Sean Murphy num hino à imprudente adolescência.
Imprudente adolescência… O atributo mais notório da primeira obra a solo de Sean Murphy. É simples e claro. Direto ao ponto. É disto que se trata Off Road, sem espinhas.
Livro originalmente editado pela Oni Press em 2005, Off Road teve direito a edição portuguesa pela Kingpin Books em 2010, tal como a original numa modesta versão de capa mole.
De um autor que leva, nos dias de hoje, já uns quantos títulos de sucesso consigo, dificilmente terão conhecido o lado mais mainstream da banda desenhada (como em Batman) sem ter ouvido falar de Sean Gordon Murphy.
Fiz anteriormente um artigo referente a Jesus Punk Rock, o seu segundo álbum a solo e, tendo este sido bastante agradável, foi-me sugerida a leitura do seu antecessor. Acabei por aceitar a sugestão, curioso também em conhecer a evolução que teria havido no espaço de sete anos que separa as duas obras.
Ao abrir ambos os livros e visualizar apenas as imagens, podemos instantaneamente notar algumas diferenças, sendo a principal mudança, a arte-final e a utilização das sombras. Vários outros pontos poderão ser verificados com a leitura de cada uma das obras, mas este artigo não serve de comparação às mesmas, tanto quanto de apreciação a Off Road isoladamente.
Em suma, o estilo de Murphy mantém-se e a sua atenção aos detalhes também. Claro que houve uma evolução, mas no seu primeiro livro, o autor parece-me já bastante confiante e maduro na sua arte e, portanto, pouco mais se podia pedir de si. É impossível sentir no seu traço algum tipo de hesitação, ou algum pormenor menos moldado. Não, Murphy tem um senso de perfecionismo muito claro, ou então é algo que, inconscientemente, faz já parte de si.
Off Road é uma aventura à juventude, ou pelo menos a algumas juventudes. Certamente nem toda a gente se identificará com um conto de três rapazes em modo selvagem a fazer todo-o-terreno com um jipe novinho em folha.
Talvez o facto de ser baseado num acontecimento passado na sua vida implique um enredo mais relacionável, mas não é na aventura todo-o-terreno que sinto nostalgia, mas sim nas relações entre os três amigos.
Nesta obra, o autor apresenta-nos Trent, Brad e Greg como três jovens rapazes, imprudentes, idiotas, até, e cheios de hormonas da idade. Não é um conto sério ou um drama. É uma cadeia de acontecimentos aleatórios, mas prováveis (para o leitor), gerados pelas imprudentes ações e decisões dos três.
Ler Off Road foi estranhamente reconfortante e, se o livro não apanhar o leitor pela nostalgia da juventude, certamente apanha no humor. Mais uma vez, falamos de um humor inocente, quase ingénuo entre adolescentes. Numa fase da vida em que as situações mais pacatas podem parecer as maiores tragédias.
Temia estar diante de um livro que forçasse o ambiente, cheio de ação e testosterona desmedidas, mas Murphy surpreendeu-me imenso e, em vez disso, passou muito bem a imagem e a ideia daquilo que é a “idade da parvoíce”.
Um conto, claramente imaturo, mas com um ponto de vista que nem tanto. O autor dá-nos a história sem nos mostrar como deve ser interpretada e aí está um ponto que é muitas vezes difícil de manter na banda desenhada. Murphy não nos diz que devemos levar os personagens a sério, ou que os seus problemas são realmente graves. Em vez disso, dá-nos as ferramentas para um tempo bem passado, à nossa própria interpretação.
A arte de Murphy mantém-se soberba como sempre e se acharem que não pode ser assim tão boa por ser pouco experiente na altura, eu discordo totalmente. O seu trabalho artístico está irrepreensível em Off Road. Existe uma clara noção de anatomia e proporções. As posições de pessoas, ambientes ou objetos funcionam todas em harmonia e estamos a falar de uma arte não fotográfica, onde por vezes utiliza até expressões um tanto abonecadas com fins cómicos.
Se a ideia de imaturidade se encontra vinculada a esta obra, certamente será pelo contexto da história em si, mas desde o ritmo, aos diálogos ou da arte, à organização de vinhetas, Murphy acertou em cheio em tudo. E como disse antes, nenhum detalhe fica por rever.
Um hino à imprudente adolescência. Um livro divertido e cheio de ação, lama e poeira.
Off Road
Sean Murhpy
Editora: Kingpin
Ano: 2010
Páginas: 128, preto e branco
Encadernação: capa mole
ISBN: 978-989-96437-4-1
PVP: 17,99€
Rafael Marques tem 24 anos durante o ano de 2020. É músico em Lisboa e faz disso a sua profissão. A restante parte do seu tempo é dedicada ao sono, ao gaming e à leitura de banda desenhada, que terá descoberto como uma das suas maiores paixões entre 2018 e 2019, quando se envolveu numa relação com uma artista/ilustradora. Rafa é um apaixonado por tudo aquilo em que trabalha. Em segredo, escreve argumentos para banda desenhada, que são executados em belas pranchas pela sua companheira. Ainda sonha um dia vir a ser mordido por uma aranha radioativa…