Análise à sexualidade implícita nos vols. 3-6 de Y: O Último Homem.
Continuamos com a série Y: O Último Homem, disponível na íntegra nos habituais pontos de venda na sua versão portuguesa, editada pela Levoir. Originalmente editada pela Vertigo, foi uma BD de sucesso para os currículos de Brian K. Vaughan e Pia Guerra, tendo-lhe sido conferida, além de outros prémios, 3 Eisner.
Y: O Último Homem é muita coisa numa só série. Pode ser uma fantasia heterossexual masculina (ao termos um homem sozinho num mundo de mulheres) ou pode ser também a suposição de um universo, quase exclusivamente, feminino, afirmado pela capacidade e emancipação das mulheres (embora nem sempre pareça organizado, neste livro). Depois de várias vezes explorada esta ideia na literatura romântica, Vaughan decidiu apresentar-nos a sua própria interpretação da mesma, mas desta vez numa banda desenhada.
O resultado pode abranger um pouco de cada possibilidade acima referida e talvez mais algumas, no entanto, eu tenho as minhas próprias assunções quanto ao seu argumento.
Durante os 4 volumes que se seguiram aos dois primeiros, e que analiso neste artigo, tivemos muita coisa para ler. Muita coisa se passou e, se Vaughan sabe fazer algo extremamente bem, é aproveitar as páginas.
Os volumes 3 (Um Pequeno Passo) e 4 (A Senha) movem-se de uma forma um pouco mais lenta e são arcos, até, um pouco aborrecidos, na minha opinião. Mas assim que avançamos para o volume 5 (O Anel da Verdade), voltamos a ter aventura e exploração de novos ambientes e personagens. Yorick muda de atitude do volume 4 para o 5 e a coisa começa a tornar-se mais interessante. O volume 6 (Entre Mulheres) volta a dar-nos o grande final em suspenso para o volume seguinte.
Ao fim de seis volumes e tramas de ação, umas mais divertidas, outras mais dramáticas, começo a notar um padrão nas personagens femininas que Yorick e o seu grupo encontram ao longo da longa viagem. Este é um padrão que é quase garantido e nos poderia facilmente passar ao lado. Mas a sensação que passa, através da arte de Pia Guerra, é que sempre que Yorick se depara com uma personagem feminina impactante na premissa, esta se revela fisicamente “igual” à anterior. Igual em que sentido? Refiro-me a mulheres com idades semelhantes, sempre embelezadas, com a mesma silhueta da anterior, um rosto semelhante, etnia caucasiana e cabelo, geralmente, comprido.
Ao pensar um pouco mais profundamente na questão, torna-se quase ridículo que as poucas mulheres neste universo, que são mais velhas e menos belas ou elegantes, sejam apenas figurantes.
A razão para este facto não é difícil de entender. Se há algo óbvio em Y: O Último Homem é o carisma sexual da série. Mesmo quando Yorick não se envolve com dita personagem feminina impactante, Vaughan deixa-nos a pensar na possibilidade, apresentando-nos sempre mulheres sensuais e com uma certa predisposição carismática para essa mesma sensualidade. Acabam por ser vários os números que apresentam um final em suspenso, que assume uma ação sexual durante o próximo.
É uma ferramenta, claramente propositada, de Vaughan, mas será isso o que mais queremos ver num universo onde acompanhamos a jornada do último homem entre as mulheres? A resposta fica ao critério de cada leitor.
A arte de Pia Guerra mantem a mesma consistência desde o início da série e mesmo com Goran Sudžuka e Goran Parlov (que desenharam alguns dos números compilados nestes volumes), a arte mantém uma aparência semelhante, o que é bom. As capas de J. G. Jones continuam a ser esplêndidas e as novas adições de Aron Wiesenfeld e Massimo Carnevale, a partir do quarto volume, são mais ousadas, diria até. Completamente soberbas.
Os problemas da série não são superiores aos pontos positivos, mas levantam questões importantes ao leitor. É necessário que se tenha em conta que esta é a interpretação, em versão entretenimento, de Vaughan e estou certo de que muita gente achará que o mesmo universo hipotético d’O Último Homem teria, na realidade, um desenvolvimento bastante diferente daquele que o autor aqui nos apresenta.
Apesar desta fuga aos padrões da realidade, devemos entender também que esta é uma BD de entretenimento e isso é coisa que não lhe falta. Tudo o que possamos querer ver explorado numa série como esta, vamos encontrar. Desde religião, a políticas governamentais, situações românticas, ataques terroristas, cultos anarquistas ou tripulações de piratas, o que é que vai faltar?
Em suma, classificar um género para Y: O Último Homem é tarefa difícil e não posso atribuir a sexualidade como o foco principal, numa série que aborda tanta coisa diferente. Mas, para mim, é um livro que tem ganho, com o passar das páginas, um alto teor sexual. É algo que está, claramente, implícito. E pergunto-vos agora: na atual sociedade, quando foi este um assunto que perdeu a nossa curiosidade?
Não me interpretem erradamente e, por ter focado este artigo no lado sexual da série, não estou, de todo, a afirmar que a série não tem contexto além desse. Pelo contrário e, por isso, abri o artigo a expor a panóplia de temas explorados pelo autor ao longo destes 6 volumes.
Y: O Último Homem é uma série de ação e aventura acima de qualquer outra coisa.
Rafael Marques tem 24 anos durante o ano de 2020. É músico em Lisboa e faz disso a sua profissão. A restante parte do seu tempo é dedicada ao sono, ao gaming e à leitura de banda desenhada, que terá descoberto como uma das suas maiores paixões entre 2018 e 2019, quando se envolveu numa relação com uma artista/ilustradora. Rafa é um apaixonado por tudo aquilo em que trabalha. Em segredo, escreve argumentos para banda desenhada, que são executados em belas pranchas pela sua companheira. Ainda sonha um dia vir a ser mordido por uma aranha radioativa…
Faz todo o sentido! Concordo.