Qual o futuro de Kick-Ass em Portugal?
Das diferentes obras da Millarworld – empresa criada por Mark Millar que controla os direitos de autor das suas séries e que foi adquirida em 2017 pela Netlfix – Kick-Ass (2008-2010), editada pela chancela Icon da Marvel e adaptada ao cinema em 2010, é, sem dúvida alguma, a obra de referência e aquela que garantiu certamente a Millar um lugar na História da Banda Desenhada.
A aquisição da empresa pelo gigante mediático do streaming, originou o previsto hype, despertando o interesse de diversas editoras estrangeiras na publicação das séries de Millarworld em diferentes países. A G. Floy já tinha adquirido os direitos de autor dos primeiros livros que editou antes da venda da Millarworld, o que lhe deu alguma vantagem nesse processo.
Isso permitiu que fosse editado finalmente em 2019 no nosso país Kick-Ass, graças à reimpressão na Polónia, uma obra importante na história da banda desenhada, apesar do atraso da publicação da mesma poder ofuscar um pouco o quanto foi revolucionária, tal foi a quantidade de sucedâneos e imitações que a indústria norte-americana produziu nos anos seguintes. E a que a própria Millarworld não escapou, na tentativa vã de produzir algo simultaneamente semelhante e diferente de Kick-Ass, como temos visto em muitas das propostas editadas pela G. Floy no nosso país.
Se Kick-Ass é a obra icónica da Millar, as suas vendas ficaram aquém do esperado, abaixo de outros títulos da Millarworld. O editor José Freitas pondera que tal esteja relacionado com o facto de ser o material “mais antigo e mais mediático, o que significa que provavelmente já estivesse mais espalhado entre os fãs“. Poder-se-ia pensar que este facto diminuísse o interesse em prosseguir com a publicação do restante material de Kick-Ass na fase da Icon da Marvel. Falamos da 2.ª e 3.ª minisséries em título próprio, bem como a minissérie denominada Hit Girl, um spin-off de Kick-Ass. Inclusivamente, o segundo longa-metragem de Kick-Ass adapta não somente a 2.ª minissérie de Kick-Ass como também a minissérie Hit-Girl.
No entanto, a principal razão para não prosseguir imediatamente com o material originalmente publicado pela Icon prende-se com a mesma razão pela qual a G. Floy tem conquistado o mercado nacional – as co-impressões polacas.
Na verdade, quando a G. Floy regressou ao nosso mercado em 2014, a sua ideia inicial era a de realizar algumas co-impressões para Portugal, de modo a tornar mais competitivas as suas publicações na Polónia – via Mucha Comics -, ao diminuir o preço unitário das mesmas, graças às maiores tiragens. José Freitas contrapropôs com um plano editorial mais ambicioso, que tem, ao longo destes 6 anos, vingado no nosso país.
No entanto, existe uma evidente fragilidade (devidamente assumida) neste mutualismo. Sendo Portugal o país com um menor volume, está quase sempre dependente de que as obras que José Freitas gostaria de editar no nosso país sejam também editadas na Polónia. Para tal, é necessário que Polónia também o deseje e que os direitos para ambos os países estejam disponíveis. Pelo contrário, com um maior mercado, a Polónia pode avançar com a edição de material que não seja publicado em Portugal.
Isto tem gerado diferentes estratégias para os diferentes produtos. Por exemplo, as negociações relativas a The Old Guard e Black Magick, de Greg Rucka, têm sido mais complicadas devido aos detentores das licenças para os dois países serem diferentes.
Ou o facto das vendas das diferentes séries de Jessica Jones em Portugal terem sido medianas, terem feito o editor português terminar a sua edição no nosso país com a fase Bendis e dedicar-se, ao invés, a outros produtos potencialmente mais viáveis, enquanto que na Polónia prosseguem a edição com a fase pós-Bendis (cf. capa polaca).
No que toca a Kick-Ass, vários leitores têm-nos questionado sobre a razão do “salto cronológico”, com o anúncio da edição da nova fase de Kick-Ass, desta feita originalmente editada pela Image, com o primeiro volume a ser distribuído este mês em Portugal.
Como referimos, a principal razão é o facto de não ser possível “imprimir os volumes restantes da fase original sem os nossos colegas polacos os reimprimirem, e isso pode demorar – ou nunca acontecer, já que já foram ambos reimpressos duas vezes“, explica o editor. Ou seja, é possível que as obras já tenham atingido o seu máximo de vendas na Polónia e não se realizem mais reimpressões.
Por outro lado, caso a reimpressão venha realmente a se efetivar na Polónia, estando já em Portugal a publicação em curso da nova fase, nessa altura “talvez não se justifique muito estar a reimprimir esse material” para Portugal.
Se as co-impressões com a Polónia permitiram ter uma edição de material – principalmente norte-americano – diversificado e volumes em capa dura a preços inferiores ao que outras editoras dirigidas ao mesmo segmento praticam, geram também este tipo de constrangimentos, os quais, tal como as vantagens, têm forçosamente de ser aceites pelos leitores.
A nível narrativo, se é verdade que os leitores – caso a edição portuguesa da restante primeira fase de Kick-Ass e Hit-Girl não se verifique – ficam privados de conhecer o desenrolar da estória, também se deve referir que a nova fase na Image é um novo capítulo, com novos personagens, que pode ser lido sem conhecimento do material anterior.
Terminamos com uma nota mais positiva para os leitores, apesar de não passar nesta fase de uma mera probabilidade. Tal como Kick-Ass, também Hit-Girl teve direito a uma nova fase na Image. Segundo José Freitas, “é provável que mais para o fim deste ano, ou início do ano que vem” seja também editado no nosso país.
Fundador e administrador do site, com formação em banda desenhada. Consultor editorial freelance e autor de livros e artigos em diferentes publicações.
Bom dia.
Creio que esta ginástica editorial é desnecessária, e até me cansou ler os meandros das co-impressões polacas. Que belo argumento para uma nova série!
Há muita coisa para editar, muita coisa melhor e mais marcante do que este Kick-Ass. E creio que os apreciadores não se importam (e já o devem ter feito) de a ler na língua original. Eu, mesmo não sendo fã, até prefiro as edições americanas (mesmo em formato digital).
Abraços