Roughneck e o Trabalho de Lemire até 2020.
Lançado em abril de 2020, Roughneck, Um Tipo Duro foi uma das maiores apostas da G. Floy para 2020, até à data. A obra de Jeff Lemire, com argumento e ilustrações do mesmo, foi originalmente publicada pela chancela Gallery 13 da Simon & Schuster em 2018 com o nome Roughneck.
É este então um forte candidato a livro do ano? Precisei de ler para tirar a minha própria conclusão.
Bom, este é mais um livro de Lemire. Parece que não nos temos cansado do autor nos últimos tempos; eu não, pelo menos. Sim, o canadiano tem andado em vários dos últimos artigos e, possivelmente, assim continuará. Parece ser uma escolha já definida para as edições da G. Floy e creio que os leitores portugueses estão a aderir à sua vaga. Desta vez, em Roughneck, Lemire volta a trabalhar a solo, apresentando não só o seu argumento, mas também a sua arte gráfica.
É certo que os primeiros livros (que lhe produziram uma fortíssima rampa de lançamento para o sucesso que se avizinhava) eram também por ele desenhados e parece que o autor nunca deixou de o fazer. Todavia, é nos livros por si escritos, mas onde não ilustrou, que encontramos os seus maiores sucessos, ou, pelo menos, os responsáveis pelas suas mais altas premiações. Digo isto porque, a expectativa que pus em Roughneck foi bastante grande e, não posso dizer que me tenha desiludido, claro, mas nunca “confiei” no traço de Lemire. A simplicidade da sua arte e as aguarelas muito restritas às cores frias dão uma expressividade que sempre me transmitiu “falta de confiança”, talvez. Mas o minimalismo pode ser um fator que o credibiliza ainda mais perante dado público. Além de que existe uma clara noção de proporção e anatomia e, portanto, trata-se simplesmente uma questão de gosto pessoal.
Sei que muitos discordarão da minha opinião quanto a tal, mas sempre preferi as obras em que o autor era encarregue apenas do argumento.
Para quem conhece o trabalho de Jeff Lemire e aprecia as suas obras, este é um livro que não pode faltar à coleção. Para quem não conhece, sugiro que o faça com este livro também.
Não vou estar a comparar neste artigo as diferentes obras do autor, mas o seu argumento costuma já ter um dos aspetos que mais aprecio na escrita de banda desenhada. Esse aspeto é o ritmo e nesta obra o mesmo está muito bom e, com isto, quero dizer que Lemire leva o seu tempo a contar a história. Pode parecer um livro grande, chegando perto das 300 páginas; no entanto, ao lermos, nunca vai parecer ter uma história muito longa. É uma obra muito bem compassada, com todo o espaço necessário para respirar.
A premissa passa-se no norte de Ontário, uma aldeia fictícia, aparentemente muito fria e com nevões frequentes. Lemire elaborou um ótimo trabalho ao passar a atmosfera do lugar, instintivamente, ao leitor.
A história foca-se em Derek, o protagonista, um homem falhado na vida, ex-jogador de hóquei no gelo, que acabou por se tornar alcoólico e violento. Neste enredo, Derek é um personagem pelo qual achamos que devemos sentir empatia, precisamos de torcer por ele, embora seja um tipo problemático que lida fisicamente com tudo por que passa. O grande problema está no seu passado, que o autor nos desvenda atempadamente ao longo das páginas, e na família complicada que teve. Mas sentir essa empatia por Derek é mais difícil do que parece. É de facto um personagem complicado, um personagem que perde sempre a razão e que age de cabeça quente, muitas vezes sem motivo. No fundo, podia ser alguém que conheçamos e na vida nem sempre é fácil justificar tudo. Com este personagem, Lemire tenta dar-nos um pouco dessa “realidade difícil”.
Um símbolo muito interessante que Lemire usou aqui foi o cão, que sempre vai sendo misterioso e é deixado um pouco à interpretação do leitor. Um cão que aparece a Derek e que tem interações apenas consigo, entendidas apenas por ele. São por vezes estes pequenos símbolos as chaves que nos fazem associar a uma premissa, independentemente de não serem o ponto fulcral.
Esta é uma daquelas obras que me convenceram cada vez mais à medida que fui avançando. Confesso que o início da obra, as primeiras secções, não me estavam a cativar e a dada altura estava já à espera de um cliché, mas a verdade é que o enredo se desenvolve de uma forma agradável, melhorando à medida que nos aproximamos até do final, que é tanto inesperado quanto repentino. Roughneck, Um Tipo Duro foi, sem dúvida, uma forte aposta da G. Floy para 2020 e Jeff Lemire é um nome que queremos continuar a ver publicado no nosso país. Se é um dos livros do ano em Portugal? Vamos ver o que ainda aí vem…
Rafael Marques tem 24 anos durante o ano de 2020. É músico em Lisboa e faz disso a sua profissão. A restante parte do seu tempo é dedicada ao sono, ao gaming e à leitura de banda desenhada, que terá descoberto como uma das suas maiores paixões entre 2018 e 2019, quando se envolveu numa relação com uma artista/ilustradora. Rafa é um apaixonado por tudo aquilo em que trabalha. Em segredo, escreve argumentos para banda desenhada, que são executados em belas pranchas pela sua companheira. Ainda sonha um dia vir a ser mordido por uma aranha radioativa…