
Investigando “O Fantasma de Gaudí”.
Falando novamente de livros que nos “conquistam” pela capa… O Fantasma de Gaudí foi mais um exemplo. Provavelmente uma das capas mais bonitas e misteriosas apresentadas nas coleções Novela Gráfica da Levoir. Claro que a beleza da capa será sempre subjetiva ao leitor e, portanto, esta pode ser apenas uma noção minha, tal como esta resenha o é.
Sobre Gaudí, sabia (e continuo a saber) muito pouco. Nunca fui muito interessado em belas artes ou arquitetura em geral e, apesar de Gaudí ser um daqueles nomes que não pude evitar ouvir desde cedo, o conhecimento e interesse por esta personagem histórica nunca foi por mim aprofundado. Nunca negaria a beleza dos seus trabalhos e a famosa salamandra do parque Güell é um símbolo que recordo desde miúdo. Relembro, com alguma nostalgia, um desenho animado que via durante a minha infância, que era baseado na arte de Gaudí (que após uma pesquisa rápida verifiquei chamar-se Viva Gaudí ou, originalmente, Howdi Gaudí). Além desta série de animação, seguem-se umas noções básicas adquiridas na disciplina de História (talvez História A?). Inegável dentre todas estas pequenas noções está a exuberante utilização de cor nas obras do arquiteto catalão. Se alguma caraterística visual identifica instintivamente as suas obras, esta tem de ser a magnífica paleta de cores por si usadas. E aqui está uma associação básica até para os, como eu, tenham muito pouco conhecimento do trabalho e legado de Gaudí.

Publicação original pela Dibbuks em 2015 na Espanha, O Fantasma de Gaudí foi editado em Portugal em junho de 2018 pela Levoir, tendo sido encaixado na quarta série Novela Gráfica. O argumento da obra foi escrito por El Torres e arte pertence a Jesús Alonso Iglesias.
Começo pela arte, pois este é, sem dúvida, um aspeto que, não só não passa despercebido na obra em questão, mas tem um impacto inegável.
Assim que abri o livro e vi a arte, confesso ter ficado confuso, mas também curioso. Pela sinopse que indica tratar-se de um thriller criminal, a última coisa que esperava era o traço e a cor de Iglesias, que dão à obra uma visão e um ambiente bastante cartunescos. Não, em vez disso pensei sempre que encontraria neste tipo de premissa uma arte crua e realista, uma vez que apenas pela capa não conseguimos ter uma ideia exata do estilo que nos será apresentado no interior.
Assim, a experiência de leitura da obra foi completamente nova e, portanto, a questão da junção destes dois tipos tão distintos de arte e premissa foi mais um aspeto que me motivou à aquisição da obra.
Depois do Presas Fáceis de Miguelanxo Prado, achei que a experiência de uma banda desenhada policial espanhola seria, pelo menos divertida. Foi nesse sentido que O Fantasma de Gaudí me chamou à atenção.
Este é um álbum extremamente colorido (como as obras de Gaudí), animado, quase como uma banda desenhada infantil com um elevado sentido de maturidade. A arte agradou-me bastante e, apesar de não ter tido muita fé em que esta junção de arte e argumento resultariam, acredito que o duo o conseguiu fazer resultar.

É fácil pensar que a premissa teria seguido um sentido completamente diferente, pelo menos para o leitor, caso a arte apresentada fosse mais realista e crua, mas não creio que fosse mesmo esse o objetivo de Torres. Por assim dizer, se o objetivo era homenagear Gaudí e, simultaneamente, desenvolver uma premissa policial divertida, este foi conseguido. Admito ser mais apreciador de histórias sérias ou cruas neste sentido, quando o género é policial, mas ser surpreendido e sair da “zona de conforto” pode sempre ser igualmente bom.
A premissa desta obra não é genial nem é complexa, mas faz jus ao seu objetivo. Num plano simples, Torres explora as estruturas arquitetónicas de Gaudí e o seu forte impacto na cidade de Barcelona e apresenta ao leitor uma história suficientemente original e cativante para que a obra não se torne apenas numa espécie de livro documental sobre a arte de Gaudí. Assim, acompanhamos um chefe detetive na resolução de um caso de assassinato em série e uma vítima (que, apesar de sobreviver) acaba por ser apanhada no meio desta situação sem que se aperceba da razão para tal. Este enredo parece simples e certamente já lemos policiais com casos semelhantes, mas o que o torna único aqui é a magistral homenagem a Gaudí, que me parece muito bem conseguida.
O livro lê-se rapidamente e o caso não é difícil de resolver logo após algumas páginas e os primeiros homicídios, mas a minuciosidade dos espaços e ambientes traçados por Iglesias dão a Barcelona um aspeto palpável e belo que quase nos faz querer viver a cidade também. Além de tudo isso, há pequenos trechos explicativos durante a resolução dos casos. Torres obriga o seu próprio personagem detetive a aprender um pouco mais sobre o trabalho arquitetónico de Gaudí na cidade de Barcelona para que possa também compreender o que motiva o assassino, que parece agir “em nome” do famoso arquiteto.

É uma obra que deve ser contemplada com carinho e, apesar de não ser forte na originalidade, é prática e concisa, deixando ainda bastante espaço para o deslumbre das paisagens brilhantemente executadas por Iglesias e também para algum divertimento ao longo dos acontecimentos. Creio que poderia ter ganho bastante numa visão mais séria e negra, mas não devo julgar as decisões do escritor, uma vez que através de uma perspetiva diferente acabaríamos por perder o “entretenimento colorido” que a obra assim nos deu e ser-nos-ia apresentado uma obra também ela completamente diferente, para melhor ou para pior.

Rafael Marques tem 24 anos durante o ano de 2020. É músico em Lisboa e faz disso a sua profissão. A restante parte do seu tempo é dedicada ao sono, ao gaming e à leitura de banda desenhada, que terá descoberto como uma das suas maiores paixões entre 2018 e 2019, quando se envolveu numa relação com uma artista/ilustradora. Rafa é um apaixonado por tudo aquilo em que trabalha. Em segredo, escreve argumentos para banda desenhada, que são executados em belas pranchas pela sua companheira. Ainda sonha um dia vir a ser mordido por uma aranha radioativa…