Via Sacra

Via Sacra

Um olhar ao terceiro volume de Gideon Falls.

Se Jeff Lemire é um autor de banda desenhada cuja popularidade tem vindo a crescer entre os leitores de banda desenhada portugueses, graças à aposta contínua da edição parcial da sua obra pela G. Floy (Descender, Roughneck) e a Levoir (Black Hammer), a verdade é que é um nome que há bastante tempo é mencionado no nosso site, seja sob a forma de elogio em entrevista aos autores nacionais Carlos Pedro e André Oliveira, seja num artigo sob o personagem da Marvel Cavaleiro da Lua (Moon Knight, no original) onde também se louva a fase deste por Lemire, seja a própria publicação dos seus trabalhos na DC e Marvel em Portugal pela Levoir (Batman/Superman vol. 1, #10; em Super-Homem & Batman: Antologia) e a Goody (Thanos ou, na série de revistas X-Men, O Velho Logan).

É precisamente na segunda série norte-americana Old Man Logan, que também contou nalguns números com a arte do português Filipe Andrade, que os leitores portugueses tomaram o primeiro contacto com o duo criativo Jeff Lemire e Andrea Sorrentino.

O italiano Sorrentino, de quem os portugueses já podiam ter lido Civil War II #7 em Os Vingadores vol. 9 da Goody, tinha mostrado todo o seu potencial na minissérie de O Velho Logan (Goody, 2017), escrita por Brian Michael Bendis. E na coleção X-Men da Goody, onde a série seguinte de O Velho Logan foi publicada, agora escrita por Lemire, Sorretino começou a ousar e experimentar mais ainda, não tendo, infelizmente, os leitores nacionais podido apreciar todo o seu trajeto em português europeu devido à insolvência da editora portuguesa. No entanto, os leitores portugueses das revistas brasileiras da Marvel da Panini puderam acompanhar a evolução da arte de Sorrentino até ao final, com o último número da série a ser distribuído nos nossos pontos de venda de periódicos em junho deste ano.

Nesse sentido, sendo o primeiro volume de Gideon Falls cronologicamente sobreponível ao último de O Velho Logan, não será de estranhar que as inovações e soluções apresentadas em ambas as obras sejam semelhantes, não tendo a mainstream Marvel amputado o trabalho de Sorrentino, provavelmente graças ao sucesso do público e da crítica.

Já tendo sido analisados os dois primeiros volumes de Gideon Falls, no nosso site, centremo-nos no mais recente editado pela G. Floy em Portugal, Via Sacra. O misterioso celeiro – uma estrutura ícone norte-americana das mais variadas obras de ficção especulativa em geral e do terror em particular – torna-se uma parte importante da ação, não podendo Lemire prolongar a sua participação na narrativa somente como o elemento incógnito que coloca as mais diversas questões e dúvidas nos personagens da série. Aquela edificação isolada e sombria onde não habita ninguém – talvez por isso tão presente na ficção dedicada ao sobrenatural – adquiriu uma função semelhante à de um portal, a relembrar a ponte coberta do romance NOS4A2 de Joe Hill, entretanto adaptado a série televisiva na AMC.

Cabe a Lemire, à medida que vai respondendo às questões, colocar outras ou complexificar as anteriores, de modo a manter o interesse do leitor da série, cujos primeiros dois volumes conquistaram a nossa equipa:

Há muito tempo que não lia uma história de terror tão cativante. Lemire mistura temas tão complexos como fé ou psicose, em que o traço de Sorrentino encaixa que nem uma luva. A trama adensa-se, continuando a prender-nos até à última página. A arte de Sorrentino continua a ser a cereja no topo do bolo.

– Rodrigo Ramos (Bandas Desenhadas31 de janeiro de 2020 | 30 de abril de 2020)

Apesar do leitor conseguir localizar algumas das inspirações de Lemire na construção da narrativa, a mesma consegue alcançar a originalidade dentro do género de terror. Sorrentino é a arma secreta para que tudo funcione em pleno! Após um primeiro volume promissor, Gideon Falls não desaponta com Pecados Originais e deixa o leitor a salivar pelo terceiro. Somente isso já é um grande feito!

– Nuno Pereira de Sousa (Bandas Desenhadas29 de fevereiro de 2020 | 30 de abril de 2020)

Uma narrativa deveras interessante, com uma arte perfeitamente adequada. Avisa-se o leitor apressado que a releitura da obra recompensa quer a nível gráfico, quer de argumento.

– Susana Figueiredo (Bandas Desenhadas29 de fevereiro de 2020 | 30 de abril de 2020)

Um argumento que nos prende da primeira à ultima página! Lemire continua a fazer-nos «viajar» até Gideon Falls!

– Carla Ramos (Bandas Desenhadas30 de abril de 2020)

A escrita, muito bem desenvolvida, e o traço mais realista de Sorrentino dão à obra um aspeto menos comum que o das típicas publicações das grandes editoras americanas, como uma lufada de ar fresco, a que a Image Comics vai dando espaço.

– Rafael Marques (Bandas Desenhadas10 de março de 2020)

Quanto a Via Sacra, já foi considerado “menos assustador” (Susana Figueiredo – Bandas Desenhadas30 de junho de 2020), quiça devido ao incógnito começar a ser parcialmente substituído por algumas explicações; já originou que se louvasse novamente a arte e experimentalismo de Sorrentino (NPS – idem); e, inclusivamente, já se referiu o uso da máscara como um curioso prenúncio da atualidade que atravessamos (ibidem).

Este terceiro volume, que reúne os comic books #12-16, brinca com o tempo, mostrando-nos acontecimentos passados em diferentes épocas, à primeira vista todas dentro do mesmo contínuo temporal, interrogando-se o leitor se o futuro mostrado tem o dom de ser inevitável ou não graças às viagens no tempo.

A negra escuridão e o sanguinolento vermelho oxigenado (não será por acaso que Dave Stewart foi galardoado este ano com o Prémio Eisner de melhor colorista) continuam a ser dois componentes basilares na obra. Repare-se, por exemplo, que estando os dois inicialmente ausentes na primeira página e início da segunda página do #16, onde a inocência da meninice impera no cenário bucólico, rapidamente regressam para nos relembrar de que a relação entre Clara e Danny jamais poderá regressar aos seus primeiros anos de vida.

Passado, presente, futuro… Tudo está manchado! Que assim permaneça…

Deixa um comentário