Quem é Bruno Brazil?
No dia 4 de fevereiro, é distribuído nas livrarias o primeiro tomo da série As Novas Aventuras de Bruno Brazil, 3 meses e meio após ter sido lançado no mercado francófono. Desta feita, com argumento de Laurent-Frédéric Bollée e desenhos de Philippe Aymond, foi uma das grandes surpresas da rentrée da BD franco-belga, dado o último número da sua série original ter sido publicado há 43 anos.
Anos 60
É o mote perfeito para se abordar a criação de Bruno Brazil e a sua série original. Na verdade, quando a série Bruno Brazil, com um herói maduro e de cabelos brancos, é publicada pela primeira vez em janeiro de 1967 no Le Journal de Tintin, é completamente distinta das restantes séries daquela publicação belga. Se no início da década de 60, era quase obrigatória a presença de certos estereótipos nas revistas franco-belgas de BD – do jornalista ao detetive, do cowboy ao aventureiro, do gag familiar à história edificante ou moralista -, a Pilote com René Goscinny e a Spirou com Jijé e Morris tinham mudado um pouco esta fórmula e aproximado-se mais do gosto norte-americano. Por outro lado, a quota de leitores adultos destas revistas estava a aumentar e tal começava a pesar nas políticas editoriais.
Paralelamente, literatura e cinema exploravam o género da espionagem, numa altura em que também começavam a estar mais abertos à violência e sexualidade. Os heróis tinham-se tornado elegantes, viris, despreocupados, com um toque de humor e uma dose de machismo assumido. James Bond, o personagem de Ian Flemming, tinha-se popularizado mundialmente com a transposição para o grande ecrã, tornando-se o modelo de inúmeros personagens nos mais diferentes meios. Os segredos da Guerra Fria e das organizações CIA e KGB inspiravam a imaginação dos autores e atraíam o público.
É neste ambiente que é criada a série Bruno Brazil em 1966. Apesar da sua inovação a nível de argumento e desenho, o título da mesma traz ainda a herança histórica da aliteração do nome do protagonista. De roupas impecáveis e a agir de forma solitária, cedo se cerca de uma equipa, o “Commando Caïman” (Brigada Caimão), a lembrar o cinema e literatura que exploram a temática de grupos heterogéneos de mercenários. A introdução desta equipa, que inclui desde elementos bem treinados mas pouco recomendáveis ao jovem irmão de Bruno Brazil, acabado de sair de uma escola militar, marcam a nova estrutura que acompanhará a série até ao seu final, cujo ritmo próprio é ganho a partir da terceira história longa.
A série
Greg, o argumentista de Bruno Brazil e o chefe de redação do Le Journal de Tintin, utilizou o pseudónimo Louis Albert, os seus verdadeiros segundo e terceiro nomes, para reduzir a omnipresença do seu nome artístico na publicação. Para a ilustrar, escolheu William Vance. Greg tinha criado a série sob a forma de BD curtas de 5 a 7 pranchas cada, mas o entusiasmo dos leitores – naquele formato, foi a 7.ª série mais popular do hebdomadário na sondagem realizada em 1967 – origina que se dedique a escrever uma história de 44 páginas.
Deste modo, após as BD curtas, entre 12 de março e 30 de julho de 1968, é publicada Le Requin qui mourut deux fois (O Tubarão que Morreu Duas Vezes), editada em álbum pela Lombard no ano seguinte. A BD é aclamada pelos leitores, que apreciam a técnica narrativa e o design gráfico, dando a esta história uma aparência de um filme de Hollywood, bem como o desenho de Vance, ao qual os críticos louvam a eficácia realista e a elegância.
Segue-se em 1969 Commando Caïman (Brigada Caimão), onde, como se referiu, é introduzido o heterogéneo grupo de personagens homónimo (constituído por Gaucho Morales, Whip Rafale, Texas Bronco, “Big Boy” Lafayette e Billy Brazil), conhecendo a BD o formato álbum em 1970.
Em Les Yeux Sans Visage (Os Olhos sem Rosto), publicada no Journal de Tintin entre 1969 e 1970 e em álbum em 1971, a série afasta-se pela primeira vez do género de espionagem que a caracterizou nas BD precedentes. Ao invés de terem uma nova missão, Bruno Brazil e a sua equipa são alvo de manipulações com o objetivo de se matarem uns aos outros. Produzida após os eventos de maio de 1968, não será de estranhar que os autores procurem mostrar uma violência mais realista, conferindo-se maior liberdade aos criadores na demanda da autenticidade. Numa BD repleta de ação, Vance demonstra vontade em explorar novos caminhos na época, como, por exemplo, permitindo que os personagens ultrapassem os limites da vinheta.
Por esta altura, a presença da série no hebdomadário belga já é encarada pelos leitores como uma das habituées. Quanto ao álbuns, a editora garante que se sucedam com uma cadência anual. La Cité Pétrifiée (A Cidade Petrificada) chega às livrarias em 1972.
A 5.ª BD longa da série intitula-se La Nuit des Chacals (A Noite dos Chacais). Publicada no Journal de Tintin entre 1971 e 1972 (e em álbum em 1973), será galardoada o Prémio Saint-Michel para o Melhor Argumento Realista em 1972 (curiosamente, o mesmo ano em que o português Vasco Granja é laureado com o Prémio Saint-Michel pela seu trabalho na Promoção da BD).
A 6.ª BD longa é uma continuação direta da anterior, cujo final ficou em aberto. Sarabande à Sacramento (Sarabanda em Sacramento) foi publicada no hebdomadário belga entre 1972 e 1973 (e em álbum em 1974). Este díptico está mais próximo do género policial urbano do que da espionagem, distinguindo-se das restantes narrativas da série.
Com o álbum Des Caïmans dans la Rizière (Batalha no Arrozal), Greg desenvolve ainda mais a série. Por um lado, foca-se em humanizar o personagem Bruno Brazil, casando-o com a francesa Gina Loudeac, com quem adota um jovem tailandês chamado Maï, Por outro, faz algo impensável na BD franco-belga de então. Após a sugestão de Vance – que era da opinião que a série tinha demasiados personagens – para excluir da série Texas Bronco, o personagem que considerava menos simpático, Greg opta por remover um personagem simpático. “Big Boy”Lafayette é morto no arrozal, para grande desgosto dos leitores, que não tardam em remeter cartas de descontentamento e/ou ofensivas aos autores.
Tal não impede que a série proceda com a sua periodicidade anual. A 8.ª BD longa da série, Orage aux Aleoutiennes (Tempestade na Aleútes), após a habitual publicação no Journal de Tintin, chega às livrarias em formato álbum em 1976. Esta BD marca a introdução de um novo personagem, Tony Nomade, que vem ocupar o lugar deixado por “Big Boy” Lafayette.
Se na BD anterior, que explorou também a tensão causada por um novo elemento no grupo, parecia ter-se dado um passo atrás quanto ao número de personagens na série, em Quitte ou Double pour Alak G (Tudo ou nada: Alak 6), Greg persegue novamente esse impulso, com um argumento para o qual os leitores não estavam preparados – não só é morto o irmão de Bruno Brazil, Billy, como há duas outras baixas na equipa – a morte de Texas Bronco e um Tony Nomade em estado grave. É um verdadeiro escândalo. O público leitor, enfurece-se e mobiliza-se, ameaçando cancelar a assinatura do hebdomadário, algo inédito. Esta é a última história longa da série, publicada em álbum em 1977.
No Journal de Tintin é ainda publicada a BD curta Dossier Bruno Brazil em 1977. Em conjunto com as 5 BD curtas de 1967, dá título ao 10.º álbum da série, publicado, tal como o anterior, em 1977.
No entanto, o final da série não está diretamente relacionado com as reacções dos leitores à 9.ª BD longa da série. Desde 1974 que Greg tinha deixado o Journal de Tintin e se tornado o diretor literário na Dargaud, em França; em 1978, é promovido para ser o responsável da filial da editora nos EUA, mudando-se para Nova Iorque para promover a BD europeia. Com outros afazeres e interesses, a série Bruno Brazil, tal como outras, é gradualmente abandonada por Greg. Quando Vance pára de receber o argumento do que seria a 10.ª BD longa da série, La Chaîne Rouge, desiste de o continuar a desenhar após as primeiras seis pranchas, para se dedicar a Bob Morane, e, posteriormente, a XIII. Esta 10.ª BD longa inacabada seria a responsável pelo grande regresso de Bruno Brazil, Gaucho Morales e uma nova heroína, de seu nome Cheree Lamour.
A série de álbuns teve ainda direito a um derradeiro número, intitulado La Fin…!??, onde se incluem as 3 BD curtas publicadas na Super Tintin em 1979, 1982 e 1983, bem como as primeiras pranchas da jamais finalizada La Chaîne Rouge.
Em Portugal
A quase totalidade de bandas desenhadas de Bruno Brazil foi publicada em Portugal em formato revista, existindo ainda 3 bandas desenhadas longas publicadas em álbum.
A publicação em revista foi quase exclusivamente realizada na Tintin. Foi nesta publicação que, em 23 de novembro de 1968, no n.º 26 do 1.º ano, se estreou a série Bruno Brazil em Portugal. Foi uma estreia discreta, sem capa dedicada nem nenhuma chamada de atenção para a mesma. A publicação da série iniciou-se de forma cronológica, com a primeira BD curta da série, Objectivo: uma flor (Une fleur pour cible…).
No entanto, no número seguinte de Tintin não prosseguiram as restantes BD curtas de 1967. Pelo contrário, novamente sem menção na capa, é iniciada a primeira BD longa da série, O Tubarão que Morreu Duas Vezes, publicado ao longo de 16 números do 1.º ano da revista. A capa surgiria no n.º 28, com a segunda parte da BD.
É no 2.º ano da revista Tintin que são publicadas 3 das restantes 4 BD curtas que antecedem O Tubarão que Morreu Duas Vezes. Em 1969, Os Globos da Morte (Piège sous globe!) é dividida pelo números 8 e 9 (este último, com direito a capa dedicada), A Rede Diamante (Réseau Diamant) é dividida pelos números 16 e 17 e O escudo de vidro (Le bouclier de verre) é publicada no n.º 18.
Em 1970, é iniciada a publicação da 2.ª BD longa Brigada Caimão, n.º 50 do 2.º ano da revista supracitada, a qual se estende até ao n.º 19 do 3.º ano. A capa dedicada surgiria no n.º 51 do 2.º ano.
Segue-se Os Olhos sem Rosto, nos números 30 a 51 do 4.º ano de Tintin. Iniciada no final de 1971, a publicação desta BD terminará em 1972. É também em 1972 que tem direito não a um mas a duas capas dedicadas, nos n.º 34 e 46.
O 5.º ano da revista apresenta somente a BD curta A Vida das Bonecas É Dura (Les Poupées Ont la Vie Dure), no n.º 18, sem direito a capa. Trata-se da última BD curta de 1967, que antecedeu imediatamente a 1.ª BD longa da série, O Tubarão que Morreu Duas Vezes. Deste modo, em 1972, apesar de não ter sido realizada cronologicamente, estava publicada integralmente no nosso país a série Bruno Brazil prévia à BD A Cidade Petrificada.
Esta surgiria em 1973, ainda no 5.º ano da revista (n.º 34), prolongando-se até ao n.º 3 do 6.º ano, sem capa dedicada.
Seria também no 6.º ano de Tintin, entre dezembro de 1973 e abril de 1974, que seria publicado A Noite dos Chacais, entre os números 32 a 47. A capa estaria presente no n.º 37.
A segunda parte deste díptico, Sarabanda em Sacramento, chegaria cerca de um ano mais tarde, em maio de 1975, com o n.º 50 do 7.º ano de Tintin, tendo-se prolongado até ao n.º 18 do 8.º ano (novembro de 1975). Quanto à capa dedicada, está presente no n.º 2 do 8.º ano da revista.
A 7.ª BD longa da série, Batalha no Arrozal, com a morte de “Big Boy” Lafayette não é publicada então na revista Tintin. Ainda em 1975, é editada em álbum pela Bertrand, tornando-se o primeiro dos 3 álbuns da série editados até ao momento em Portugal.
O segundo álbum em capa dura é a publicação da 5.ª BD longa A Noite dos Chacais, no ano seguinte, dois anos após a sua publicação ter sido concluída na Tintin.
Quanto à BD, Tempestade na Aleútes, a 8.ª BD longa da série, é novamente publicada em Tintin, entre os números 31 a 45 do 9.º ano da revista (1976-1977).
O 3.º e último álbum da Bertrand é editado em 1977, contendo a 6.ª BD longa da série, Sarabanda em Sacramento. Deste modo, apesar de não se ter respeitado a cronologia da série na publicação dos álbuns, neste formato foram editados em Portugal as 5.ª a 7.ª BD longas de Bruno Brazil.
A última BD longa de Bruno Brazil, Tudo ou nada: Alak 6, é publicada no 10.º ano da revista Tintin, nos números 31 (dezembro de 1977) a 42 (março de 1978), com direito a capas no n.º 36 e 39.
Quanto à última BD curta originalmente publicada no hebdomadário belga Journal de Tintin, Dossier Bruno Brazil, é publicada na revista portuguesa Tintin no n.º18 do 11.º ano (em 16 de setembro de 1978), sem direito a capa.
Não se trata, no entanto, da última publicação de Bruno Brazil na revista Tintin. Em 1981, entre os números 17 (com direito a capa dedicada, bem como posteriormente nos números 23 e 28) e 31 do 14.º ano da revista, Batalha no Arrozal é finalmente publicada na revista, 6 anos após a edição em álbum.
Não temos conhecimento que se tenham editado em Portugal as posteriores BD curtas À un poil près… (14 páginas, Super Tintin #7, 1979) e Ne tuez pas les immortels (8 páginas, Super Tintin #19, 1982).
No entanto, a última BD curta da série, Falsas Manobras e Verdadeiras Trapalhadas (Fausses manœuvres et vraies embrouilles), conheceria edição portuguesa na publicação Selecções Tintin n.º 3 da Publipress Editora, em outubro de 1984.
O futuro
Se a série Bruno Brazil de Greg e Vance está encerrada, a série As Novas Aventuras de Bruno Brazil de Bollée e Aymond iniciou-se em 2019, tendo os leitores portugueses a hipótese de ler o primeiro volume editado pela Gradiva a partir de 4 de fevereiro. O impacto que a nova série terá nos leitores só o futuro dirá.
Fundador e administrador do site, com formação em banda desenhada. Consultor editorial freelance e autor de livros e artigos em diferentes publicações.
Espetacular seria a parceria Público/Asa editar toda a primeira série de Bruno Brazil…
Visto que agora vamos poder desfrutar da segunda série através desta grande aposta da Gradiva.
Concordo plenamente. Há público para isso.
A péssima tradução , tentando uma pretensa modernidade linguistica, vai afastar muitos leitores