Uma conclusão inesperada? Análise à segunda parte de Saga.
Ao longo dos últimos vinte anos, Brian K. Vaughan, foi-se revelando, cada vez mais, um dos melhores e mais bem-sucedidos argumentistas de banda desenhada da atualidade. Com os seus enredos fantasiosos, bastante enraizados na cultura popular, com uma forte presença de caraterísticas emocionais, ideológicas e carismáticas, baseadas na presente sociedade. Mundos visualmente lindíssimos, ideias soberbas e por vezes arriscadas, histórias quase dignas de rivalizar os grandes épicos de Tolkien, J. K. Rowling ou George Lucas, Vaughan tem sido o exemplo perfeito daquilo para que serviu a revolução da banda desenhada americana dos anos 90.
Não vou tão longe ao ponto de dizer que Saga é uma banda desenhada revolucionária, impactante e que marca um ponto de viragem na nona arte, mas posso afirmar, com certeza, que é uma banda desenhada de grande sucesso (com um óbvio destaque para o mercado americano) e de uma magnífica originalidade, tanto artística como escrita.
Para o leitor menos atento, que ainda não conhece, Saga é uma sugestão imperdível, sendo uma das obras atuais que mais tem dado que falar no meio e, principalmente, no mercado americano. Não será uma banda desenhada do agrado absoluto e muitos a verão como um “conto voltado para as massas”, mas não se descredite Vaughan nesse sentido, pois a sua experiência sempre ditou e provou o seu mérito no grande sucesso crescente ao longo dos anos.
Em Portugal, a série foi editada na íntegra pela G. Floy, tendo terminado a publicação em outubro de 2019 com o nono volume e tendo, portanto, todos os volumes disponíveis nas lojas. Quanto à edição portuguesa, trata-se de livros de capa dura com um aspeto bastante razoável, apesar de ter algumas gralhas gramaticais, que, ainda que percetíveis, são muito pouco significativas.
Anteriormente, fiz um artigo referente à primeira parte da primeira metade de Saga. Este é o artigo referente à segunda parte, ou seja, do volume 5 ao 9 (como escolhi dividir), tendo a série contado com um total de 9 volumes, com 54 números de revistas, até então.
A “odisseia” familiar de Marko e Alana parece ter decorrido a um ritmo estonteante, que quase pareceu rápido demais, sem que me desse conta de que passaram 54 números (que não são nada poucos, diga-se). Tal facto deve-se a um argumento cheio de ação, sempre em movimento, novos lugares, novas tramas, novos personagens e um ritmo muito bem compassado. Ao ler Saga, quase não damos pelo tempo passar e, quase como que de repente, terminámos mais um volume. Claro que a sensação deverá ter sido um tanto diferente para quem leu a série original da Image Comics em revistas mensais, em que ao fim de cada número tinha de aguardar, em êxtase, pelo próximo.
Em nove volumes, os personagens parecem ter ganho um desenvolvimento pessoal e emocional enorme e, mais importante que tudo, credível. Marko, Alana e companhia são personagens com passado, com as suas ambições, as suas crenças, mas também os seus momentos mais fugazes e instintivos. Saga levou-nos a um maravilhoso universo de beleza e de horror, de amor e de ódio. Muito dificilmente terão terminado esta parte da série sem sentir empatia por algum ou vários dos personagens, num ou mais momentos.
Pessoalmente, não encontrei fascínio em personagem algum e, certamente, não fisicamente. Em vez disso, não me parece que existam personagens mirabolantes, com personalidades extravagantes ou extremamente longe daquelas com que me deparo no plano real, sendo que quase todos os personagens podiam ser terrestes, pessoas com determinadas reações aquando expostas a determinado leque de situações.
O final desta primeira parte da série era algo que antecipava bastante e, após ter lido alguns artigos e comentários (sem revelações importantes) que indicavam um final chocante, com um cliffhanger enorme, revelo ter ficado mais curioso.
Apesar de tudo, e quando cheguei à conclusão do nono volume, este não se revelou totalmente inesperado ou mesmo chocante. Na verdade, qualquer leitor atento já deveria esperar tal acontecimento, mais cedo ou mais tarde, uma vez que o mesmo é subliminarmente mencionado no início da série. Todavia e, embora não seja a razão que mais me deixa expectante pelo próximo capítulo, é toda a desenvoltura da série que o faz.
Quanto à parte artística da mesma, o trabalho desenvolvido por Fiona Staples é de louvar. É surpreendente ter uma artista que, numa edição desta dimensão, é responsável por toda a arte da mesma, o desenho, a arte-final e ainda a cor. E se, na minha opinião, a maioria dos personagens não parecem altamente criativos ou visualmente interessantes, a razão não pode ser atribuída apenas à artista, sendo o escritor também responsável pelas caraterísticas físicas dos personagens. Por outro lado, as composições e os ambientes, o uso da luz e das sombras, são bastante bonitos, apresentando ao leitor um universo colorido, cheio de vida e de beleza.
São obras como Saga que fazem os leitores e fãs da banda desenhada salivar por mais, são obras como esta que trazem mais fãs para dentro do meio. Não é uma obra complexa, não é uma obra de culto ou um marco digno de Alan Moore, mas Saga tem toda a paixão que a banda desenhada visa representar e se não é isso que toca positivamente o leitor, não sei o que possa ser.
Não existe uma data anunciada para a continuação da série, mas os fãs aguardam expectantes. Eu passo a ser, agora, mais um dos que anseiam pelo próximo capítulo. Até lá, a banda desenhada continua a apresentar-nos belas surpresas pelo caminho sempre que estejamos prontos para as procurar.
Rafael Marques tem 24 anos durante o ano de 2020. É músico em Lisboa e faz disso a sua profissão. A restante parte do seu tempo é dedicada ao sono, ao gaming e à leitura de banda desenhada, que terá descoberto como uma das suas maiores paixões entre 2018 e 2019, quando se envolveu numa relação com uma artista/ilustradora. Rafa é um apaixonado por tudo aquilo em que trabalha. Em segredo, escreve argumentos para banda desenhada, que são executados em belas pranchas pela sua companheira. Ainda sonha um dia vir a ser mordido por uma aranha radioativa…