Lendo O Meu Nelson Mandela e outros contos de Anton Kannemeyer.
Custou-me a comprar este livro e sabe a um ou muitos mais finos, numa tasca de toalhas de mesa aos quadros e discussões. Custou-me a passar da primeira página e nem sei porquê, só pensei que tinha de tomar conta do puto e que isto parecia uma cena de ego e crítica “dark” e estou farta de conflitos. Espero que não me interpretem mal, não levo tudo tão a sério e sou um pouco “mole” mas facto é que, por vezes, questões políticas levam ao desespero, assim como as questões monetárias. Ao ódio também. E ditas ou desenhadas por um autor que não conhecemos bem, gera-se por vezes a pouca vontade de pensar e reflectir. O que é mau. Pois é. Têm razão, tenho consciência disso. E, ao contrário do que julguei antecipadamente, passando para a segunda página, fiquei hiper-interessada no que o autor tem para contar. Posso nem concordar, posso concordar. Não sou holandesa, ou mesmo inglesa, alemã, francesa e muito menos africânder. Bom, sou portuguesa e este livro sabe-me a folhas soltas de um diário pensado e sofrido por uma “terra” ou família. Ou também a falta dela. A falta da nossa “casa”. A falta de um bom mundo. Essa impossibilidade crescente.
O dinheiro
E o racismo.
O dinheiro e o racismo.
A conquista da terra, para obter mais lucro e transformar outros seres, em escravos, para belo prazer do dito conquistador mas com as devidas pompa, circunstância e justificação religiosas. Com a água benta da morte, segregação e miséria. A morte por vezes é uma bênção. E, sem escapar à crítica do autor, a sociedade africânder é retratada como isso mesmo: cruel, falsa, estúpida, bruta, vestida com roupa e trato finos mas apalermada da consciência e humanidade. Note-se, nem todos, claro. Nem todos. Nem todos, mesmo. Com alguns parêntesis pelo meio, por exemplo um, à Mike Diana, cujo traço é tão bruto e chocante como a estupidez de um “apartheid”.
A sua primeira vez, a sua ida para Alemanha, para viver com a mãe, as piadas hiper-racistas, uma viagem de comboio até Amesterdão e a culpa de ter a sua identidade nascida na África do Sul. Uma merda. Holanda e o assassinato de líderes do MOSOP que acusaram o governo de “dividir para governar”, criando conflitos, para depois mandar tropas com a desculpa de combater o caos e promover a ordem. Posso estar a ser prematura mas “cheira” a táctica americana do género “falso bombeiro”. Pegar fogo para depois ir apagá-lo. Bom, uma valente merda. Não sabia disto. E passei a ver o país Holanda como algo muito estranho. Não bacano e modernista como pensava ser mas sim um país como outro qualquer. O racismo é um tema cada vez mais actual, como se o mundo não passasse de um disco riscado. Um disco de seres humanos muito estúpidos. Para ser simpática. Ou a estupidez, aqui, não passa de um apelido. Em contraste, a tímida visão de um senhor que corta com toda esta tristeza e decadência burra e cepa: Nelson Mandela. O meu Nelson Mandela e outros contos foi uma revelação muito positiva e honesta para mim.
Se ser adulto significa ficar igual àquele gajo, então prefiro não crescer e preservar a minha dignidade.
– Jello Biafra
O Meu Nelson Mandela e outros contos
Anton Kannemeyer
Editora: MMMNNNRRRG
Páginas: 32, 16 das quais a cores
Encadernação: capa mole
Dimensões: 208 x 271 mm
Tiragem: 500 exemplares
PVP: 10,00€
Costumava desenhar de joelhos, com os braços em cima da cama quando era pequenita e mais tarde numa mesa de escola. Os joelhos agradeceram. Cresci com banda desenhada e criei o fanzine “durtykat” em 2001. Viajei quase à pala e fui colaborando e comunicando através de desenhos, nascendo assim as Nits, em 2014. Voltei a desenhar de joelhos mas eles não se têm queixado. A última exposição foi na Galeria Mundo Fantasma, no Porto, no ano de 2019.