
O grande desfecho da série Harrow County.
Ao longo dos primeiros meses que me voluntariei para colaborar com este grande site da banda desenhada em português, desenvolvi um foco especial para algumas séries específicas. Na altura ainda me adaptava ao conhecimento de novos materiais para análise e encontrar edições nacionais a meu gosto foi uma procura um tanto complicada. Mas aos poucos lá me fui ambientando.
Harrow County era uma série que estava já a acompanhar na sua versão original ainda antes de conhecer sequer o Bandas Desenhadas e foi, por isso, uma das primeiras sugestões de análise.
Passados todos estes meses e depois da redação de tantos artigos variados, reencontro-me com Harrow County para concluir a análise à série. Para completar, venho agora com as duas últimas obras que restavam analisar, tal como prometido na última resenha. Refiro-me então ao volume sete (As Trevas Aproximam-se) e ao volume oito (Um Último Regresso).

Harrow County foi, no mínimo uma viagem interessante. Foi um total de oito volumes que perfez a série original de Cullen Bunn e Tyler Crook. Série que foi, sem dúvida uma das maiores apostas de edição da G.Floy em Portugal, que terá editado e publicado a totalidade da mesma entre 2016 e 2020.
Os dois últimos volumes da série trazem uma maior inquietação que os anteriores. Se a série já antes se focava no macabro, é nos últimos dois volumes abraça completamente esse lado. Quase nos deixamos enganar pelas bonitas pranchas aguareladas. Quase podiam ter sido tiradas de um conto clássico infantil.
Claro que a premissa de Harrow County nunca tentou enganar o leitor e talvez o maior choque esteja mesmo assente na beleza da arte, que quase nos faz procurar a esperança no belo, uma ideia quase certa de que tudo correrá bem no final. Mas Crook nega-nos essa esperança brilhantemente ao apresentar a sua visão macabra e sinistra de um mundo menos colorido em Harrow County. Não me canso de ficar a adorar a forma como colora o sangue nesta obra. É de uma enorme simplicidade, todavia, soberbo.

As Trevas Aproximam-se apresentou-nos mesmo o que esperamos do seu título, “o aproximar do fim”. Neste livro, Bunn surpreendeu-me bastante, indo além do esperado. Ao contrário do que esperava enquanto leitor, Emmy (a protagonista) acabou por se corromper pelo poder, cometendo o ato atroz de consumir a carne da sua própria irmã como forma de consumir também o seu poder. A horrenda ideia fora sugerida num volume anterior, no entanto, jamais acharia que Bunn daria a Emmy a vontade para o fazer mesmo antes do término do sétimo volume. A forma como a situação se desenrola torna este num dos momentos mais impactantes de toda a série. O culminar deste mesmo acontecimento dá vida à bruxa Hester e dá-se então o enorme cliffhanger, que deixaria qualquer fã em suspense absoluto. Claro que todos os volumes abriram caminho para um final que sabíamos ser inevitável, mas será esta uma conclusão espectável?
No último volume, prossegue o trabalho soberbo de Crook, com as cores a serem sempre concebidas tradicionalmente, dando desde sempre à série um sabor tão especial e único. Não tenho dúvidas de que Harrow County exibe uma das mais bonitas conceções artísticas da banda desenhada dos últimos anos. A dedicação e cuidado são notáveis.
Nada tenho a acrescentar quanto a este campo. Harrow County continua a ser, na sua conclusão, uma série lindíssima em termos artísticos.
Em termos da premissa, Bunn merece todo o meu reconhecimento e tiro o chapéu pela sua opção para o final. Não podemos avançar que se trata de um final infeliz, mas diria que não é totalmente feliz. Emmy vence no fim, mas acaba por seguir um caminho de não retorno e a faceta, que tanto insistiu em negar, revelou-se afinal de contas. A pureza da personagem fora corrompida ao longo de todos os oito volumes, mas é no grande final que a jovem Emmy fica marcada pela escuridão para sempre.
Este último é um volume repleto de cores escuras, cenários arrepiantes e possibilidade arrepiantes.

No seu todo, a série termina de uma forma nostálgica e que, certamente, deixará saudade pelo seu ambiente tão único e querido. Em geral, esta foi muito bem conseguida, com uma arte lindíssima e um argumento que, embora longe de brilhante, foi sempre bastante coerente e original. Harrow County não chega a ser uma banda desenhada assustadora ou psicologicamente desconcertante, mas consegue ser, em parte, horripilante, negra e até perversa.
O único ponto menos positivo que desejo apontar encontra-se na organização dos capítulos pelos volumes. Para cada volume, o autor compilou quatro números (capítulos) da série, o que sabemos ser um número baixo, uma vez que, na maioria dos casos, costumamos ter cinco ou seis. Dito isto, quatro números em Harrow County ficaram sempre a saber a pouco. Não podemos culpar a edição pela opção do próprio autor, mas em alternativa teria sido mais proveitoso termos compilações de dois volumes em um, tal como vimos mais recentemente a G.Floy fazer com o seu mais recente volume de Outcast (O Novo Caminho/Invasão).

Para deleite de muitos fãs, o universo de Harrow County não se fica por aqui e, em dezembro de 2019, a Dark Horse Comics, editora original da obra, começou a publicar uma nova série, Tales From Harrow County, derivada da original, dando o protagonismo a Bernice (a melhor amiga de Emmy) durante o primeiro volume.
Se viremos a ter futuramente edição portuguesa desta série por parte da G.Floy? Para já, podemos apenas especular…

Rafael Marques tem 24 anos durante o ano de 2020. É músico em Lisboa e faz disso a sua profissão. A restante parte do seu tempo é dedicada ao sono, ao gaming e à leitura de banda desenhada, que terá descoberto como uma das suas maiores paixões entre 2018 e 2019, quando se envolveu numa relação com uma artista/ilustradora. Rafa é um apaixonado por tudo aquilo em que trabalha. Em segredo, escreve argumentos para banda desenhada, que são executados em belas pranchas pela sua companheira. Ainda sonha um dia vir a ser mordido por uma aranha radioativa…