Rosinski, o Eterno Inovador

Rosinski, o Eterno Inovador

Vida e obra de Grzegorz Rosinski.

Nascido na Polónia em plena Segunda Guerra Mundial, a 3 de Agosto de 1941, na cidade de Stalowa Wola (que significa, literalmente, “vontade de aço”), Grzegorz Rosinski cresce num país de regime comunista, apoiado e controlado pela União Soviética.

Em 1967 gradua-se na Faculdade de Belas Artes de Varsóvia.

Até ao final dos anos de 1970, é capista e ilustrador de livros de várias editoras polacas. Mas antes de 1968 não faz banda desenhada, pois esta é interdita pelo regime comunista no liceu e na faculdade. A partir desse ano, torna-se um dos mais populares desenhadores de banda desenhada, nomeadamente com as ilustrações da História da Polónia e com as séries Kapitan Zbik e Pilot smiglowca (entre 1968 e 1972).

Publicando inicialmente apenas em periódicos, com a fama as suas obras começam a ser publicadas em álbum. Assim, entre 1974 e 1976 publica três livros com adaptações de lendas polacas, com a colaboração de Barbara Seidler.

Em 1976 foi ainda o criador e primeiro director artístico da Relax, a primeira revista polaca especializada em banda desenhada. É aí que descobre e lança vários autores de BD dos países de Leste, nomeadamente Kas, que vivia em Cracóvia e que irá continuar mais tarde o trabalho de Rosinski na série Hans.

Em 1976, conhece Jean Van Hamme, no jardim deste em Bruxelas, num encontro fortuito, digno de uma comédia de costumes. Impressionado com o traço bruto que o distancia das influências hergenianas da Lombard ou jijénianas da Dupuis, Van Hamme leva-o a conhecer Jean-Paul Duchâteau (um dos criadores de Ric Hochet), então redactor-chefe da revista Tintin e que, por sua vez, o dá a conhecer a Guy Leblanc, director editorial da Lombard. Deste encontro nascerá a mundialmente famosa série Thorgal, a história de um bebé encontrado pelos viquingues no mar em plena tempestade e por eles adoptado e baptizado de Thorgal, como o filho de Aegir, o gigante dos mares da mitologia nórdica. Daí o nome do herói, Thorgal Aegirsson.

Uma rica galeria de personagens acompanha Thorgal. Aaricia, a sua mulher, os seus filhos Jolan e Louve, Gandalf o Louco, rei dos viquingues, Jorund o Touro, a Guardiã das Chaves, ou a sedutora e letal Kriss de Valnor, entre muitos outros, vão surgindo ao longo da série com a característica, rara em banda desenhada, de irem envelhecendo lentamente, tal como os personagens do universo do Príncipe Valente de Hal Foster, o que torna a série numa história viva, cuja evolução lhe dá credibilidade.

Contudo, os seus primeiros trabalhos foram L’Assassin para a revista Tintin, vários contos para Le Trombone Illustré e La Croisiere Fantastique para a revista Spirou sob o pseudónimo Rosek.

Mas o primeiro sucesso virá então com a série Thorgal, escrita por Van Hamme e publicada pela primeira vez na revista Tintin em 1977. Durante alguns anos, Van Hamme e Rosinski trabalham através do correio, estando o primeiro na Bélgica e o segundo na Polónia.

Acerca de Jean Van Hamme, Rosinski dirá numa entrevista de 2018: “Depois de Jean, foi-me difícil mudar a maneira de trabalhar. Ele enviava-me o seu argumento, sobre o qual eu não intervinha. Em contrapartida, uma vez nas minhas mãos, eu organizava-o à minha maneira, como um encenador se apropria da peça de um autor.

Em 1980, os dois autores têm o seu trabalho reconhecido com a publicação em álbum da primeira aventura de Thorgal, La Magicienne trahie, na Lombard, editora que ainda hoje publica a série (A Feiticeira Traída, publicada em Portugal na revista Tintin (13.º ano) #1-4 e em álbum em 1983 pela livraria Bertrand.

Ao mesmo tempo, a editora, parecendo antever o sucesso da série, publica o segundo álbum, L’Ile des mers gelées (A Ilha dos Mares Gelados, publicada em Portugal pela Editorial Futura em 1988).

Inicia-se assim a saga viquingue, que mistura com mestria o género histórico, o de fantasia e o de ficção científica. Há quem lhe chame uma saga familiar que extravasa para o domínio dos deuses e da mitologia nórdica.

Em 1981, com o agravamento da situação política na Polónia e a instauração da Lei Marcial, resolve abandonar o país e combina com a sua mulher Kasia (a quem dedicará o amor de uma vida inteira) e os seus três filhos, irem para a Bélgica, no momento em que trabalha no quinto álbum de Thorgal, Au-delá des ombres (publicado em Portugal com o título Para Além das Sombras em 1982 na 2.ª fase do Mundo de Aventuras, #540-#541).

Os três primeiros meses passa-os hospedado em casa de Van Hamme a trabalhar dia e noite. Este ritmo, mantê-lo-á durante vários anos, produzindo uma prancha por dia.

Durante várias viagens, consegue ir passando clandestinamente os seus bens da Polónia para a Bélgica. E quando chega a altura de trazer a família, fá-la passar por um rancho folclórico encarregue de promover a música polaca. No final dos anos de 1980, instala-se em definitivo na Suíça no cantão de Valais.

Incansável, em 1980, Rosinski começa uma nova série, agora escrita por Duchâteau. Ficção Científica pura, Hans contará com 12 álbuns, sendo os seis primeiros desenhados por Rosinski e os seguintes por Kas. Em Portugal, apenas serão publicados os dois primeiros álbuns (A Última Ilha e O Prisioneiro da Eternidade), ambos pela Meribérica em 1989.

Em 1985, com a publicação de Alinoë, o oitavo álbum de Thorgal (publicado pelas Edições ASA em 2003 e reeditado em álbum duplo em 2008 na parceria Público/ASA), as vendas disparam para as centenas de milhares de exemplares e Rosinski passa a viver exclusivamente da banda desenhada.

Já consagrado e um dos mais populares autores de banda desenhada na Europa, entre 1986 e 1987, Rosinski cria com Van Hamme uma das suas obras maiores. No género fantasia, O Grande Poder do Chninkel é publicado primeiro na revista A Suivre e depois, em 1988, pela Casterman a preto e branco, sendo reimpresso a cores como uma trilogia entre 2001 e 2002. Em Portugal foi publicado pela Meribérica desta última forma entre 2001 e 2003.

De 1993 a 1998, desenha os quatro primeiros títulos (1.º Ciclo) da série de fantasia Complainte des Landes Perdues (As Fábulas das Lendas Perdidas) escrita por Jean Dufaux para a Dargaud. Apenas o primeiro álbum, Sioban, é editado em Portugal, pela Meribérica em 2000.

Com o empurrão inicial destes dois grandes da 9.ª Arte, a série continuará com um 2.º Ciclo desenhado pelo saudoso Delaby (desenhador da magnífica série Murena) ao longo de mais quatro álbuns e um 3.º Ciclo em curso e a cargo do lápis de Béatrice Tillier (desenhadora da série Bois des Vierges), já com dois álbuns.

Como curiosidade, as quatro capas realizadas por Rosinski, justapostas, formam uma única imagem de pastiche.

Em 2001, volta a reunir esforços com Van Hamme e lançam na Lombard o one-shot Western. Desta feita, Rosinski resolve mudar de estilo e aplica a cor directamente em pastel, sendo a primeira parte toda pintada a sépia e a parte final com a predominância de cores frias. Para além disso, ao longo da obra somos brindados com pinturas de página dupla que vão criando ambiências.

Aclamado pela crítica e pelo público, Western é publicado em Portugal pelas Edições ASA em 2007.

Em 2004 e 2005, desenha (ou pinta, para ser mais correcto) para a Dargaud os dois volumes de La Vengeance du Comte Skarbek. História romântica e atribulada, inédita em Portugal, na qual o escritor Yves Sente reinventa um Conde de Monte Cristo exercendo a sua vingança no meio parisiense das artes em 1843.

Mais uma vez o processo criativo de Rosinski é renovado com a pintura de cada prancha em tela, utilizando pastel, marcadores, óleo e até Coca-Cola.

Entretanto, e após 29 álbuns publicados, Jean Van Hamme abandona Thorgal em 2007. Este facto não impede Rosinski de continuar a série com o mesmo sucesso de até então, ficando encarregue da escrita Yves Sente que, no final do mesmo ano, publica o 30º álbum com o título Moi, Jolan. Este é um ponto de viragem na narrativa da série pois o enredo passa a focar-se no filho mais velho de Thorgal, Jolan, e na relação directa deste com os deuses do panteão nórdico, Odin, Thor, Loki e outros. Deste álbum em diante, nenhum se encontra publicado em Portugal.

Em 2010, alarga-se o universo thorgaliano com o lançamento de três séries spin-off de Thorgal — Kriss de Valnor, Louve e La Jeunesse de Thorgal. E, embora Rosinski não desenhe nenhuma delas, desenvolve a ideia com Yves Sente e supervisiona as três, bem como cria e pinta todas as capas.

O argumento do 35.º álbum de Thorgal é da autoria de Xavier Dorison (escritor de Undertaker, cujo primeiro volume foi publicado em Portugal em 2019 pela Ala dos Livros, e de O Castelo dos Animais, publicado pela Arte de Autor em 2020).

Em 2018, Rosinski choca a sua enorme legião de fãs ao anunciar que o 36.º álbum da série Thorgal, Aniel (com argumento de Yann), será o último que desenha, mais de 10 anos após Van Hamme ter abandonado a escrita. Após alguns problemas de saúde, e aproveitando o momento em que duas das séries spin-off do Mundo de Thorgal chegam a um ponto de encontro com a série-mãe, Rosinski abandona a série que criou mas não o personagem pois afirma ainda ter alguns projectos para Thorgal.

Ironiza: “Já há mais de quarenta anos que desenho Thorgal. Já passei os 77 anos, o limite para a leitura de banda desenhada segundo a revista Tintin, onde o personagem debutou.

E o personagem não morrerá com ele pois elegeu um sucessor para continuar o seu traço, Fred Vignaux, de quem saiu o primeiro álbum (o 37.º da série) em 2019.

Mas as capas de todos os álbuns mantêm-se da sua autoria.

Não sendo suficiente o sucesso da sua grande série Thorgal, Rosinski procura avidamente estilos novos. E se na saga do viquingue prima por uma espécie de linha clara realística onde é mestre do jogo de sombras, em O Grande Poder do Chninkel mostra a sua mestria com o preto e branco na edição original; em Western aplica a cor directa em pastel; em La Vengeance du Comte Skarbek abandona o trabalho em estirador para o executar em cavalete em telas de um metro por setenta centímetros e regressa a Thorgal com a cor directa em óleo.

A busca pela perfeição técnica leva-o constantemente à inovação e esta leva o leitor ao deslumbre, à nostalgia e a perguntar-se como Rosinski ainda nos irá espantar agora, a doze meses de completar 80 anos.

Como curiosidade final, em França e na Bélgica, após o lançamento de Thorgal, milhares de bebés foram baptizados com o nome de Thorgal e de Aaricia. Dificilmente para um autor haverá melhor homenagem do que ver os seus heróis perpetuados na identidade de várias gerações.

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