A Herança de Bois-Maury.
Após um interregno de quatro anos, Hermann retoma em 1998 as aventuras dos Bois-Maury, iniciando assim um segundo ciclo.
E se no primeiro ciclo acompanhámos a gesta heróica e trágica do cavaleiro Aymar de Bois-Maury, agora acompanhamos as aventuras da sua descendência ao longo dos séculos, percorrendo toda a Baixa Idade Média e entrando pela Idade Moderna até ao ano de 1660.
E se a numeração dos álbuns revela um desejo de continuidade, o mesmo não acontece com o título da série do qual caem as “Torres” passando a ser simplesmente “Bois-Maury” no original.
Em Portugal, são publicados pela Vitamina BD três dos cinco álbuns que compõem o 2.º ciclo e o título da série passa a ser, apropriadamente, A Herança de Bois-Maury.
Hermann trabalha a solo no 11.º álbum (o primeiro do 2.º ciclo), mas todos os outros têm o argumento a cargo do seu filho Yves H.
Artisticamente, a principal característica destes novos álbuns são os desenhos em cor directa que conferem a cada vinheta um maior realismo e beleza.
Vamos aos álbuns!
11 – ASSUNTA
Publicado originalmente em álbum em Abril de 1998 pela Glénat. Sem edição em Portugal.
Cerca de duzentos anos após Aymar, mais precisamente em 1281, vamos encontrar um seu descendente (também de nome Aymar) ao serviço do Duque de Anjou.
A acção decorre na Sicília – então ocupada pelas forças francesas – pouco antes das “vésperas sicilianas”, a revolta que acabará com o domínio francês da ilha.
Aymar de Bois-Maury faz parte dos cavaleiros que ocupam o território.
Vários notáveis da ilha, verdadeiros oportunistas, optam pelo partido da casa de Anjou. A tensão cresce. A revolta toma forma. O Etna ruge incessantemente em pano de fundo, como que anunciando a desgraça.
No meio de toda a tensão, Aymar perde-se de amores pela bela Assunta Di Mancuso. Mas o amor pode ser como o vulcão e eclodir numa violência arrasadora.
Como já se disse, este é o primeiro álbum da série no qual Hermann aplica a cor directa, conferindo ao desenho um maior realismo e beleza. O seu sentido de mise en scène é impecável. E tudo se conjuga para tornar este regresso a Bois-Maury num momento feliz.
12 – RODRIGO
Publicado originalmente em álbum em Agosto de 2001 pela Glénat. Em Portugal, é publicado pela Vitamina BD também em 2001.
Estamos no ano da Graça de 1325. A Reconquista da Espanha ocupada pelos muçulmanos está ao rubro. Toledo é uma cidade rica e opulenta, fruto do cruzamento de civilizações.
De modo a evitar uma nova invasão moura vinda do norte de África, o rei católico faz o apelo às armas. Entre os vassalos que podem defender o território encontra-se Don Joaquin de la Vega, senhor de Toledo, cansado de pelejar contra os muçulmanos e velho demais para ir combatê-los a Córdova. Mas, de modo a evitar que o seu irmão ganhe preponderância perante o rei, ele resolve enfrentar mais uma vez os sangrentos campos de batalha.
Em paralelo, corre a história de Rodrigo, filho de Don Joaquin, que descobre com a ajuda de um monge que, afinal, é uma criança encontrada. Parte então em busca da verdade e de quem é o seu verdadeiro pai.
Mais uma vez, a Idade Média é retratada de maneira violenta, tanto a nível das relações familiares como das relações entre povos.
As cores estão extraordinárias e as paisagens desenhadas de modo muito belo.
Pena é que o argumento peque por algumas imprecisões históricas e lugares comuns.
Apesar disto, é um álbum que vale a pena.
13 – DULLE GRIET
Publicado originalmente em álbum em Agosto de 2006 pela Glénat. Em Portugal, é publicado pela Vitamina BD em 2006.
Meados do século XVI. O cavaleiro de Bois-Maury chega à Flandres em pleno conflito religioso que envolve luteranos contra cristãos.
Esta é uma história de vingança justiceira passada em parte nos telhados cobertos de neve de onde Toone Denaet vai matar, um a um, aqueles que lhe assassinaram a família.
A Inquisição, a caça às bruxas, os delatores, os autos-de-fé, as guerras religiosas, a terra fria e coberta de neve, tudo assume um papel mais importante que o cavaleiro de Bois-Maury. No fim, dele pouco ou nada ficamos a saber, o que é um pouco decepcionante.
A envolver toda a trama temos a inspiração de Hermann na obra de Bruegel e, em particular, no magnífico quadro que dá nome ao título do álbum, e que inspira pesadelos delirantes, a aparição do próprio Bruegel, a ambiência da história e a própria paisagem – como se pode ver na última vinheta da prancha acima e no quadro que se segue.
As cores soberbas, com uma predominância do cinzento, surgem numa paleta extraordinariamente harmoniosa, reforçando a dureza do clima da Flandres.
Em termos de argumento, não é dos meus favoritos, com uma trama demasiado linear e personagens básicos ou quase meramente figurativos (como é o caso do cavaleiro de Bois-Maury).
Mas em termos estéticos, é Hermann no seu melhor.
14 – VASSYA
Publicado originalmente em álbum em Setembro de 2009 pela Glénat. Em Portugal, é publicado pela Vitamina BD em 2009.
1604. Estamos na Rússia, perto da fronteira com a Polónia. Desta feita, Aymar de Bois-Maury (descendente do original) faz parte de um corpo expedicionário avançado de hussardos polacos comandado pelo seu tio, Waldemar Lewndowski. Apoiados pelos cossacos zaporogos, dirigem-se para Moscovo com o intuito de derrubar o Czar.
Enviados à frente do exército com o objectivo de recrutarem Vassya, um chefe cossaco, e os seus homens, acabam por cruzar-se com Ignatiévitch e com a sua neta Dounjachka, que os conduzirão até Vassya.
E começam os problemas, criando-se uma espécie de quadrado amoroso forçado entre a jovem e opulenta Dounjachka, Vassya, que é afinal o seu marido, Aymar de Bois-Maury e o conflituoso cossaco zaporogo Kolya.
Num álbum em que os conflitos e a tensão entre personagens vai aumentando, deixando adivinhar um desfecho trágico, tudo se precipita nas vésperas da batalha entre polacos e as forças do Czar.
Há ainda tempo para fechar o álbum com a batalha, sendo que o destino é quem fornece a vingança a Aymar.
O desenho realista de Hermann em cores directas está melhor que nunca e as cenas de final de tarde são simplesmente magníficas com os seus jogos de luz e de sombra. Tal como é a cena da planície de papoilas por onde jazem os caídos no campo de batalha.
15 – OEIL DE CIEL
Publicado originalmente em álbum em Setembro de 2012 pela Glénat. Sem edição em Portugal.
Neste último álbum da série, estamos em 1660 na província do Iucatão, em pleno inferno verde.
“El señor” de Bois-Maury, conselheiro da coroa espanhola, acompanha uma expedição militar numa selva sufocante. Atacados por índios, exaustos, feridos, apanhados pela doença e famintos, têm de resolver um dilema. Os soldados só desejam encontrar o caminho de regresso à segurança; o padre que os acompanha só pensa em doutrinar os índios; e Aymar de Bois-Maury está fixado em descobrir uma cidade perdida na selva que se diz ser feita de ouro.
A história é linear, enclausurada no verde saturante da selva e os personagens têm, todos eles comportamentos previsíveis. Mesmo assim, não deixa de ser uma história que se lê bem e que evidencia a prevalência da avidez em relação à moral e ao bom senso. Falta-lhe, no entanto, o fôlego dos grandes frescos do primeiro ciclo de Bois-Maury.
Quanto ao desenho de Hermann, mesmo com a predominância de uma só cor, consegue operar maravilhas. Por outro lado, um pequeno apontamento de outra cor consegue sempre sobressaltar no chapão do verde.
De lamentar apenas que a série se tenha interrompido pois Hermann, que se mantém no seu apogeu, ainda teria muito para contar.
É desejar que os sussurros que correm no mundo da banda desenhada sejam verdade – parece que o “javali das Ardenas” anda com vontade de voltar ao Bois-Maury e ao primeiro ciclo. Não sabe ainda é de que forma, segundo o seu filho.
EXTRA
ITINÉRAIRES DE BOIS-MAURY
Por fim, deixo-vos aqui uma curiosidade publicada em 2006 pela Glénat.
Os Itinéraires de Bois-Maury é um álbum de 31 páginas que contém uma entrevista com Hermann e uma apresentação de todos os álbuns publicados até então, sendo o último o número 13 da série.
Um álbum “leve”, cheio de curiosidades, motivações e inspirações para cada álbum, tratados a cada duas páginas.
Amante da literatura em geral, apaixonado pela BD desde a infância, a sua vida adulta passa-a toda rodeado de livros como editor. Outra das suas grandes paixões é o cinema e a sua DVDteca.