
Análise à série televisiva.
The Boys é uma obra escrita por Garth Ennis e ilustrada por Darick Robertson que representa uma distopia num universo em que os super-heróis se comportariam como sociopatas, tendo em conta que seriam bem mais fortes e poderosos do que a população em geral. Já Alan Moore, na sua obra de arte Watchmen, referia “who watches the watchmen?” – numa tradução livre será “quem vigia os vigilantes?”, que foi pela primeira vez utilizada por Juvenal, poeta romano. A frase em latim é Quis custodiet ipsos custodes? A questão que se levanta é pertinente. Afinal, num mundo como o nosso, em que o dinheiro e o seu poder são as coisas mais importante, como é que os indivíduos que têm super-poderes lidam com isso?
Entretanto, foi desenvolvida por Eric Kripke uma série televisiva para a plataforma de streaming Amazon Prime Video, em 2019, existindo algumas diferenças entre a série e a banda desenhada. Por exemplo, na BD todos os membros dos The Boys utilizam o composto V (droga que potencia o desempenho físico) e na série apenas Kimiko a utiliza; a esposa de Billy Butcher está viva na série; quem quem está à frente da Vought International na série é uma mulher, Madelyn Stillwell, e na revista é James Stillwell, um sociopata da pior espécie; o A-Train é negro na série…
A série fala de dominação e como esses super-seres são dominados pelo dinheiro, fama e as suas reputações pela empresa Vought International, a qual os representa e disponibiliza no mercado produtos como t-shirts que os torna conhecidos por todos e uma peça de marketing. Ou seja, vende a sua imagem para entretenimento das massas. Para a escola de Frankfurt, (Theodor Adorno e Max Horkheimer, considerados pensadores da teoria crítica), a ideia de cultura de massa perfaz uma noção de que existe um tipo de produção cultural industrial para satisfazer as necessidades de uma indústria capitalista, que vende os seus produtos culturais como se fossem algo que se compra num supermercado.
A ideia que a Vought International passa é que precisamos de super-humanos para nos defender, ou seja, criam uma imagem de ameaça constante que passa pelos meios de comunicação… O medo é uma questão humana – Jean-Paul Sartre, filósofo francês, refere “Todos os homens têm medo. Quem não tem medo não é normal; isso nada tem a ver com a coragem”. No âmbito da questão sobre os efeitos diretos e indiretos da violência na TV nas crianças e nos jovens, podem-se citar dois estudos feitos em Portugal.
O primeiro inquiriu 3928 sujeitos entre os 9 e os 17 anos acerca do tempo diário de exposição à TV e acerca dos seus heróis preferidos no ecrã. Os resultados mostraram: 1) que o tempo médio diário de exposição à TV durante a semana é de 2h 12m e que 10% das crianças do 1.º ciclo e 7% das do 2.º ciclo veem mais do que 4h diárias; 2) que os heróis preferidos pela maioria dos jovens telespetadores são heróis violentos pró-sociais – usam a violência instrumentalmente, tendo como objetivos últimos a reposição da ordem e da justiça violadas; e 3) são os espetadores mais assíduos (exposição superior a 4h diárias) que mais preferem este tipo de heróis, enquanto os espetadores menos assíduos (exposição inferior a meia-hora diária) preferem os heróis não violentos.
Outro estudo efetuado envolveu 363 adolescentes, entre os 14 e os 18 anos, acerca das suas perceções de medo de vitimação, de locus de controlo e de confiança nos outros, bem como acerca da sua exposição diária à TV. Tendo como variáveis independentes o tempo de exposição à TV e o género dos sujeitos, mostrou que estas duas variáveis interagiam significativamente para modular o fator medo-controlo externo: com maior exposição à TV, as raparigas intensificam a crença na probabilidade de serem vítimas de violência e na perceção de controlabilidade externa nessas situações, enquanto os rapazes reduzem o medo de vitimação e aumentam a perceção de controlabilidade pessoal nessas mesmas situações. Os resultados são discutidos à luz da teoria da inculcação de crenças (Gerbner et al., 1979) enquanto efeito indireto da exposição elevada à TV.
A série mete em causa o que é o bem e o mal e que um está dependente do outro. Afinal, a polícia precisa de pessoas que quebrem a lei – só assim se tornam necessários. Para Sócrates, filósofo grego, “existe apenas um bem, o saber, e apenas um mal, a ignorância”. Para Mario Quintana, poeta brasileiro “no fundo, não há bons nem maus. Há apenas os que sentem prazer em fazer o bem e os que sentem prazer em fazer o mal”.
A série tem uma forte vertente sexual – tal como a banda desenhada, que é sexualmente explicita e tem uma linguagem para adultos, portanto não é recomendada para pessoas com menos de 18 anos. Aliás, as primeiras publicações deram-se na chancela Wildstorm da DC Comics, a qual, desconfortável com o confronto aberto com a ideia dos super-heróis serem os “bons” e o conteúdo sexual, cancelou a mesma e reverteu os direitos da série para os seus autores para que pudesse ser publicada noutra editora. A fevereiro de 2007, a Dynamite Entertainment começa a publicar a obra.
A série faz uma critica ao nacionalismo patético norte-americano e à religião, com a ideia dos supers terem os seus poderes devido a deus e ao constante apelo ao nacionalismo através da bandeira americana e afirmações dos heróis defenderem os EUA.
Por outro lado, tal como na BD, faz uma critica ao sistema económico vigente. Segundo Karl Marx, filósofo alemão do século XIX, “o capitalismo trás alienação e o estranhamento das pessoas face à sua humanidade.”
A série conta com os atores Karl Urban, Jack Quaid, Antony Starr e Erin Moriarty nos principais papéis e um dos produtores é Seth Rogen, o famoso ator de filmes como Virgem aos 40 Anos e Alta Pedrada ou como voz na animação Panda do Kung-Fu.
Realce-se ainda a banda sonora da série, que conta com Clash, Iggy Pop, Jane’s Addiction e R.E.M..
Apesar das diferenças, quer a série da Amazon Prime Video (disponível em Portugal) quer a BD (inédita no nosso país) são duas boas apostas.

Apaixonado por BD, o seu livro preferido é “Maus” e tem mais livros que amigos (embora goste de amigos). Também acha que alguém devia erguer uma estátua ao Alan Moore. Dá-lhe muito prazer ver séries e filmes baseados nas mais variadas bandas desenhadas.