A Casa e o mais recente Prémio Eisner de Paco Roca.
Qualquer “bedéfilo” que como tal se considere, saberá que os prémios Eisner se tratam do mais alto galardão da banda desenhada. Nem todos concordarão com as nomeações e com os vencedores, mas todos reconhecerão o significado de tal premiação. A atribuição de um Eisner acarreta sempre um enorme reconhecimento da obra e/ou dos autores vencedores, causando, por sua vez, maior curiosidade nos leitores que ainda não conheçam.
Foi então um dos prémios Eisner de 2020 que fomentou a minha curiosidade pela obra que analiso hoje, A Casa de Paco Roca.
Foi a 21 de outubro de 2016 que a Levoir editou, no nosso país, a versão portuguesa de A Casa, originalmente La Casa (editada em 2015 pela primeira vez em Espanha), de Paco Roca.
Foi então, em 2019, que a obra foi adaptada, pela Fantagraphics, à versão inglesa publicada na América do Norte e foi no presente ano de 2020 que foi atribuído à obra o prémio Eisner de Melhor Edição Norte-Americana de Material Internacional.
O formato da obra é um tanto peculiar. Não será a primeira vez que vemos um álbum de banda desenhada numa orientação horizontal, mas não é, de todo, uma visão a que os leitores estão muito habituados.
Apesar de parecer um livro pequenino e modesto e de termos esta orientação horizontal geralmente mais associada a livros infantis, é refrescante segurar em leitura um livro cuja disposição diverge da norma.
Em termos de conteúdo, A Casa é exatamente o tipo de banda desenhada que espero encontrar em edições europeias. É claro que parece uma afirmação bárbara, pois é certo que temos variados registos e géneros de banda desenhada em toda a Europa, mas quero com isto dizer que, enquanto novato na cena da banda desenhada, em geral, este é o tipo de livro que parece destacar maior diferença dos periódicos mensais tipicamente americanos. Espero ver em Portugal, Espanha, França e Itália, principalmente, livros como A Casa. Em que sentido?
Refiro-me à criação de narrativas simples, do comum, do vulgar, do rotineiro, da vida em si, e transbordá-las de sentimentos e emoções que mexem com o leitor. Refiro-me a um tipo de banda desenhada muito realista, mas também muito emotivo e refiro-me a obras de aspeto humilde.
Abraçamos este livro a partir da capa, modesta e simples, e emergimos na ação de forma empática. Este vai ser o tipo de livro com que facilmente nos identificaremos de alguma forma, ou com um dos irmãos, que se juntam para fazer obras na casa, ou com o pai da família em questão (embora já falecido), ou ainda com os netos mais jovens. Há lugar em qualquer um dos mencionados para que nos reencontremos.
Só no final, já no epílogo, descobri que a obra se trata de uma homenagem ao pai do autor e, apesar de ter sentir a enorme carga emotiva da obra ao longo das páginas, apenas no fim comecei a sentir que, de facto, a narrativa parecia tomar um caminho cada vez mais pessoal. Atento que os personagens são fictícios e a relação estabelecida pelo autor com o seu próprio pai (que falecera também pouco antes deste decidir criar a obra) não impede em nada a reinterpretação do leitor. Podíamos ler a obra inteira sem saber da questão da homenagem e esta não seria menos impactante.
O desenho de Paco Roca é simples e modesto, sem extravagâncias nem detalhes aprofundados, suficiente para não deixar dúvidas no desenvolvimento. A conjugação entre ação e silêncios é magnífica e o propósito da ilustração está tão bem destacado quanto o do diálogo. À medida que progredimos na leitura, sentimo-nos mais próximos dos personagens, como se fizéssemos parte do plano traçado por Roca.
A paleta de cores utilizada é também ela muito bela, refletindo perfeitamente a bonita casa de campo e as paisagens rurais envolvidas num bonito jogo de luz e sombras.
O sentido emotivo da obra está muito bem focado, sem exageros ou subtilidades. Não se trata de uma tragédia ou de um livro triste, mas sim de uma celebração da vida e do poder das memórias.
Paco Roca não pretende deixar o leitor triste ou melancólico, mas sim apresentar uma bonita história de laços familiares e de memórias inesquecíveis.
Um livro que me deixou a pensar e a refletir sobre algumas das questões da vida. Paco Roca sabe mostrar aquilo que sente através da sua arte e não nos força a compreendê-lo, mas em vez disso abre-nos o caminho para o interpretar.
“Não precisamos desta casa para recordar o pai”
Rafael Marques tem 24 anos durante o ano de 2020. É músico em Lisboa e faz disso a sua profissão. A restante parte do seu tempo é dedicada ao sono, ao gaming e à leitura de banda desenhada, que terá descoberto como uma das suas maiores paixões entre 2018 e 2019, quando se envolveu numa relação com uma artista/ilustradora. Rafa é um apaixonado por tudo aquilo em que trabalha. Em segredo, escreve argumentos para banda desenhada, que são executados em belas pranchas pela sua companheira. Ainda sonha um dia vir a ser mordido por uma aranha radioativa…