Entrevista a Renée Nault: The Handmaid’s Tale

Entrevista a Renée Nault: The Handmaid’s Tale

Quando foi lançada A História de Uma Serva – novela gráfica, a adaptação para banda desenhada do romance distópico de Margaret Atwood por Renée Nault, o livro foi elogiado pela crítica e rapidamente se transformou um bestseller, tendo direito a várias edições internacionais. O lançamento da obra em Portugal foi o mote para uma entrevista com Renée Nault.

Nuno Pereira de Sousa: Como surgiu a oportunidade para adaptar “A História de uma Serva” (The Handmaid’s Tale) para a banda desenhada? Estava familiarizada com o romance?
Renée Nault: Fui inicialmente abordada pela editora canadiana de Ms. Atwood, a McClelland and Stewart. Eu estava muito familiarizada com o romance – é um livro extremamente famoso aqui no Canadá, sendo inclusivamente estudado a nível nacional no ensino secundário.

NPS: Neste romance, quais são os tópicos que mais lhe interessam?
RN: Eu estive sempre interessada na ficção distópica. Mostra-nos uma das piores versões do futuro e faz-nos pensar naquilo que podemos fazer para a evitar. “A História de uma Serva” tem para mim um significado especial porque se foca nas mulheres. Alguns aspectos da narrativa provaram ser assustadoramente preditivos.

NPS: Quais foram as maiores dificuldades que enfrentou na adaptação da obra à banda desenhada?
RN: A parte mais difícil foi condensar um romance longo num formato muito mais curto. Foi muito difícil decidir o que cortar. A prosa da Margaret é tão bonita e há tantos momentos interessantes na história… Demorei bastante tempo até ter um argumento com o qual estivesse feliz e que, simultaneamente, fosse curto o suficiente!

NPS: Pensa que quem estabelece paralelos entre “A História de uma Serva” e a eleição de Trump para Presidente dos Estados Unidos da América está a exagerar? Está preocupada com algumas das medidas políticas de Trump?
RN: Sim, estou muito preocupada; e penso que a comparação é acertada. Muitas das medidas políticas de Trump atacam a liberdade das mulheres, particularmente a autonomia do seu corpo e os direitos de reprodução. “A História de uma Serva” mostra esta opressão levada ao extremo.

NPS: Na sua opinião, no mundo ocidental em geral e no Canadá em particular, as autoras de banda desenhada são tratadas equitativamente e têm as mesmas oportunidades que os autores?
RN: As oportunidades para as artistas aumentaram significativamente nas últimas décadas, mas há ainda um longo caminho a percorrer. Na banda desenhada, os homens tendem a contratar e colaborar com outros homens, sendo as mulheres excluídas ou nem sequer consideradas. Em eventos da indústria de banda desenhada e outros media, como as comic cons, a maioria dos autores convidados são do género masculino, com as mulheres a ser representadas somente em painéis “mulheres na banda desenhada” ou nem sequer sendo representadas. Estou esperançada que isto esteja a mudar, mas a mudança é lenta.

NPS: Onde foi buscar a inspiração gráfica para esta banda desenhada, para além do romance de Atwood? Viu a série televisiva, o filme, a ópera ou outras adaptações?
RN: Quando iniciei a minha adaptação, a série televisiva ainda não tinha estreado – quando foi lançada, optei por não visualizá-la, pois estava preocupada que influenciasse demasiado a minha própria versão da história. Vi, de facto, a ópera, há muitos anos, quando foi apresentada em Toronto. Gostei muito! A minha inspiração visual veio de sítios muito diferentes, desde design de moda, art noveau, ukiyo-e (estampa japonesa), filmes noir e antigos posters de propaganda.

NPS: A Margaret Atwood teve um papel interventivo no seu trabalho? Qual foi a sua reação quando finalizou a banda desenhada?
RN: A Margaret foi consultada em cada uma das etapas do processo. Ela aprovou o argumento inicial que eu criei e posteriormente viu cada um dos passos do trabalho artístico para termos a certeza de que gostava. Mas não fez nenhum tipo de microgestão do projeto! Ela fez questão em deixar-me contar a história do meu modo, apenas sugerindo pequenas correções. Ela foi extremamente entusiasta e solidária, pelo que foi maravilhoso trabalhar com ela!

NPS: Que materiais utilizou para desenhar e pintar a banda desenhada? Quanto tempo demorou a terminar a obra?
RN: Todo o meu trabalho é feito tradicionalmente, pelo que usei tinta e aguarelas em papel. Trabalhar deste modo consome imenso tempo mas gosto muito do resultado final. Julgo que demorei cerca de 3 anos a terminar, mas algo que atrasou o processo foi uma lesão que tive num pulso.

NPS: Tem várias bandas desenhadas curtas publicada em antologias, sendo “A História de uma Serva” a sua primeira BD mais longa publicada. A diferença no tamanho da narrativa modificou a forma de abordagem?
RN: “A História de uma Serva” é, de longe, o trabalho mais longo que criei. Foi um desafio trabalhar durante tanto tempo no mesmo projeto. Por vezes, foi um desafio continuar a trabalhar nele dia após dia, especialmente porque não se trata de uma história feliz.

NPS: O que pode dizer aos nossos leitores sobre a sua banda desenhada “Witchling”?
RN: “Witchling” é uma banda desenhada de fantasia/terror que eu escrevo e ilustro. Visto que é escrita por mim, posso incluir todas as coisas que adoro desenhar – como gatos, monstros e roupa dos anos 20 do século passado. Faço todas as ilustrações em aguarelas. Podem ler um pouco dessa BD no meu site!

NPS: Os fãs da banda de música The Magnetic Fields vão gostar de saber que uma das suas bandas desenhadas curtas é baseada numa das canções do grupo. Como surgiu essa ideia?
RN: Houve um projeto para fazer uma antologia de banda desenhada baseado em todas as canções do álbum “69 Love Songs”, que eu adoro! Eu escolhi a canção “Zebra” porque é uma canção leve e pateta mas tem grandes momentos visuais – as pirâmides, o Louvre e, claro, zebras!

NPS: Para além da banda desenhada, também se dedica a trabalhar na ilustração. As cores vívidas estão presentes nos dois tipos de trabalho. Qual a razão desta atração?
RN: A cor causa-nos um impacto num nível muito instintivo e emocional; e tem tanto poder na influência da nossa percepção. Em “A História de uma Serva”, a cor apresenta ainda outra dimensão – toda a vida das pessoas é definida pelos papeis sociais codificados pelas suas cores.

NPS: De que modo o seu interesse em Ukiyo-e se relaciona com o seu trabalho?
RN: Eu viajei muito pela Ásia e fui muito influenciada pela arte de diferentes culturas. Em particular, adoro a arte Ukiyo-e pelas suas disposições elegantes dos padrões ornamentados e os espaços vazios.

NPS: No que toca à banda desenhada, pode dizer aos nossos leitores em que projetos é que se encontra a trabalhar?
RN: Numa data de coisas excitantes sobre as quais ainda não posso falar! Podem ver notícias dos meus projetos nas minhas páginas das redes sociais, onde também publico esboços e ilustrações.

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