Alix: O Fim da Era Clássica

Alix: O Fim da Era Clássica

Os volumes 17 a 19 de Alix.

Durante um longo período de 40 anos, Alix tem as suas aventuras escritas e desenhadas exclusivamente pelo seu criador, Jacques Martin.

De facto, de 1948 – altura em que aparecem as primeiras pranchas na revista Tintin (edição belga) – até 1988, Jacques Martin assegura o argumento, a planificação em prancha, os diálogos, os desenhos e a legendagem de cada álbum de Alix.

Aliás, esta é a única das suas séries onde trabalha tanto tempo a solo. Em todas as outras, divide as tarefas com os seus “discípulos”, em regra encarregando-os do desenho. A excepção são os três álbuns iniciais de Lefranc, dos quais tem a seu cargo argumento e desenho.

Aqui vamos abordar, precisamente, os seus três últimos álbuns a solo de Alix. Aqueles que, para muitos, fecham o ciclo da Era Clássica do personagem.

Entretanto, Martin cria mais uma série histórica que intitula Arno. Ambientada na época napoleónica, tem argumentos do próprio Jacques Martin e desenhos do entretanto consagrado André Juillard. No período agora tratado, são publicados 3 álbuns.

Ao mesmo tempo, o seu personagem Lefranc vê virem a lume mais 3 álbuns com desenhos de Gilles Chaillet, garantindo Martin a qualidade dos argumentos.

E Jhen, a sua série medieval, tem 6 álbuns publicados em igual período, com desenhos de Jean Pleyers.

Embora mantendo aquelas características que o consagraram, Jacques Martin deixa que a sua erudição tome conta destes três últimos álbuns (sobretudo em O Cavalo de Tróia) e isso faz-se sentir no fluir das histórias. Como se faz sentir também num certo afastamento do público leitor.

17 – O IMPERADOR DA CHINA

Originalmente, é publicado em álbum em 1983 pela Casterman. Em Portugal, aparece pela primeira vez em álbum em 1989 nas Edições 70 e é reeditado pela ASA em 2006.

Alix na China?! Talvez pareça um pouco estranho, não? Nem por isso! Não nos podemos esquecer que, pouco menos de 300 anos antes, Alexandre já invadia a Índia.

Acompanhando o seu amigo grego Mardokios, cujo pai é preceptor de um dos filhos do imperador da China, Alix e Enak viajam até àquele país.

Já na corte chinesa, fazem amizade com o príncipe herdeiro Lou Kien, filho do imperador Han Tsi, e que se encontra gravemente doente, vítima de envenenamento.

O ambiente na corte é de grande tensão e as traições, intrigas e golpes palacianos fazem parte do quotidiano.

Entretanto, o príncipe acaba por morrer e Enak é fechado vivo no seu túmulo…

Este álbum tem um grau de complexidade que se pode observar a dois níveis.

Em primeiro, aborda um tema sempre delicado que é a morte de uma criança. E Jacques Martin consegue fazê-lo simultaneamente com grande sobriedade e emoção.

Em segundo, trata das enormes diferenças culturais entre romanos e chineses e como isso afecta tanto Alix e Enak como os próprios leitores.

Mas Martin faz mais pois, ao mudar tão drasticamente a localização da trama para um país do extremo oriente, ele tem o pretexto para nos apresentar novas paisagens, costumes e estéticas que não estamos habituados a ver na série.

Sumptuosas reconstituições, uma corte chinesa que se faz sentir em todo o seu intrincado protocolo e ambiência dão à aventura os seus melhores momentos.

18 – VERCINGÉTORIX

Publicado originalmente em álbum em 1985 pela Casterman. Em Portugal, tem uma primeira edição em 1989 nas Edições 70 e reedição pelo Público/ASA em 2010 (com uma edição limitada para a Fnac em capa dura somente pela ASA).

Alix é confrontado por Pompeu com a notícia que fez invadir da Marmetina (prisão romana para figuras de alto estatuto) o famoso chefe gaulês, derrotado da batalha de Alésia, Vercingétorix. Deste modo, privaria Júlio César do seu cortejo triunfal, de uma importante demonstração de poder e de reclamar o triunfo da conquista da Gália.

Pompeu acaba por convencer Alix a levar Vercingétorix de volta a terras gaulesas.

Alix aceita, mas sabe que terá todas as legiões de César no seu encalço.

A traição e o perdão são talvez os temas centrais neste álbum. Por um lado, temos Alix, apoderado de César e a quem parece trair pela primeira vez. Por outro lado, temos Vercingétorix, que encontra a mulher casada com outro e com um filho cuja paternidade é mascarada.

Neste álbum, a arte narrativa de Martin mostra ainda o seu fulgor. E os personagens têm uma densidade psicológica que se demonstra ao levarem as suas convicções às últimas consequências.

19 – O CAVALO DE TRÓIA

Publicado originalmente em álbum em 1988 pela Casterman. Em Portugal, tem a primeira edição em 1990 nas Edições 70 e é reeditado pelo Público/ASA em 2010 (com uma edição limitada para a Fnac em capa dura somente pela ASA).

Horatius decide adoptar Heráklion, filho da rainha Adréa que derrotara.

Satisfeito com a decisão, convida Alix, Enak e o seu novo protegido a se lhe juntarem na Grécia, em Ílion, a antiga cidade de Tróia.

Mas por trás da felicidade do general romano está a inveja de Hermia que quer casar a sua filha Dafne com Horatius e com a sua fortuna.

Ora, Heráklion passará a ser herdeiro de Horatius, diminuindo assim o quinhão de Dafne.

Motivada pela ganância e mesquinhez, Hermia apela aos descendentes dos míticos troianos para que a ajudem a eliminar Heráklion. Em troca dar-lhes-á acesso a um dos maiores símbolos do passado – o Cavalo de Tróia.

Este álbum fará mais sentido se antes se tiver lido O Último Espartano, onde encontramos Heráklion, Horatius e Adréa.

A veracidade histórica, característica da maior parte dos álbuns da série, é aqui beliscada com a questão da lenda do Cavalo de Tróia, mas não deixa de ser uma questão menor.

Como mais acima se disse, Jacques Martin era um homem de grande erudição, sobretudo acerca da antiguidade clássica. E tendia a querer partilhar o seu saber e as suas paixões sobre o assunto. Focando-se mais nelas do que na história propriamente dita, a força narrativa dilui-se um pouco. A aventura intrincada dá assim lugar à lição professoral.

Apesar de tudo, este é um bom álbum de fecho de uma era. Último livro de Alix que Jacques Martin produz a solo, depois dele a série entrará em estado de hibernação por oito longos anos.

Continua…

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