As adaptações de BD ao grande e pequeno ecrã que vimos em abril de 2019.
As transposições de bandas desenhadas para o cinema, televisão e plataformas de streaming tornaram-se frequentes. Como acontece com todos os restantes filmes e séries, sejam obras originais ou adaptações provindas de outras áreas (teatro, literatura, videojogos, etc), poucos serão aquelas que atingem um estatuto de obra-prima ou que simplesmente ultrapassam a fasquia do mero entretenimento. Em abril, continuamos a apresentar as obras que visualizámos, bem como a nossa opinião sobre as mesmas.
Vírus Tropical
Realização: Santiago Caicedo
Ano: 2017
Baseado em: banda desenhada Virus Tropical de Powerpaola
Elenco: María Cecilia Sánchez, Martina Toro, Alejandra Borrero, Diego León Hoyos, Camila Valenzuela, Javiera Valenzuela, Zoeraida Duque
A banda desenhada Vírus Tropical, o primeiro romance gráfico de Powerpaola, foi editada originalmente em 2011 na Argentina, vindo a ser publicada em diversos países da América do Sul, Europa e EUA, com boas críticas. A adaptação ao cinema em 2017 tem feito parte de inúmeras seleções de festivais e obtido reconhecimento internacional, com destaque para os prémios SXSW – Global – Audience Award winner e BAFICI – Audience Award Best Foreign Picture. Com realização do colombiano Santiago Ceicedo e a adaptação do guião por Enrique Lozano, a obra conta com a própria direção artística de Power Paola. O título do filme e da banda desenhada homónima em que se baseia prende-se com o facto de, durante a gravidez da sua mãe, um médico ter insistido que não estava grávida mas sim que era vítima de um vírus tropical. Vírus Tropical centra-se na infância e juventude da autora. Nascida em 1977 em Quito, no Equador, com o nome Paola Andrea Gaviria Silguero, é uma das três filhas de uma família conservadora dominada pelo catolicismo do pai e a personalidade forte da mãe. Aos 13 anos, Paola muda-se com a família para Cali, na Colômbia, terminando o filme na altura da vida em que deixa de viver com os seus familiares. A obra aborda temas como a família, a religião, o feminismo, o choque cultural, a sexualidade, a identidade e o amadurecimento (Bildungsroman ou Künstlerroman). Trata-se de uma animação que transpõe a banda desenhada para o grande ecrã com grande fidelidade.
Valerian e a Cidade dos Mil Planetas
Realização: Luc Besson
Ano: 2017
Baseado em: série de banda desenhada Valérian et Laureline de Pierre Christin e Jean-Claude Mézières, publicada pela Dargaud
Elenco: Dane DeHaan, Cara Delevingne, Clive Owen, Rihanna, Ethan Hawke, Herbie Hancock, Kris Wu, Sam Spruell, Alain Chabat, Rutger Hauer, Peter Hudson, Xavier Giannoli, Louis Leterrier, Eric Rochant, Benoît Jacquot
Valerian e a Cidade dos Mil Planetas não teve certamente o resultado esperado pelo seu realizador, Luc Besson. A receita ficou aquém e a crítica especializada louvou um um outro aspeto mas também teceu bastantes comentários negativos. Nesse sentido, quem atualmente se arriscar a ver o filme não terá as mais altas expetativas, o que é frequentemente um ponto favorável à apreciação do mesmo. O desempenho dos atores, em particular dos protagonistas, é provavelmente o calcanhar de Aquiles desta longa-metragem. Num filme repleto de efeitos especiais de inegável qualidade, protagonizado por um casal de seres humanos em constante flirt, é necessário que haja química, que haja carisma e que os atores que interpretam Valérian e Laureline não se deixem ofuscar pelos cenários extraterrestres. Mas isso não acontece… Dito isto, o guião não fica atrás da maioria das atuais propostas mainstream de ficção científica no cinema e tem algumas cenas alienígenas deslumbrantes. Mais importante, é o facto de acreditarmos que os espetadores do filme que nunca tenham lido a série, poderão se sentir motivados a ir conhecê-la. Se estes apreciadores do filme conseguirão ou não imergir numa série de BD cujos primeiros álbuns são das décadas de 60 e 70, será outra questão…
Anacleto – Agente Secreto
Realização: Javier Ruiz Caldera
Ano: 2015
Baseado em: banda desenhada Anacleto, Agente Secreto de Manuel Vásquez Gallego, publicada pela Editorial Bruguera
Elenco: Imanol Arias, Quim Gutiérrez, Berto Romero, Alexandra Jiménez, Carlos Areces, Emilio Gutiérrez Caba
Em 1964, dois anos após a estreia do filme Agente Secreto 007 (Dr. No, no original), um ano após 007 – Ordem para Matar (From Russia with Love) e no mesmo ano da estreia de 007 Contra Goldfinger, iniciou-se na Europa um movimento cinematográfico conhecido como eurospy (ou spaghetti spy film, para os filmes italianos), onde se imitavam ou parodiavam os filmes da série James Bond. Foi também em 1964 que Manuel Vásquez criou o seu Anacleto, Agente Secreto, um espião inapto com muito azar, protagonista da BD homónima humorística publicada pela Editorial Bruguera. A adaptação ao grande ecrã torna Anacleto mais eficiente no seu papel de espião à moda antiga, dando mais destaque ao seu componente de ação, sem, no entanto, descurar o humor. A narrativa funciona como um canto de cisne para a popular personagem, dando-lhe não só uma última aventura como um filho para manter a sua lenda viva. Despretensiosa, esta longa-metragem cumpre aquilo a que se propõe, apesar de provavelmente ser polémico o destino dado ao Chefe entre os fãs da banda desenhada ou o tom do seu registo não ser propriamente o do humor omnipresente na BD. Apesar de não acrescentar nada de novo ao género onde se inclui, consegue afastar-se da mediocridade que impera no eurospy.
Patoaventuras (reboot de 2017) – Temporada 1
Criação: Matt Youngberg, Francisco Angones
Ano: 2017-2018
Baseado em: personagem de banda desenhada Scrooge McDuck (Tio Patinhas) criado por Carl Barks para a Disney
Elenco: David Tennant, Danny Pudi, Ben Schwartz, Bobby Moynihan, Kate Micucci, Beck Bennett, Toks Olagundoye, Tony Anselmo
Após termos visto o filme no mês passado, que na realidade correspondia aos primeiros 2 episódios da série, como referimos, decidimos visualizar a restante série. O título português pode causar o equívoco de que todos os episódios serão aventuras do Tio Patinhas e os seus sobrinhos nos locais mais inóspitos à procura de tesouros e noutras demandas. No entanto, a verdade é que Tales não é sinónimo de aventuras, como demonstram bastantes dos episódios da série. Ao longo da série, para os fãs de Carl Barks, há piscares de olho quer a algumas das suas bandas desenhadas quer às suas pinturas (por vezes, transformadas em quadros na mansão do Tio Patinhas). Sendo um reboot da primeira série homónima, há também o cuidado de muitas das liberdades criativas daquela serem mantidas ou atualizadas, enquanto se introduzem outras. Uma das liberdades da série é nem sempre a personalidade dos personagens ser aquela – ou uma daquelas, dependendo dos autores das BD – a que os leitores estarão habituados. E a tradução da série, como é apanágio, nem sempre coincide com a da BD, quanto a localizações, objetos e outros elementos. Quanto à nova caracterização gráfica dos personagens e da série per se, que se distanciou da primeira série e do trabalho de Barks, em nada prejudica a apreciação da mesma. Disto isto, temos episódios que vão do bocejante ao mediano (mas, infelizmente, nunca estimulante), consoante a temática de cada um. Existem duas linhas narrativas que acompanham toda a série. Uma delas é o mistério do que aconteceu à mãe de Huguinho, Zezinho e Luisinho, sendo, inclusivamente bizarro, a descoberta evocar, apesar de parcialmente, a solução encontrada por uma BD holandesa produzida para o octagésimo aniversário de Donald em 2014. A outra linha narrativa é a origem de Lena e a sua relação com a Maga Patalójika, a conhecida inimiga do Tio Patinhas que se quer libertar do local onde se encontra aprisionada. Dirigida aos mais novos, temos dúvidas se os leitores de Barks e/ou fãs da antiga série, entretanto crescidos, conseguirão degustar a mesma.
Fundador e administrador do site, com formação em banda desenhada. Consultor editorial freelance e autor de livros e artigos em diferentes publicações.