Os amigos malditos

Os amigos malditos

Uma leitura de Malditos Amigos de André Diniz.

Malditos Amigos de André Diniz é um livro que me chamou a atenção pelo título. Vi-o na biblioteca em Braga e li-o em duas metades. Estranhei a primeira metade devido ao grafismo e a segunda metade pelo tema. É tão musical!

Não compreendi bem a questão da depressão – e, por um lado, ainda bem, talvez na realidade nunca a tenha sentido. Contudo, tenho de dizer o que sinto: pareceu-me algo superficial o contacto com a mesma! Realmente, a depressão tem muitas faces. E não quer dizer que seja sempre profunda mas penso que todos conhecemos alguém que está profundamente descontente com a vida e que seja este descontentamento o seu estado de espírito sem cair em depressão. Esteja farto de tudo, de todos e principalmente da vida citadina, urbana, caótica e tóxica. Profundamente tóxica. Que nos adoece o “espírito” – e coloco entre aspas porque nunca se viu o “espírito”. Cientificamente, falando. E a depressão é algo mesmo sério. E Ramsés também o é. Talvez seja esse o seu problema. Faz falta rir.

Curiosidade: o nosso herói ou anti-herói – ou melhor, pessoa – é o Ramsés (nome de um forte faraó egípcio), um homem cansado, sem sentido de vida, sem a estrela do norte, sem a estrela Sirius a guiar-lhe o caminho pelo deserto da cidade,  sem caminho a percorrer. Cansado e triste. Mas cansado é apelido. É como se tivesse perdido todo e por completo o sentido de vida. Do viver. Do amor pela vida e desafio e aventura. Talvez a culpa seja da cidade. São Paulo. Da sua toxicidade. “Nas costas dos outros se veem as nossas” e Ramsés tem uma tatuagem enorme da qual nunca se poderá esquecer. É assim, como todas as outras. E, analisando, penso mesmo que Ramsés gosta do que faz. De tatuar. A dor. A alegria. A vida. Os olhares, as estrelas. Até a morte. Contudo, a vida – ou melhor, o sal dela, a amizade – tramou-o e ele nunca se restabeleceu. Um pouco passivo-agressivo. Não agiu na altura e como um grito que fica cá dentro, mais tarde ou mais cedo solta-se e faz muito mas muito mais “mossa”. E doença. E morremos sempre um bocadinho.

Nós, animais da espécie humana, somos incríveis comunicadores. Fomos programados para comunicar a vários níveis. É senso comum e não vou divagar muito sobre o assunto. Todavia Ramsés grita e aceita ajuda. E dou por mim, com pena. Porque foi tramado; e, na vida real, os que vão tramando, vão-se safando e os que são tramados, adoecem. No corpo, no “espírito”. Na alma. No cerne da questão. Cerebralmente. Emocionalmente. Adoecemos. E somos convidados à terapia. E lá se vai de espírito quebrado porque “é assim”. Somos o elo mais fraco. Não se faz mal, leva-se nas trombas e vai-se à terapia. O que é mesmo necessário. Contudo, talvez quem necessite também de terapia é quem mal faz!

Talvez a culpa seja de São Paulo. É como diz a música, “não existe amor em São Paulo”.

Não existe amor em SP

Não existe amor em SP
Um labirinto místico
Onde os grafites gritam
Não dá pra descrever
Numa linda frase
De um postal tão doce
Cuidado com doce
São Paulo é um buquê
Buquês são flores mortas
Num lindo arranjo
Arranjo lindo feito pra você

Não existe amor em SP
Os bares estão cheios de almas tão vazias
A ganância vibra, a vaidade excita
Devolva minha vida e morra afogada
Em seu próprio mar de fel
Aqui ninguém vai pro céu

Não precisa morrer pra ver Deus
Não precisa sofrer pra saber
O que é melhor pra você

Encontro duas nuvens
Em cada escombro, em cada esquina
Me dê um gole de vida
Não precisa morrer pra ver Deus

Não existe amor em SP
Um labirinto místico
Onde os grafites gritam
Não dá pra descrever
Numa linda frase
De um postal tão doce
Cuidado com doce
São Paulo é um buquê
(…)

– Kleber Cavalcante Gomes (Criolo, aka Criolo Doido)

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