Gargalhando com o Derradé.
Experimentei a escrita e o desenho do Derradé pela primeira vez e um adjetivo ficou na minha mente para descrever o livro que li: humildade. Folhear e ler esta pequena obra não me podia ter deixado um sentimento mais puro que esse.
A Loja é a mais recente publicação física de Derradé e foi apresentado e publicado em outubro de 2019, editada pela Polvo.
Este foi um daqueles livros que resolvi abordei sem expectativa, ou seja, do qual não sabia mesmo o que esperar. Nunca me lembro de ser grande fã de humor ou comédia, muito menos escrita, e por isso foi assim uma espécie de: “mas porque não?”.
Deixei que Derradé me surpreendesse e a poucas páginas do início já estava a gostar daquilo que lia. Talvez pela surpresa, talvez por não estar habituado ao género que aqui lia, mas a verdade é que acabei por ficar completamente deliciado com a obra! O livro apresenta tantos daqueles momentos que, certamente, qualquer fã de banda desenhada já viveu na loja física que frequenta. Apesar disso, não se pense que se trata de um livro exclusivo a fãs do género. As várias referências populares deixam abertura à interpretação de qualquer um.
O humor de Derradé é um humor que não critica forçosamente e não ofende qualquer princípio ou ideal. Na verdade, não me parece existir um humor seletivo. É por isso uma história sempre animada, com o típico exagero que encontramos no género da comédia, mas também com consequências e espaço para o desenvolvimento pessoal dos personagens.
Ou seja, Bernardo Duarte, o protagonista d’ A Loja não é apenas um meio para atingir um fim; não é apenas um personagem formatado para que se faça o enredo ter piada; não é uma qualquer cabeça falante. O B. D. é um personagem com o seu próprio desenvolvimento do início ao fim da história e a piada está na sua maneira de ser, nas ações em que se envolve, nas decisões que toma ou até nas abordagens que lhe são impostas exteriormente. Chegando ao final, podemos até sentir uma certa empatia pelo personagem e não apenas aquela ideia de que só serviu para nos fazer rir, mas rapidamente esquecemos o seu nome e o seu aspeto físico.
Inúmeras referências a bandas desenhadas, a figuras reais dentro do meio e até às obras anteriores do próprio autor, bem como a presença do próprio no decorrer do enredo, tornam a envolvência da história bem mais caraterística e palpável – dentro da medida do possível. Estas abordagens foram feitas de uma forma absolutamente modesta. Derradé não nos deu aqui a premissa genial e arrepiante de um novo e grandioso clássico, não nos traz uma banda desenhada complexa, mas, pelo contrário, uma obra bastante acessível e de um carisma tão simples quanto divertido! O autor tem a plena consciência da obra que criou e é isso, essa consciência, um dos seus trunfos.
Para mim, a obra tem um explícito sentimento de maturidade criativa. Ao ler as páginas d’ A Loja podia dizer automaticamente que o Derradé teve um gozo enorme ao realizá-lo. É uma coisa que se sente no desenho e na escrita e por isso passa tão bem o sentimento ao leitor.
A leitura torna-se instintiva e, para um leitor como eu, que não se via fã do género cómico na banda desenhada, Derradé conseguiu convencer-me completamente! Desta obra, só levo boas recordações e boas imagens, além da prova de que Derradé não só é um grande fã de The Clash, como também um grande argumentista de banda desenhada do género humorístico.
Anseio pela oportunidade de adquirir e ler as anteriores obras publicadas por este autor e A Loja é uma sugestão que deixo a quem não conhece o seu trabalho.
Rafael Marques tem 24 anos durante o ano de 2020. É músico em Lisboa e faz disso a sua profissão. A restante parte do seu tempo é dedicada ao sono, ao gaming e à leitura de banda desenhada, que terá descoberto como uma das suas maiores paixões entre 2018 e 2019, quando se envolveu numa relação com uma artista/ilustradora. Rafa é um apaixonado por tudo aquilo em que trabalha. Em segredo, escreve argumentos para banda desenhada, que são executados em belas pranchas pela sua companheira. Ainda sonha um dia vir a ser mordido por uma aranha radioativa…