Analisando um dos maiores clássicos do cabeça-de-teia.
Se há personagem que me apresentou à banda desenhada e à beleza, intriga e divertimento do seu meio, esse será o Homem-Aranha. Poucos me conhecem e não sabem que o Homem-Aranha terá tido sempre uma forte presença no meu gosto pessoal, possivelmente a minha maior influência dentro da cultura pop. Um dos personagens mais populares e queridos da maior editora de banda desenhada do mundo, a Marvel, o amigo da vizinhança viu a sua representação em inúmeros sucessos de vendas, entre os infindáveis números das várias séries de banda desenhada (que desde 1962, continuam a ser produzidos até aos dias de hoje), aos videojogos, adaptações ao grande e pequeno ecrã e ainda a uma enorme diversidade de merchandise.
Depois de passados alguns dos anos da minha juventude a acompanhar até aos dias de hoje a série O Incrível Homem-Aranha, decidi recordar o arco “A Última Caçada de Kraven”. Originalmente publicado em 1987, este compila seis números incluídos e repartidos nas séries Web of Spider-Man e Spectacular Spider-Man, além da acima mencionada. Foi editado pela primeira vez, em português de Portugal, pela Levoir em 2014 e integrou o terceiro volume da coleção Universo Marvel.
O título e a capa acabam por nos dar a maior revelação da obra antes ainda de a lermos. Para um leitor que não conheça os acontecimentos deste arco, o título poderá ser um pouco dececionante, ao revelar o acontecimento que o conclui, ou, ao invés, pode ser uma característica que desperta a sua curiosidade para saber o desenvolvimento que leva a tal momento.
Considerado por muitos fãs uma das melhores histórias do personagem, escrita por J. M. DeMatteis e desenhada por Mike Zeck, esta é uma saga que reflete grande parte da relação arqui-inimiga que existe entre Homem-Aranha e Kraven, juntando ainda Vermin pelo meio.
Para quem conhece os personagens em questão, certamente saberá da frustração de Kraven ao nunca ter conseguido vencer/caçar aquele que seria para si o maior troféu de caça, a criatura Homem-Aranha. É neste arco que Kraven consegue finalmente reclamar a sua vitória sobre o herói.
Como fã do aracnídeo e, sabendo o que se passa posteriormente a esta saga, não considero esta uma das minhas histórias favoritas do herói, todavia, nela podemos encontrar alguns dos pontos que considero mais marcantes na personalidade de Peter Parker e seu alter-ego. A verdadeira luta que trava por vezes consigo mesmo, a responsabilidade de se manter fiel ao seu princípio de não matar e não deixar morrer, protegendo todos os inocentes.
A premissa complica-se um pouco quando Vermin não tem forma de controlar o seu instinto canibal e Kraven toma a identidade do próprio aranhiço na luta contra o crime, ignorando esse mesmo princípio que o herói tanto preza.
Os acontecimentos passados nesta obra mudam Peter Parker para sempre. O trauma de ter estado enterrado durante duas semanas e ter voltado com um sentimento de vingança, quase o fez ignorar também o seu princípio mais importante e instintivamente defrontar Kraven numa luta fatal. Ainda assim, conseguiu vencer o seu próprio instinto e, perante a consciência da sua responsabilidade voltamos a ter tão adorado Homem-Aranha de volta ao normal. A sua morte encenada por Kraven, serviu como um teste ao herói.
O caçador desafia Vermin, vencendo-o numa luta corpo a corpo e reclamando o feito, que o próprio Homem-Aranha jamais havia conseguido, como uma prova de que era superior ao próprio. Todavia, bem sabemos que o cabeça-de-teia não ambicionava derrotar Vermin da forma que Kraven o fez, mas sim, ajudá-lo a tornar-se novamente “normal”.
O evento mais chocante da saga é, certamente, o final do número cinco. Aguardado logo desde que se põe os olhos no título do livro, o momento em que Kraven, tendo reconhecido a vitória moral do herói, lhe garante que não voltará a caçar, preparando o seu próprio funeral e suicidando-se com uma arma de fogo, é garantidamente o evento mais marcante em toda a história.
Claro que, quem segue as séries de Homem-Aranha sabe que, mais tarde, um novo argumentista viria a pegar neste, que sempre foi um dos mais icónicos vilões de Homem-Aranha, e ressuscitá-lo-ia, mas isso são histórias para outros artigos.
Saber aqui que Kraven morrera, de facto e, ainda para mais que deixara uma carta com a sua confissão, torna o final deste arco um tanto frio e chocante.
Quando acompanhamos um personagem como Kraven, ou qualquer outro vilão igualmente icónico, que sobrevive durante anos às maiores atrocidades que lhe são colocadas aos longos de números e números de banda desenhada, ninguém nos prepara para o momento em que vai finalmente morrer, ter um fim.
DeMatteis quis mesmo apanhar-nos de surpresa com este arco.
Rafael Marques tem 24 anos durante o ano de 2020. É músico em Lisboa e faz disso a sua profissão. A restante parte do seu tempo é dedicada ao sono, ao gaming e à leitura de banda desenhada, que terá descoberto como uma das suas maiores paixões entre 2018 e 2019, quando se envolveu numa relação com uma artista/ilustradora. Rafa é um apaixonado por tudo aquilo em que trabalha. Em segredo, escreve argumentos para banda desenhada, que são executados em belas pranchas pela sua companheira. Ainda sonha um dia vir a ser mordido por uma aranha radioativa…