The New Deal: expectativa contra realidade.
Começo este artigo colocando uma questão fulcral, que espero ver respondida até ao final, mas que não poderia deixar passar: de que trata a obra The New Deal de Johnathan Case?
The New Deal é a primeira obra do autor Johnathan Case a ser editada a nível nacional no nosso país. Foi em setembro deste ano (2020) que a Levoir, em parceria com o Público, publicou The New Deal na sexta entrada da sua sexta série da coleção Novela Gráfica. A obra foi originalmente publicada em 2015 pela Dark Horse Comics nos EUA e, embora não tenha sido premiada, recebeu várias nomeações para prémios importantes como os Reuben, Harvey e Oregon Book Awards. Apesar disso, o autor fora já premiado anteriormente com um Eisner com uma publicação também da Dark Horse.
E então de que trata afinal a obra?
Apesar da alegada dimensão social e política mencionada na sua sinopse, esta é, de facto subtil. Por isto, diria que é o exemplo perfeito de uma obra que não deve ser julgada pela sua sinopse e sobre a qual não devem ser tecidas demasiadas expectativas.
A expectativa pode ter um efeito menos bom e deixar o leitor desapontado após a leitura. Com isto, quero dizer que a obra é divertida e narrativamente bem-sucedida, com uma arte simples e muito bonita que lhe faz jus; todavia, as expectativas podem facilmente dar ao leitor um sentido completamente diferente daquilo que esperar da mesma.
The New Deal não encontra o seu foco nessa referida dimensão política e social, nada disso. A obra é, na sua essência, apenas um conto criativo e ficcional passado numa época específica, numa cidade específica. Para juntar estes campos e tornar a narrativa mais palpável e realista, o autor foca-se também em apresentar associações sociais e políticas, que não são, de todo, o miolo da narrativa. Ao passar-se numa Nova-Iorque dos anos 30, Case decidiu apresentar na sua história este ambiente tão próprio, explorando subtilmente tópicos como o racismo ou a diferença entre estratos sociais.
Em The New Deal encontramos o cruzamento entre as vidas de Frank, um jovem paquete do luxuoso hotel Waldorf Astoria; Theresa, uma empregada de limpeza do hotel, negra, pela qual Frank se encontra apaixonado, e a recém-chegada hóspede de classe alta, Nina, atraente e misteriosa.
Com a chegada de Nina e restante comitiva de alta sociedade, o hotel é atingido por uma série de furtos. Frank e Theresa acabam por se encontrar envolvidos como principais suspeitos, ficando prestes a perder os empregos e a confiança mútua. Nina é a personagem de alta sociedade que os trata estranhamente bem, atitude da qual estes começam a desconfiar.
A história envolve de forma divertida estes três personagens e explora as relações que desenvolvem entre si. É importante que se entenda que é isto que a obra trata e foca. Claro que a questão da Grande Depressão da década de 30 está presente nas entrelinhas, mas não é, como disse, o foco da premissa.
A obra apresenta-se divertida e com um belo grau de envolvência, com o mistério e o suspense bem construídos. Os personagens, os seus problemas e as suas relações agarram o leitor e mantém a sua curiosidade em alta até ao final. É impossível não querer ver o mistério resolvido, conhecer o destino dos personagens e as formas como resolverão os problemas com que se deparam e, Case, consegue manter esse nível de expectativa no leitor. No entanto, é nas “premissas secundárias”, que a obra me parece falhar. Questões como a dívida de Frank, conhecida no início da obra, ou a paixão de Theresa pelo teatro e as artes performativas, que são assuntos que ficam por resolver, ou que são apresentados sem efeito de conclusão. Este tipo de fuga à premissa principal, parece-me funcionar para Case de forma sugestiva, como se o autor quisesse apresentar, paralelamente à história, estas questões raciais e de disparidade social. Eu dispensaria este tipo de sugestões, visto que acabam por não ser relevantes para uma obra que é visivelmente pequena, ou não muito grande.
De qualquer forma, o ambiente que o autor nos apresenta no livro é muito agradável. Case dá apenas uso a aguarela de tonalidades azuis para colorir a obra, um pouco à semelhança de, entre tantas outras, Roughneck (para exemplificar uma coloração semelhante). O traço é simples, mas bem definido com uma certa influência clássica, que encaixaria sempre bem numa obra referente à época em questão. Não queria cair em erro ao sugerir Jack Kirby como influência ao seu traço, mas pareceu-me uma possibilidade.
É pouco provável que The New Deal seja uma das mais interessantes obras desta sexta série da coleção Novela Gráfica, mas merece ser lida e desfrutada. Não é exatamente uma obra excecional, mas vale um tempo divertido e bem passado. Creio que o preço apresentado é equilibrado e acessível, dando ao leitor ainda mais uma razão para que conheça esta, que é então, a primeira publicação de Johnathan Case em Portugal.
Rafael Marques tem 24 anos durante o ano de 2020. É músico em Lisboa e faz disso a sua profissão. A restante parte do seu tempo é dedicada ao sono, ao gaming e à leitura de banda desenhada, que terá descoberto como uma das suas maiores paixões entre 2018 e 2019, quando se envolveu numa relação com uma artista/ilustradora. Rafa é um apaixonado por tudo aquilo em que trabalha. Em segredo, escreve argumentos para banda desenhada, que são executados em belas pranchas pela sua companheira. Ainda sonha um dia vir a ser mordido por uma aranha radioativa…