Os volumes 5 a 8 da série Alix.
Não se julgue que por ser um autor da “linha clara” e por colocar as aventuras do seu herói principal em pleno período do final da república romana, Jacques Martin evita alguma vez abordar temas mais polémicos, fruto do momento histórico-político em que os álbuns são publicados ou por ir contra usos e costumes ainda hoje enraizados na nossa sociedade, como veremos mais à frente.
A bem da verdade, estas polémicas não impedem a consagração do autor nem o sucesso imediato e continuado que foram (e voltaram a ser) as aventuras de Alix.
E se ainda hoje paira no ar o homoerotismo da obra e a suposta homossexualidade de Alix e Enak, 72 anos após a publicação da primeira prancha na revista Tintin, o facto é que outras polémicas não resistiram ao inexorável correr do tempo.
Para lá das polémicas, os quatro álbuns que se seguem são considerados por muitos entre os melhores de Alix, quer pelo rigor da reconstituição histórica quer pelos argumentos intrincados mas apelativos.
Para se perceber da capacidade de trabalho de Jacques Martin, que não deixa cair nunca a qualidade do argumento ou do traço, este período vê-o criar uma nova série de sucesso (Lefranc – 1952) e aumentar a sua participação nos Estúdios Hergé, nomeadamente, com a colaboração nos seguintes álbuns de Tintin – O Caso Tornesol, Carvão no Porão, Tintin no Tibete, As Jóias de Castafiore e Voo 714 Para Sidney.
Nada disto afecta a produção dos álbuns de Alix, como vamos passar a ver.
5 – GARRA NEGRA
Originalmente, é publicado em álbum em 1959 pela Lombard. Em Portugal, aparece pela primeira vez em álbum em 1982 nas Edições 70 e é reeditado numa parceria Público/ASA em 2010 (com uma edição limitada para a Fnac em capa dura somente pela ASA).
Em Pompeia, muitos dignitários são agredidos com uma garra envenenada de uma figura misteriosa que, disfarçada, desliza pelas sombras da noite. O resultado é uma paralisia total.
Alix, que se encontra na cidade a visitar um primo, descobre que as próximas vítimas serão, precisamente, o primo e o antigo militar Gallas. E, juntamente com a arma do crime – uma garra negra – encontra uma mensagem de Rafa, um mago influente, líder do grupo de guerrilha e que afirma agirem para vingar Ícara: um terrível segredo que Gallas guarda consigo há trinta anos.
Entretanto, caberá a Alix descobrir o antídoto e, no processo, salvar um rapazinho que ele próprio ferira inadvertidamente com a garra envenenada. E, para isso, terá de prosseguir numa perigosa expedição a África.
Por muitos, este é considerado um dos melhores álbuns da série.
A trama está muito bem tecida e os desenhos de Roma e Pompeia de 52 a.C. são superiormente detalhados.
A polémica gerada neste álbum prende-se com os movimentos de guerrilha e será abordada no volume seguinte, já que também consta do mesmo.
6 – AS LEGIÕES PERDIDAS
Publicado originalmente em álbum em 1965 agora pela Casterman (a sua editora actual). Em Portugal, tem uma primeira edição em 1982 nas Edições 70 e reedição pelo Público/ASA em 2010 (com uma edição limitada para a Fnac em capa dura somente pela ASA).
Mais uma vez, o argumento tem como sustentação factos históricos. Desta vez, o pano de fundo é, por um lado, a guerra entre Pompeu e Júlio César em 52 a.C. E por outro, a famosa espada de Brennus (Breno em português), o chefe gaulês que conquistou e saqueou Roma em 387 a.C. e que proferiu a célebre frase Vae victis (ai dos vencidos) ao atirar a sua pesada espada para a balança que indicaria o peso do resgate de Roma.
Alix, depois de tantos anos afastado da Gália, volta à sua terra para cumprir uma nova missão para César mas que acaba num enredado num complot que envolve a espada de Brennus.
Jacques Martin faz Alix mergulhar num dilema psicológico: manter-se fiel a César ou juntar-se a Kildéric e aos gauleses. Aliás, este é, para mim, o tema central da obra – a fidelidade e lealdade.
Chamada de atenção para a presença do lobo e do legionário Galva, personagens recorrentes nestas aventuras.
Considerado um dos mais belos álbuns da série, os desenhos dos Alpes cobertos de neve são uma maravilha.
E a capacidade de transmitir o desespero, tanto das legiões como do lobo é espantosa.
Jacques Martin entra na sua idade de ouro.
Quanto à polémica gerada por este álbum e pelo anterior, prende-se com o facto de França se encontrar então em guerra com a Argélia. E se na Garra Negra o factor subversivo é o massacre de inocentes às mãos da potência ocupante, em As Legiões Perdidas o elemento desestabilizador é a possibilidade de se ser fiel a determinados princípios.
Ora, o Estado francês considerou que estes álbuns incitavam ao ódio e à violência, face à sua posição na Argélia e à guerra colonial, e proibiu a sua exposição em território francês.
7 – O ÚLTIMO ESPARTANO
Publicado originalmente em álbum em 1967 pela Casterman. Em Portugal, tem a primeira edição em 1983 nas Edições 70 e é reeditado pelo Público/ASA em 2010 (com uma edição limitada para a Fnac em capa dura somente pela ASA).
A caminho da Grécia, onde o aguarda o governador Horatius, Alix é apanhado por uma violenta tempestade acabando por naufragar.
Separado dos seus companheiros de viagem, no qual se inclui Enak, Alix descobre um grupo de vilões que captura as tripulações naufragadas e as vende como escravos. Segue-os de longe e acaba por ir parar a uma fortaleza escondida na floresta onde estão refugiados os últimos espartanos que pretendem reconquistar a Grécia e que, por isso, são inimigos de Roma.
Alix é capturado, feito escravo e preceptor de Héraklion, filho de Adréa, a última rainha espartana. Esta admira-lhe a coragem e o semblante.
Mais uma vez, Alix vê-se confrontado com um dilema: ajudar o jovem espartano ou tentar destruir a civilização inimiga de Roma.
E embora neste álbum o tema abordado seja o da resistência de um povo anteriormente conquistado pelos romanos (como nos dois álbuns anteriores e nos futuros O Deus Selvagem e O Espectro de Cartago), a polémica de então centra-se num elemento bem mais prosaico: o amor de uma mulher de 40 anos (a rainha) pelo jovem Alix.
Uma última nota para o desenho das roupas e das armas do exército grego que estão irrepreensíveis.
8 – O TÚMULO ETRUSCO
Publicado originalmente em álbum em 1968 pela Casterman. Em Portugal, tem a primeira edição em 1983 nas Edições 70 e é reeditado pelo Público/ASA em 2010 (com uma edição limitada para a Fnac em capa dura somente pela ASA).
A guerra civil entre Pompeu e César continua. Aproveitando-se do caos gerado pelo conflito, a seita de Moloch (já nossa conhecida do álbum A Ilha Maldita) devasta as regiões rurais de Roma.
Temendo o pior, César ordena ao seu sobrinho Octávio que vá buscar a irmã deste, Lídia, e que a traga para a segurança de Roma sob escolta de Alix e Enak. Mas a viagem não decorre sem sobressaltos e Alix acaba por ter de enfrentar o chefe da seita no seu esconderijo, um túmulo etrusco.
Destaque para o presságio dos jovens no qual Júpiter aparece como protector de Octávio como que anunciando o seu futuro como primeiro imperador de Roma (Octávio, quando sobe ao poder, assume o nome de Augusto).
Salienta-se também a amizade de Alix por Lídia, a irmã de Octávio, que irá durar toda uma vida e ultrapassará mesmo a barreira desta série para ser um dos temas de Alix Senator, spin-off criado em 2012.
O trabalho de Jacques Martin na reconstituição dos túmulos etruscos de Tarquini (na Toscana) é formidável, tal como é o jogo de sombras e luz.
Continua…
Amante da literatura em geral, apaixonado pela BD desde a infância, a sua vida adulta passa-a toda rodeado de livros como editor. Outra das suas grandes paixões é o cinema e a sua DVDteca.