Renda Barata e outros cartoons de Stuart Carvalhais n’A Batalha

Renda Barata e outros cartoons de Stuart Carvalhais n’A Batalha

A recuperação dos cartoons de Stuart Carvalhais n’ A Batalha.

A série Mercantologia da Chili Com Carne chega ao seu 14.º volume, prosseguindo a sua missão em recuperar o material perdido no mundo dos fanzines e afins. Desta vez, no entanto, dedica-se pela primeira vez aos cartoons e à efemeridade da imprensa. Presumindo-se que a génese desta obra esteja diretamente ligada à colaboração de Marcos Farrajota com o periódico A Batalha, esta obra foi editada pelo próprio e António Baião (do Centro de Ética, Política e Sociedade, da Universidade do Minho), a propósito do centenário do jornal supramencionado.

Os editores coligem em Renda Barata e outros cartoons de Stuart Carvalhais n’A Batalha, a totalidade dos cartoons que identificaram como da autoria de Stuart Carvalhais publicados no jornal e no seu Suplemento Literário e Ilustrado, os quais datam de 1923 a 1925. Dada a temática do volume, não foram incluídas as ilustrações e capas do autor naqueles periódicos e na revista Revolução, bem como todos os cartoons sem assinatura e dos quais não se consegue apurar a autoria.

Para a maioria dos cartoons, é apresentada uma pequena contextualização histórica para permitir a apreciação em pleno de cada cartoon. Deste modo, há uma tentativa de contrariar a efemeridade do cartoon enquanto crítica social, quando a distância temporal não permite ao leitor a identificação das referências, ainda mais dificultada pela ausência dos artigos que os cartoons frequentemente acompanhavam. Esta contextualização revela-se de maior importância do que simplesmente colmatar a inexistência anterior de uma antologia que reunisse esses trabalhos.

Registe-se que os editores tiveram o cuidado de indicar a reciclagem dos cartoons, onde as mesmas ilustrações surgem com diferentes legendas e eventualmente a propósito de outras temáticas. Desconhece-se se a reciclagem teve génese no autor ou no editor original e, se ocorresse por decisão do editor, se o autor tinha conhecimento prévio de tal.

Independentemente da atualidade da obra, colocada em causa pelos próprios editores, a obra recupera uma das facetas artísticas de Stuart Carvalhais do final do primeiro quinquénio e início do último quinquénio dos anos 20 do século passado, um dos pioneiros da banda desenhada portuguesa (iniciou os seus trabalhos em BD em 1907), sendo da sua autoria a série de BD portuguesa mais longa, Quim e Manecas (1915-1953).

Clique nas imagens divulgadas pela editora para as visualizar em toda a sua extensão:

Eis a sinopse da editora:

Editado por António Baião e Marcos Farrajota, design de Joana Pires e co-editado com o jornal de expressão anarquista A Batalha – no âmbito do seu centenário. O presente volume colige a totalidade dos cartoons de Stuart Carvalhais identificados pelos editores n’A Batalha e no seu Suplemento Ilustrado, entre 1923 e 1925.

Quando o nome de Stuart Carvalhais (1887-1961) é referido pela segunda vez no diário A Batalha, a 22 de Fevereiro de 1921, dificilmente se poderia augurar um futuro radiante para o cartoonista nas publicações periódicas ligadas à Confederação Geral do Trabalho. Nessa data, o jornalista Mário Domingues escrevia as seguintes linhas: “O sr. Stuart de Carvalhais, colega de Jorge Barradas, sujeito como este a ser amanhã vilmente caluniado por aqueles que ora o afagam, não se envergonhou de aceitar apressadamente o cargo de director do ABC a rir, sabendo como foi injustamente tratado o que o antecedeu. O sr. Stuart Carvalhais julga os seus actos como entende, bem sei; procede a seu bel-prazer. É possível que considere correcta a sua acção. Eu, porém, classifico-a simplesmente de traição”. (…) Apenas dois dias depois, Domingues retratar-se-ia deste duro julgamento. Alegadamente, o Barradinhas teria mesmo merecido ser despedido, mas isso não impediu o jornalista de sublinhar que “no lugar do sr. Stuart, não [aceitaria] esse lugar, não porque isso acarretasse para [si] rebaixamento moral, mas porque esse acto poderia fazer crer ao público, desconhecedor dos bastidores da questão, que não tinha sido leal a sua forma de proceder”. 
Por esta altura, o percurso de Stuart estava ainda afastado do periodismo libertário (…) tinha já colaborado proficuamente no Século Cómico, O Zé, Gil Blas, A Lanterna ou na Ilustração Portuguesa. Em 1914, contribui para o monárquico O Papagaio Real, sob a direcção artística de Almada Negreiros. No ano seguinte, regressa ao Século Cómico, onde inicia a série «Aventuras do Quim e Manecas», e em 1920 junta-se a Barradas em O Riso da Vitória. Depois de se tornar director do ABC a rir, colaborará no ABC e no ABCzinho. Até que se chega a 1923, mais precisamente a 30 de Novembro, e logo na primeira página do n.º 1539 de A Batalha pode ler-se: “Inicia hoje a sua colaboração em A Batalha o conhecido caricaturista e nosso prezado amigo Stuart Carvalhais, cujo lápis exímio e irreverente irá dar aos nossos leitores monumentos de incomparável prazer. Stuart Carvalhais, cujo mérito está acima dos nossos elogios, principia a sua colaboração no nosso jornal com uma série de desenhos, plenos de graça, de comentário ao caso da falsificação dos bilhetes de Tesouro, que tanto tem dado que falar”. 
Os diferendos entre Stuart e a redacção do jornal estariam, agora, plenamente sanados, iniciando-se uma colaboração de três anos com a Secção Editorial de A Batalha. Durante este período, não houve periódicos que tenham recebido mais contributos de Stuart do que o diário, o Suplemento Literário e Ilustrado de A Batalha e a Renovação. Significa isto que Stuart se teria convertido à Ideia anarquista? Ou que teria passado por uma fase monárquica, por ter colaborado em O Papagaio Real e na Ideia Nacional, de Homem Cristo Filho? Provavelmente o mais sensato será rejeitar qualquer uma destas conclusões apressadas. Talvez Osvaldo de Sousa não esteja muito longe da verdade quando afirma que “Stuart era um céptico na política, um anarquista na destruição ideológica e um político-desenhador na expressão do sofrimento, miséria e vida do povo”. 
(…) Ao viver de avenças, de uma produção de uma “média de 15 desenhos por semana”, certamente que não se pode afirmar que Stuart foi, pelo menos nesta década de 1920, “um homem livre” (…) Stuart foi um fura-vidas, que provavelmente viu nas publicações de A Batalha uma forma de se sustentar a si e à sua família e também um conjunto de jornais e revistas que seriam a casa natural para receber o seu golpe de vista impressionista sobre a desigualdade, a exploração infantil, o desemprego, a fome, a crise da habitação, a mendicidade, a prostituição e a questão feminina. 
(…) Apesar de a colaboração de Stuart se iniciar no diário A Batalha, no qual publicou 23 cartoons até à edição de 25 de Dezembro de 1925, é no Suplemento Literário e Ilustrado de A Batalha, fundado em Dezembro de 1923, que se podem encontrar mais trabalhos gráficos da sua autoria. Ao todo são 66, entre cartoons e ilustrações. 
(…) Stuart não mais regressaria aos periódicos de A Batalha, que passavam por uma situação interna complexa: além da instauração da ditadura militar (…), a direcção da secção editorial estava sob fogo do jornal O Anarquista, que acusava os colaboradores do Suplemento, do diário e da Renovação de serem jornalistas profissionais, sem ligação ao meio operário. (…) Não será displicente considerar-se que esta também foi uma das razões para que Stuart não mais emprestasse a sua caneta a A Batalha e que aqui terminasse a sua aventura libertária: à sua espera estava agora a redacção do Sempre Fixe, que o acolheu até à sua morte em 1961. 
 As várias monografias acerca da vida e obra de Stuart (…), pecam todas pela quase total omissão da sua passagem pelos periódicos libertários. Se estas falhas são voluntárias ou mero desleixo pouco interessa aqui, mas certo é que as breves e raras menções a esse período se resumem a um punhado de reproduções gráficas, a considerações genéricas sobre o seu “anarquismo de rua”(?), tudo enquanto se aflora en passant que o autor também fez uns bonecos para as publicações libertárias. 
(…) Sirva então este modesto livro para dar melhor conta, a um tempo, da riqueza múltipla do trabalho de Stuart, sem no entanto cair numa ardilosa hagiografia do seu papel autoral, nem reivindicar uma actualidade que cabe apenas a cada leitor avaliar. E, por outro lado, para mostrar como Stuart foi, entre muitos, um importante contribuidor para a feitura da obra colectiva e centenária de A Batalha

– António Baião no prefácio do livro

Stuart Carvalhais

Vila Real, 7 de março de 1887 — Lisboa, 2 de março de 1961

José Herculano Stuart Torrie de Almeida Carvalhais foi um artista português multifacetado. Fez carreira sobretudo como pintor, desenhador, ilustrador, caricaturista, autor de banda desenhada e artista gráfico, mas dedicou-se também à fotografia, decoração, cenografia e mesmo ao cinema.

Renda Barata e outros cartoons de Stuart Carvalhais n’A Batalha
Stuart Carvalhais
Editora: Chili Com Carne / A Batalha
Páginas: 192, a preto e branco
Encadernação: capa mole
Dimensões: A6
Tiragem: 500 exemplares
PVP: 10,00€

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