbito local.
  6. Maioritariamente, os fanzines são aperiódicos; e mesmo quando indicam periodicidade, ela é espaçada – trimestral no mínimo, chegando a ser anual – e nem sempre cumprida.
  7. Os títulos dos fanzines, primam pela bizarria, atingindo por vezes níveis provocatórios ou obscenos. Privilegiam bastante a originalidade e o insólito, havendo casos de mudança de título em números seguidos.

Obviamente, as revistas comerciais de banda desenhada têm características exactamente opostas: apresentam-se com títulos mais sóbrios; são editadas por empresas da especialidade e dirigidas por profissionais; são programadas para dar lucro; os respectivos colaboradores são remunerados; têm distribuição a nível nacional, e por vezes internacional para os países lusófonos; os seus títulos não são agressivos, nem apresentam grande originalidade, visto que pretendem abarcar um público muito mais vasto onde se incluem extractos sociais com menor nível cultural.

As transformações possíveis para um fanzine

A grande ambição da maioria dos faneditores é transformar o seu fanzine em revista. Ou seja: dar-lhe dimensões profissionais e comerciais. É a meta mais desejada. Mas, como isso é muito complicado, já têm optado por outro tipo de modificações mais acessíveis.

Foi o que aconteceu, por exemplo, com o Juvebêdê, que começou por ser um suplemento do Boletim Juvernal, mas que, a certa altura, passou a ser editado à parte, continuando o seu conteúdo totalmente dedicado à banda desenhada. Assim, o Juvernal – órgão informativo da Associação Juvemédia – perdeu o seu suplemento, e o nosso fandom ganhou um excelente fanzine.

Mas o contrário também é possível: o Cincinato era um fanzine editado em Viseu desde Outubro de 1990. Cerca de oito anos mais tarde, o seu editor conseguiu que o jornal regional Via Rápida incluisse o Cincinato como suplemento. Neste caso o fandom lusitano perdeu um fanzine, mas o seu editor passou a conseguir fazer chegar a mensagem bedística a um universo de leitores bem mais vasto e diversificado.

Fanálbum – o que é isso?

Na rubrica “Ecos da Banda Desenhada”, que dirigi no quinzenário Eco Regional, na sua edição de 29 de Fevereiro de 1996 escrevi o seguinte:

“Fanálbuns. Outro neologismo. Esclareço desde já que nunca o vi antes escrito, nem pronunciado. Eu próprio o utilizo hoje pela primeira vez. Tal significa que, neste caso, ainda mais necessária se torna uma explicação.

Ei-la: se um magazine editado por amadores (fãs, ou fans) se chama fanzine, nada mais natural que, sendo as circunstâncias idênticas (isto é, estando preenchidas todas as alíneas que enumerei para os fanzines), se chame a um álbum, editado por indivíduo não profissional do ramo, um fanálbum.

Apenas mais um neologismo a juntar a vários outros congéneres já adoptados: fandom, faneditor, fanzinista e fanzinéfilo.”

Acrescentaria agora alguns pontos não focados nessa primeira tentativa de definição, mas que são importantes para a tornar mais clara:
a) o fanálbum distingue-se do fanzine por, basicamente, só publicar uma história completa, ou várias do mesmo autor;
b) por não apresentar título permanente, mas tão-só o da história que constitui o conteúdo;
c) por ser editado isoladamente, ou seja, não indicando numeração sequencial (excepto quando se trata de uma série com vários episódios).

Lista, por ordem cronológica, de fanzines e fanálbuns editados em 1998
Fanzines

1. BD in Folio – Cova da Piedade – nº 1, Jan.;
2. Folha Volante – Lisboa – nº 1, Jan.;
3. JuveBÊDÊ – Lisboa – nº 5, Jan.- nº 6, Maio – N º 7, Jul. – nº 8, Out. – nº 9, Dez.;
4. Sem Título – Entroncamento – s/nº, Jan.;
5. Pimpolho – Trofa – nº 1, Jan.Fev.Mar. – nº 2, Abr.Maio,Jun. – nº 3, Jul.Ag.Set. – nº4, Out.Nov.Dez.;
6. Vermental EXpecial – Oeiras – nº 1, Jan. – nº 2, Nov.;
7. Zeu – Monte de Caparica – s/nº, Jan.;
8. Olho do Cu – S. Miguel do Rio Torto – nº 7, Fev. – nº 8, Abr.;
9. Cinquenta e Seis – Lisboa – s/nº, Fev.;
10. Carneiro Mal Morto – Cascais – nº 2, Mar.;
11. Zero – Póvoa de Varzim – nº 19, Mar.-nº 20, Jun. – nº 21, Set. – nº 22, Dez.; 12. Nemo – Póvoa de Varzim – nº 29, Mar. – nº 30, Jun.;
13. The Nemo Booklets of Classic Comics – Póvoa de Varzim – nº 16, Mar. -nº 17, Dez.;
14. ZineJal – Almada -nº 0, Março;
15. Tertúlia Bdzine – Lisboa – nº 13, Abr. – nº 14, Maio – nº 15, Jul. – nº 16, Set.;
16. Velvet Voyage – Lisboa – nº 2, Primavera – nº 3, Outono/Inverno;
17. BD retalhos de imprensa – Barreiro – nº 2, Abr.;
18. Bizarro – V. F. de Xira – nº 4 (nº 3), Abr. – nº 12 (nº 4);
19. Bactéria – Oeiras – nº 0,Maio – nº 1, Out. – nº 2, Dez.;
20. The Badsummerboys Band – Sim Não – s/nº, Maio;
21. Sub – Lisboa – nº4, Maio;
22. Bark! – Santa Cruz/Tomar – nº 1,Maio;
23. Autobiografias Ilustradas – Lisboa – nº 1,Jun.;
24. São Francisco da S.I.S. – Almada – s/nº, Jun. – s/nº, Nov.;
25. El Chupa Cabras – Cascais – nº 1, Jun.;
26. In Prensa – Alverca – nº 3, Jun.;
27. Sunday Comics – Póvoa de Varzim – nº 1, Jun. – nº 2, Set. – nº 3, Dez.;
28. Pax-Fanzine 3000 – Beja – nº 1, Jun. – nº 2 (edição provisória) Out.;
29. Terminal – Faro – nº 0, Verão 98 – nº 1, Outono 98;
30. Cru – Póvoa de Varzim – nº 11, Jul.;
31. Macaco Tozé – Porto – nº 1, Jul. – nº 2, Nov.;
32. Bode – Vila do Conde – nº 0, Ag.;
33. A Ave Rara para coleccionadores – Amadora – nº 0, Ag.- nº 1, Nov.;
34. Inácio é Amigo – Cascais – nº 1, Set.;
35. Shock – Lisboa – nº 21, Set. – nº 22, Dez.;
36. FANtastic – Odivelas – nº 1, Set.;
37. Revista Morte – Lisboa – nº 8, Out . – Especial Natal III,Dez.;
38. Preciosidades da BD – Lisboa – nº 1, Out.;
39. Lado B – Porto – s/nº, Out.;
40. Filhos do Holocausto – Porto – s/nº, Out.;
41. 9ª Arte – Beja – nºX, Nov.;
42. X-PE com batatas – Beja – nº 1, Nov.- X-PE com feijão – nº 2, Nov.;
43. Sub-Marino – Beja – nº 4, Ag.;
44. Vermental – Oeiras – nº 5, Nov.

Fanálbuns
  1. As Insustentáveis Incompatibilidades dos Seres – Autor: Álvaro – Editor: Álvaro – Fev. – Carcavelos;
  2. Moira – A Escrava de Roma – Autor: Alberto Salinas – Editor anónimo – Edição sem data indicada (provável: Jun.) – Local não indicado (provável: Póvoa de Varzim);
  3. Anita e Filipim – As diabruras todas – Autor: Fernando Bento – Edições EMECÊ – Out. – Póvoa de Varzim.
Distribuição geográfica dos fanzines

Foram portanto editados 44 títulos (representando um total de 75 números) com a seguinte distribuição:

  • Lisboa (10 títulos);
  • Póvoa de Varzim (5),
  • Beja (4),
  • Cascais (3),
  • Oeiras (3),
  • Porto (3),
  • Almada (2),
  • Alverca (2),
  • Amadora (1),
  • Barreiro (1),
  • Cova da Piedade (1),
  • Entroncamento (1),
  • Faro (1),
  • Monte de Caparica (1),
  • Odivelas (1),
  • S. Miguel do Rio Torto (1),
  • Santa Cruz/Tomar (1),
  • Trofa (1),
  • Vila do Conde (1),
  • Vila Franca de Xira (1).

Os três fanálbuns dividem-se por Póvoa de Varzim (2) e Carcavelos (1).

É muito provável que as listas estejam incompletas. Talvez este ano, com a ajuda dos leitores de Selecções BD, não fique nenhum título em falta. O autor do presente estudo, a fim de lhe colmatar possíveis lapsos e lacunas, desde já agradece opiniões e elementos concretos, bem como o envio de fanzines não mencionados.

Republicação de um artigo publicado no site BDesenhada.com em 2006, o qual tinha sido previamente publicado em abril de 1999 na revista Selecções BD nº 6 (2ª série). Geraldes Lino optou pela republicação no site supramencionado por acreditar que muitas das questões levantadas se encontravam atuais e por o conteúdo do artigo, apesar de ter sido galardoado com o Prémio Imprensa no 10.º Festival Internacional de Banda Desenhada da Amadora, ter vindo a ser esquecido. Optou-se por manter os dados referentes a 1998 pelo seu valor histórico.

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