
Conclusão da Aventura Pós-Generocídio de Vaughan (vols. 7, 8, 9 e 10).
E ao fim de dez volumes de aventuras, contando com uma reduzida percentagem de personagens de género masculino, aqui estamos para contar o final.
Foi durante estes últimos quatro volumes que acompanhámos Yorick e companhia numa viagem até ao Japão e depois Austrália, tendo daí partido para França, passando pela Rússia. Em apenas 4 volumes, Vaughan levou-nos a viajar por cerca de um terço do mundo em busca da verdade por detrás do grande mistério do “generocídio”.

Entre fevereiro de 2019 e outubro do mesmo ano, a Levoir fez-nos chegar as edições nacionais dos últimos quatro volumes da série Y: O Último Homem, respetivamente: Bonecas de Papel; Dragões de Kimono; Mãe Terra e Os Porquês e os Portantos.
É a partir do sétimo volume que vemos Goran Sudžuka assumir a maioria do desenho dos capítulos seguintes, embora, no nono volume, voltemos a ter Pia Guerra à frente da mesma, deixando Sudžuka assumir, por vezes, o papel de arte-finalista, juntamente com José Marzán, Jr.
O traço de Sudžuka na série é inacreditavelmente semelhante ao de Pia Guerra, sendo que dificilmente notaremos uma mudança de artista no decorrer dos capítulos (sem dúvida, uma escolha curiosa e meticulosa).

Ao concluir o último volume de Y: O Último Homem, dou por mim a pensar no início desta “jornada”, indagando. Não foi a série que achei que seria quando comprei o primeiro livro, mas isso não tem de ser inteiramente mau. Foi a reputação de Vaughan na banda desenhada que me abriu o apetite para uma série cujo subgénero já se encontra exausto, espremido até à sua última gota. Mas, pensando bem, o autor terá escrito a mesma numa altura em que o “subgénero” (se assim o posso chamar) pós-apocalíptico estava ainda a ser reinserido e modernizado no meio.
Y: O Último Homem não é The Walking Dead sem zombies. Não se espere muita semelhança entre os dois títulos, na verdade, apesar da proximidade temporal em que foram publicados.
Vaughan e Guerra trouxeram-nos um ambiente familiar, apesar de por vezes caótico, a mudança não é tão extrema e a humanidade ainda existe, embora agora sem cromossoma Y.
Não diria que o autor criou aqui personagens icónicos, não como o fez com Saga, mas estes são suficientemente identificáveis com o leitor, ou então são exatamente o contrário.

A série é, acima de tudo, realmente uma jornada. Uma jornada de aprendizagem e crescimento e, claro que tem os seus pontos mais fracos, que são mais do que gostaria de ter encontrado, mas no fim das contas é uma aventura e as aventuras não são divertidas em todos os momentos.
Uma série tão extensa como esta teria sempre apresentado um grande obstáculo para o autor: manter a premissa sempre interessante, trazendo novidade, ao mesmo tempo que o foco não pode ser perdido. E, neste caso, falamos de uma série que define o seu foco logo no primeiro volume, mas que o vai perdendo pelo caminho, embora aos poucos o reganhe.
Confesso que ler esta série não foi sempre divertido e, se havia um volume que me entusiasmava bastante, o seguinte roubava-me praticamente o interesse. Chegar ao fim foi quase uma luta constante que umas vezes fazia crer valer mais a pena que outras. E terá valido a pena?
Já lá vamos…

Muitos discordarão da minha opinião nesta análise, mas é isso que faz uma opinião ser pessoal.
No artigo anterior, referi um padrão claramente visível nesta banda desenhada e esse padrão é o contexto sexual da obra. Não me vou alongar novamente sobre o assunto, mas o mesmo padrão parece permanecer nestes últimos volumes embora, agora, tenhamos também uma incidência um tanto diferente.
Com a aproximação do fim, Vaughan parece procurar uma romantização da obra, uma forma de marcar o leitor, talvez até deixar algum choque.
O final da série foi, para mim, uma deceção. A causa do generocídio fica conhecida ainda no penúltimo volume e a razão pela qual Yorick sobrevive ao mesmo, ainda antes. Portanto, fica ainda a faltar um último volume que nos trará o quê exatamente?
Recordemo-nos que, desde o início, Yorick parece manter uma procura incessável pela namorada que tinha antes do generocídio (há exatamente 5 anos do final), namorada essa que este parece esquecer momentaneamente sempre que se envolve com uma mulher diferente pelo caminho (facto que aconteceu várias vezes ao longo da série). Todavia, parece que a chama desse amor se mantém acesa, por algum motivo que talvez apenas eu não possa entender. Ao reencontrar improvável e “misticamente” o seu amor perdido de há 5 anos atrás, Yorick acaba por ver o seu coração partido pelo mesmo, reconhecendo então que… afinal sempre amou a sua “guarda-costas” de viagem?! A Agente 355, uma das principais personagens da série.

Apesar de Vaughan nos justificar essa estranha e abrupta paixão, revelando um mistério que terá ficado oculto até então, é impossível não sentir que este romance não faz sentido rigorosamente nenhum. É verdade que desde por volta do sétimo volume que o autor parece tentar implementar a dúvida na agente, mas nunca houve praticamente nada que remotamente fizesse crer nesta paixão (deixando ainda por explicar as situações em que ambos se envolveram com outros indivíduos sem parecer causar qualquer tipo de incómodo no outro, sequer).
Bem, talvez esteja a ser um pouco precipitado com este julgamento, uma vez que Vaughan nos tira imediatamente a possibilidade de conhecer a continuação deste romance. Assim que acabam de assumir o seu amor recíproco (deixando em êxtase a ideia de que Vaughan nos apresentará nova cena de sexo), o autor faz o inesperado. 355 é atingida na cabeça por um tiro de sniper, morrendo e deixando Yorick com um novo desgosto amoroso.
Poderia parecer apenas um final infeliz um pouco forçoso, mas afinal Vaughan decidiu ainda que Beth, outrora namorada de Yorick, acabaria por se apaixonar pela irmã do mesmo. Sim, nunca pareceu haver qualquer tipo de interesse ou romance entre as duas antes, mas Vaughan chegou-se à frente e introduziu-nos um novo romance mesmo no desfecho da série.
No final, fico desapontado com a quantidade de “desrespeito” que parece ter havido para com as emoções dos personagens. A série acaba por sofrer uma enorme reviravolta no último capítulo, parecendo transformar-se numa novela de premissa fácil, mas como disse, muitos discordarão da minha opinião. Parece-me que Vaughan acabou por meter os pés pelas mãos, quando, numa série em que esperamos um impacto emocional complexo, acabamos por ser sobrecarregados com novos romances ao “virar de cada esquina”.

Nem tudo é mau… Ou será que nem tudo é bom?
Esta série apresenta-nos uma enorme quantidade de mulheres fisicamente iguais, um jovem rapaz (Yorick) que tem uma tremenda facilidade em apaixonar-se ou em seguir os seus instintos sexuais e o final acaba por apresentar-se controverso e forçoso, tendo perdido mais uma vez o foco e, principalmente, a coerência emocional.
Em suma, Y: O Último Homem é uma série que vale a pena conhecer? Sim, é. Não vai ser tudo bom e o final não o é, mas a série tem uma imensidão de momentos divertidos, momentos de suspense e referências culturais engraçadas. Apresenta bastantes momentos inesperados (embora por vezes o sejam em demasia). Os personagens não vão ser sempre geniais ou únicos, mas na vida dificilmente encontramos pessoas que o sejam.
Y: O Último Homem é uma experiência que deve ser tida pelo leitor. Certamente alguns decidiram levar a série até ao fim e ter-lhes-á até agradado a conclusão, outros terão parado de ler quando a mesma os fez perder o interesse e outros nunca sequer tiveram ou virão a ter o interesse de a começar. Mas afinal, não é assim com todas as séries?

Rafael Marques tem 24 anos durante o ano de 2020. É músico em Lisboa e faz disso a sua profissão. A restante parte do seu tempo é dedicada ao sono, ao gaming e à leitura de banda desenhada, que terá descoberto como uma das suas maiores paixões entre 2018 e 2019, quando se envolveu numa relação com uma artista/ilustradora. Rafa é um apaixonado por tudo aquilo em que trabalha. Em segredo, escreve argumentos para banda desenhada, que são executados em belas pranchas pela sua companheira. Ainda sonha um dia vir a ser mordido por uma aranha radioativa…