Alix: A quatro mãos

Alix: A quatro mãos

Os volumes 20 a 23 de Alix.

Após a publicação de O Cavalo de Tróia, em 1988, a série Alix não vê um novo álbum durante oito anos.

E quando regressa em 1996 com Ó Alexandria, embora o nome de Jacques Martin seja o único a figurar na capa, nos bastidores está a longa pesquisa e a ajuda no desenho por parte de Rafael Moralès. A imprescindível participação de Moralès nos álbuns seguintes de Alix passa a ter reconhecimento visível nas capas a partir de Les Barbares, onde figura ao lado e com o mesmo destaque de Jacques Martin.

De facto, embora seja Martin a escrever os argumentos, a fazer a planificação das pranchas e esboços das mesmas, o desenho e a arte-final está agora a cargo de Moralès. Os problemas de visão de Jacques Martin já não lhe permitem entrar no detalhe de cada vinheta.

No período aqui compreendido, cada álbum de Alix passa agora a ser um trabalho de equipa realizado a quatro e a seis mãos.

No seu todo, a série resente-se, pois o facto de deixar de desenhar parece libertar ainda mais a veia erudita de Martin, que se estende por longos diálogos, tantas vezes professorais, deixando a narrativa pouco emotiva.

Por outro lado, se os desenhos de Moralès são magníficos e extremamente detalhados no que diz respeito à arquitectura e à paisagem, o mesmo não acontece com os personagens, muitas vezes pouco expressivos e com posturas que parecem invariavelmente forçadas.

No período que medeia a publicação de O Cavalo de Tróia e de O Rio de Jade, Jacques Martin mantém-se imparável.

Em 1996, cria a série Viagens de Alix, ilustrada sumptuosamente por vários colaboradores e adoptada no sistema de ensino francês.

Termina a sua série Arno (época napoleónica) com mais 3 álbuns, sendo o último de 1997.

A série Jhen (época medieval) vê serem-lhe acrescentados 4 álbuns.

Cria Keos em 1990 (Antigo Egipto após a morte de Ramsés II), com desenhos de Jean Pleyers e 3 álbuns lançados, sendo o último de 1999.

Também em 1990, cria a série Orion (Grécia Antiga, no século de Péricles), da qual lança 3 álbuns, o último em 1998. Desenha o primeiro volume e metade do segundo. O álbum e meio restante é desenhado por Christophe Simon.

Por fim, em 2003, lança a sua última série, Loïs (no Século das Luzes), com desenhos de Olivier Pâques.

E tem tempo ainda para lançar mais 5 álbuns da sua outra série de grande sucesso, Lefranc.

Em 2003, recebe o prémio Saint-Michel pelo seu trabalho em banda desenhada.

20 – Ó ALEXANDRIA

Originalmente, é publicado em álbum em 1996 pela Casterman. Em Portugal, foi publicado pela ASA em 2002.

Alix e Enak são convidados por Sénoris a viajar até ao Egipto. Lá chegados, são conduzidos ao antigo templo de Ramsés III, em Luxor, onde encontram o seu amigo aprisionado.

Enquanto exercera o cargo de vizir, um estranho homem acompanhado de uma chita revelou-lhe o lugar onde estava escondido o tesouro da famosa e enigmática rainha Hatshepsut. Tendo tomado conhecimento do ocorrido, Ptolemeu XIII, o faraó-criança, irmão e marido de Cleópatra, prende-o e tortura-o com o intuito de lhe extrair a informação, mas sem sucesso.

Por sua vez, Alix e Enak, suspeitos de conhecerem também o segredo, são presos e submetidos ao suplício da crucificação. Mas Cleópatra manda libertá-los e tenta extrair-lhes o segredo com as suas artes de sedução.

Com a ajuda do homem misterioso, os dois amigos conseguem escapar e planeiam o salvamento de Sénoris.

Entretanto, durante o grande festival de Opet, Cleópatra prepara-se para fazer o irmão chegar ao seu destino final.

Ao contrário do que o título do álbum pode levar a pensar, a acção desenrola-se sobretudo em Tebas e Luxor e não em Alexandria.

Esta é a terceira incursão de Alix no Egipto durante o reinado de Ptolemeu XIII e de Cleópatra. As anteriores ocorreram em A Esfinge de Ouro e O Príncipe do Nilo.

E é também a terceira vez que Jacques Martin aborda o tema das radiações e do oricalco.

Os diálogos são, muitas das vezes, demasiado longos e sem propósito aparente para o ritmo narrativo. Aliás, servem até de entrave ao fluir do mesmo. O enredo é um pouco fraco e, ao contrário do que Martin nos habituou, sem grande interesse histórico. E a acção em si tem momentos muito estereotipados.

Salva-se o desenho, ainda com toques de Jacques Martin, e o traço meticuloso de Moralès, sobretudo na reconstituição arquitectónica, sujeita a demoradas e laboriosas pesquisas.

Bom exemplo disso é a reconstituição do navio, mandado construir por Ptolemeu IV, através de uma descrição de Dion Crassius, escritor romano da época.

O que se pode ver na imagem abaixo é uma mistura da construção naval tipicamente egípcia e do estilo arquitectónico grego. E incluía um templo triplo e um palácio real.

21 – LES BARBARES

Publicado originalmente em álbum em 1998 pela Dargaud. Não tem edição portuguesa.

O impressionante forte de Altus Rhenus domina uma parte do Reno, no extremo Norte do império romano. Porto seguro da 12.ª legião das Gálias, é comandado pela mão de ferro do tribuno Tullius Carbo.

Enviados por Júlio César numa missão secreta, Alix e Enak têm de descobrir tudo acerca da fortaleza e do comportamento de Carbo que muito irrita César.

Os dois amigos vão encontrar o forte num frenesim pois ultima-se uma expedição guerreira contra os germânicos. Sob o pretexto de se vingarem dos constantes ataques dos germânicos, Carbo e o comerciante Falcalus pretendem tomar de assalto os bárbaros e roubar-lhes bens preciosos, arranjar escravos e, sobretudo, apoderarem-se do âmbar (mais raro e valioso que o ouro) descoberto no mar Báltico.

Recrutados à força, Alix e Enak são obrigados a participar na expedição do louco ambicioso que vai deixando para trás aldeias em chamas enquanto desce o Reno em direcção ao mar.

Mal ele sabe que se está a meter na boca do lobo, pois os bárbaros preparam-lhe uma armadilha mortal. Para ele e para todos os que participam na expedição.

Este é o álbum da verdadeira mudança. Rafael Moralès é agora o desenhador por inteiro. E se o seu traço é eficaz dentro da “linha clara” do seu mestre, falta-lhe, no entanto, a capacidade de dar alma ao rosto dos personagens.

A pesquisa histórica está bem patente na representação do exército romano e no seu modo de vida, e nos “bárbaros”, seus costumes e organização social.

O tema subjacente a todo o enredo é o da fraqueza humana face à ambição, ao jogo ou ao álcool. E Jacques Martin trata-o sem piedade, sobretudo quando a fraqueza se torna em ambição desmedida.

Como curiosidade, este é o álbum da zanga entre Jacques Martin e a Casterman, o seu editor habitual. Por isso, vemos que é publicado pela Dargaud.

22 – LA CHUTE D’ICARE

Publicado originalmente em álbum em 2001 pela Casterman. Não tem edição em português.

Em pleno mar Egeu, a ilha de Icária goza de uma extraordinária reputação graças ao seu santuário dedicado a Asclépio, o deus da medicina e da cura.

A sumptuosa cidade, perto da sua enseada, é dominada por um promontório onde, segundo os seus habitantes, Ícaro teria levantado voo com o seu pai Dédalo e, por voar alto demais, teria mergulhado para a morte no Egeu. Aí, os habitantes ergueram a Ícaro uma estátua majestosa que domina do alto a enseada portuária.

Alix e Enak chegam a Icária ao mesmo tempo que estranhos navios acostam numa parte deserta da ilha. Alix, que assiste a tudo, avisa a pequena guarnição romana que toma conta da cidade e assim todos têm tempo de se proteger por detrás das muralhas.

Os atacantes são piratas coríntios, liderados por Arbacès, o velho inimigo de Alix que todos julgavam morto.

O cerco começa e o fim parece ser inevitável, para a cidade caída, tal como o seu herói, no torpor da fama e glória.

O argumento de Martin é simples, mas não deixa de ser eficaz. Uma cidade adormecida pela glória passada, incapaz de fazer frente a um grupo de piratas invasores. A pretexto de uns e de outros, o mito de Ícaro e o problema de se querer sempre mais, seja voar mais alto, seja ter mais riquezas.

Na trama, para além dos nossos heróis, ressurgem dois personagens já conhecidos: Arbacès e Numa Sadulus.

Arbacès é o arqui-inimigo de Alix, tendo surgido logo no primeiro álbum da série, Alix o Intrépido, onde compra o jovem gaulês como escravo. Reaparece em A Esfinge de Ouro como uma entidade egípcia, em A Ilha Maldita como ministro de Sardon e como vizir em A Tiara de Oribal.

Já Numa Sadulus surgiu pela primeira vez em Herkios, o Jovem Grego e voltou a aparecer em Vercingétorix.

As reconstituições são, como sempre luxuosas e magníficas. Embora, desta feita, não se possa falar propriamente de reconstituição, pois Jacques Martin cria esta Icária de raiz. E Moralès dá-lhe ruas, templos, estátuas de tal modo detalhados que a torna absolutamente credível.

A falta de credibilidade surge quando nos detemos no desenho dos personagens. Moralès é assistido por Marc Henniquiau no desenho dos rostos, mas, mesmo assim, encontramos a cada página erros constantes: erros de proporção nos corpos (pernas muito longas, cabeças muito pequenas, etc), posturas desajeitadas e fisionomias inexpressivas.

23 – O RIO DE JADE

Publicado originalmente em álbum em 2003 pela Casterman. Em Portugal foi publicado pela ASA em 2004.

Quarta incursão no Egipto por parte de Alix. Ele e Enak são agora convidados de Cleópatra. Mas não se julgue que o convite resulta da amizade que ela tem pelos dois. Na verdade, estando o tesouro real delapidado, e desejando consolidar as suas fronteiras a sul, a Rainha aceita fazer com que Alix e Enak caiam numa armadilha a troco de uma fortuna a ser paga pelo príncipe Djerkao de Assuão. Este pretende realizar o casamento forçado da sua irmã Markha com Enak, que julga ser o herdeiro de Menkhara.

Mas Markha parece mais apaixonada por Alix do que por Enak. Com a sua ajuda, os nossos heróis conseguem fugir. Contudo, são perseguidos de modo implacável pelos homens de Djerkao.

Chegados a um braço do Nilo que tem uma estranha cor de jade, Alix e Enak descobrem um segredo guardado há incontáveis gerações – a existência de uma raça de Titãs.

Este é considerado, geralmente, o pior álbum da série.

O argumento passa de básico (embora trate a questão dos casamentos forçados) a inverosímil quando somos chegados à raça de Titãs africanos (que nada têm a ver com os gregos).

A falta de profundidade dos personagens, os diálogos e a intriga sem consistência, e a aparição dos gigantes meio-homens meio-qualquer-outra-coisa chegam a ser ridículas.

Para além disso, os dois heróis estão constantemente a perder o protagonismo para personagens secundários.

Quanto ao desenho, no começo somos brindados com magníficas imagens de Alexandria (agora sim!) e, durante a viagem pelo Nilo em direcção à Núbia com imagens detalhadas de margens exuberantes, povoações e templos grandiosos.

O problema surge de novo com o desenho dos personagens em poses bizarras, de rostos estáticos, tantas vezes transmitindo uma ausência total de movimento.

E, por fim, há os Titãs, seres bípedes com cabeça de réptil e que, supõe-se, deveriam ser aterradores. Mas o traço de Moralès não os torna credíveis.

Continua…

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