Um reviver de Jesus Punk Rock.
Foi em 2018 que nos chegou a Portugal, por parte de uma colaboração entre a Levoir e o Público, a coleção Vertigo 25 anos com cinco volumes de diferentes séries e diferentes autores. Tiramos uns minutos para explorar o quarto volume desta coleção. Publicado originalmente entre setembro de 2012 e janeiro de 2013, com seis números completos, Sean Gordon Murphy apresentou-nos a obra onde se viria a afirmar como ilustrador e argumentista em nome próprio, Jesus Punk Rock.
O livro começa por introduzir-nos a uma pequena autobiografia, onde o autor nos apresenta, de uma forma descontraída e informal, parte da sua vida e de como chegou à ideia dos personagens e de toda a premissa da obra escrita.
Hora de sentar em frente da lareira e reservar as próximas duas horas, talvez, para este grande livro, pois, se ainda não conhece, assim que der início à sua leitura, só sentirá necessidade de parar diante da última vinheta.
Jesus Punk Rock é uma excelente obra-prima da nona arte e contempla-nos com tudo o que de melhor há na leitura deste género.
Sean Murphy demonstrou-nos, para além da sua técnica incrível na execução, que uma banda desenhada pode e, muito bem, ser uma obra completamente criada por um só artista/escritor. Provou-nos, através deste livro, que dá uso apenas aos tons de cinza, que não precisamos sempre de cor para apresentar uma obra genial e chamativa.
O uso de “efeitos de som” (SFX), por Murphy, parecem ser algo tão natural como caminhar. Podemos vibrar e sentir que é uma verdadeira banda desenhada sonora. “Blams”, “Wuds” e “Tunks” que nos acompanham vinheta após vinheta numa genial casualidade. Por vezes, o uso de onomatopeias como “kick” ou “catch” que, apesar de não retratarem concretamente os sons, dão um efeito extra especial, que quase inconscientemente associamos, sem dar conta de que ali está. É uma forma claríssima de que o artista sabe manipular a imagem e as palavras à sua vontade, de uma forma tão inteligente e, no entanto, tão instintiva.
Jesus Punk Rock oferece-nos um enredo cheio de ação, onde podemos explorar o desenvolvimento de dois personagens completamente diferentes, mas com um foco semelhante. De um lado acompanhamos Chris (“Jesus”), durante o seu crescimento e desenvolvimento pessoal; e do outro, Thomas, enquanto guarda-costas contratado pela produção do reality show que dá cenário ao desenrolar da história.
Entre o desenvolvimento de ambos os personagens, que se encontram interligados por um programa televisivo, fica um trágico acontecimento do passado por revelar e um conjunto de questões morais.
Oito anos após o lançamento da obra original, podemos ainda associá-la bastante à atualidade. Os enormes sucessos televisivos das mediáticas séries de reality shows foram a principal fonte de inspiração para Jesus Punk Rock. O sucesso antes do próprio humanismo, contra ética e moral – Chris é o personagem que cresce, vendo a sua vida exposta desde o dia em que nasceu, sem privacidade ou espaço para que possa tomar as suas próprias decisões. Virá então a rebelar-se contra a produção do programa televisivo que o criou.
A obra explora ainda a incapacidade da mãe de Chris (Gwen, a barriga de aluguer que fora inseminada por uma amostra de ADN do próprio Jesus Cristo) em lidar com toda a pressão e mediatismo a que é submetida diariamente com o seu filho, enfrentando uma depressão.
Um livro que nos dá uma história frenética, com constantes novos entraves e novas questões, uma ação constante e uma arte muito bem conseguida, de um traço bem cuidado e tonalidade soberbas, genialmente acompanhadas com a organização das páginas e das próprias falas.
Jesus Punk Rock foi e continua a ser, sem dúvida, um dos melhores trabalhos de um autor reconhecido pelos seus anteriores trabalhos em séries de banda desenhada DC Comics e DC Vertigo (entre elas Year One: Batman/Scarecrow, Hellblazer ou Joe the Barbarian).
A prova de que a banda desenhada continua a ser um meio bastante rico ao longo dos anos e de que o tempo serve apenas para mais o enriquecer. Uma obra de referência que se deverá continuar a contemplar nos anos que virão.
Entrevista a Sean Gordon Murphy sobre o seu início de carreira disponível aqui.
Rafael Marques tem 24 anos durante o ano de 2020. É músico em Lisboa e faz disso a sua profissão. A restante parte do seu tempo é dedicada ao sono, ao gaming e à leitura de banda desenhada, que terá descoberto como uma das suas maiores paixões entre 2018 e 2019, quando se envolveu numa relação com uma artista/ilustradora. Rafa é um apaixonado por tudo aquilo em que trabalha. Em segredo, escreve argumentos para banda desenhada, que são executados em belas pranchas pela sua companheira. Ainda sonha um dia vir a ser mordido por uma aranha radioativa…