
Apresentação ao mundo sem homens de Vaughan – Volumes 1 e 2.
A ideia de um mundo sem homens… um bocadinho desconfortável? Talvez assustadora? Talvez possa ser até uma ideia otimista ou feliz?
Pois foi essa a ideia que Brian K. Vaughan decidiu desenvolver com a série Y: O Último Homem. Sim, com este tema como base, Vaughan tinha muito por onde explorar e assim o fez. Não podíamos esperar que o término do género masculino no planeta fosse visto por todas as mulheres como algo negativo e foi também com essa consciência que o autor decidiu apresentar o universo de Y: O Último Homem.

Um Mundo Sem Homens e Ciclos foram os nomes dados em português aos volumes 1 e 2, respetivamente, da série. Originalmente editada pela Vertigo, Y: O Último Homem, foi originalmente publicada entre 2002 e 2008, tendo chegado a Portugal, numa edição Levoir, em outubro de 2017. A série contou com um total de 10 volumes, compilando os 60 números.
Entre outros prémios, esta série conferiu a Brian K. Vaughan e Pia Guerra, três Eisner.
Criada numa altura em que as histórias de temática pós-apocalíptica estavam no seu auge, com uma popularidade tremenda na cultura popular, a série não podia ter tido uma receção muito melhor do que teve. Lendo com atenção, podemos ver aqui traços influenciadores daquela que viria a surgir, no ano seguinte, como uma das BD de maior sucesso da atualidade, The Walking Dead de Robert Krikman.

Para tornar este artigo mais inclusivo, decidi focá-lo nos dois primeiros volumes, ao invés de apenas no primeiro.
No primeiro número, Vaughan introduz-nos ao acontecimento, neste caso o momento do apocalipse em si, e, a partir do segundo, seguimos viajem nesta “aventura” de Yorick e do seu macaco, Ampersand, como o único homem e o único animal de género masculino que nos são dados a conhecer. Yorick é um homem jovem, claramente imaturo, ou pelo menos em algumas situações, atribuindo uma certa ironia ao facto de ter sido o único homem a não morrer durante o incidente. Embora aparentemente inconsequente, Yorick parece ter noção da estranha responsabilidade que deve ter para com o mundo. Quando se é o último homem vivo, a sua presença entre as mulheres só pode ser especial, no bom ou no mau sentido, e, Vaughan, explorou certamente todas as possibilidades, tendo já exposto umas quantas nestes primeiros volumes.
Num mundo em que o sexo masculino foi completamente erradicado em todas as espécies sem uma razão aparente, rapidamente nos deparamos com as dificuldades com que a população feminina se debate perante esta crise.
Foi de um toque genial o foco dado à “supremacia do género feminino” como um movimento social que surge durante esta época, mas também ao exato oposto, referindo-me às mulheres que lutam por manter uma sociedade justa e equilibrada mediante a igualdade de género.
Há também aqui uma certa nota que demonstra a rápida capacidade, nalguns casos, de adaptação da população feminina a todo o tipo de setores, até onde menos teriam presença anteriormente.
Não me parece, de todo, uma balada ao sexismo, ou sequer ao feminismo, por parte de Vaughan. Pelo contrário, as personagens que nos são apresentadas ao longo dos dois volumes são o mais variadas possível. Encontramos mulheres extremistas, com uma consciência radicalista quanto ao género oposto; encontramos mulheres que se definem por valores de igualdade, moral e ética e encontramos algumas que possam parecer mais indiferentes à situação.

Inicialmente encontrei uma certa dificuldade em nutrir interesse pelas primeiras páginas que lia, mas dando o tempo e a paciência que Vaughan bem merece, a história rapidamente se tornou surpreendentemente cativante. Um dos principais pontos que aponto é o sentido de humor, muitas vezes patético, do protagonista. São, sem dúvida, detalhes no argumento que descomprimem os momentos mais caóticos e pesados deste mundo pós-apocalíptico, tornando assim a leitura mais desafogada e animada, até.
No decorrer dos primeiros dois volumes ficamos com a sensação de que vem daqui uma longa odisseia em busca de respostas e de soluções. O suspense com que nos deixa o final de cada número é sempre inquietante e os livros transmitem sempre aquela vontade de entrar na história e fazer a nossa própria justiça ou agir de algum modo perante as situações presentes.

Forte destaque para as capas por J. G. Jones. Um trabalho magnífico, composições muito interessantes, com um traço realista, ou até surrealista, de uma criatividade deveras genial.
A arte de Pia Guerra remete para obras da banda desenhada dos anos 80 e 90. Pessoalmente, não sou o maior fã do traço nesta obra, mas não haja dúvida de que Guerra sabia o que estava a fazer. Embora por vezes a arte pareça um pouco acelerada, ou pouco aperfeiçoada, confesso que cai muito bem nesta série, deixando até uma certa nostalgia da época anteriormente referida.
Ansiosamente expectante pelo que os volumes seguintes trarão de novo.

Rafael Marques tem 24 anos durante o ano de 2020. É músico em Lisboa e faz disso a sua profissão. A restante parte do seu tempo é dedicada ao sono, ao gaming e à leitura de banda desenhada, que terá descoberto como uma das suas maiores paixões entre 2018 e 2019, quando se envolveu numa relação com uma artista/ilustradora. Rafa é um apaixonado por tudo aquilo em que trabalha. Em segredo, escreve argumentos para banda desenhada, que são executados em belas pranchas pela sua companheira. Ainda sonha um dia vir a ser mordido por uma aranha radioativa…