
Murphy a solo na DC Comics com Batman: Cavaleiro Branco.
Bem, é verdade, parece que me rendi à DC Comics. Depois de ter lido Harleen senti estímulo suficiente para conhecer mais um conjunto de obras originais da DC publicadas no nosso país. Desta vez, estive a ler Batman: Cavaleiro Branco, uma obra que queria conhecer há já algum tempo, desde a leitura de Jesus Punk Rock e Off Road do mesmo autor.
Sean Gordon Murphy é, na minha opinião, um autor bastante completo pelo qual nutro um enorme reconhecimento. Acredito que muita coisa boa está ainda por vir da sua cabeça e suas mãos, mas, entretanto, há ainda muita coisa boa por si elaborada que ainda não tive o prazer de conhecer. Esta é, portanto, mais uma obra do seu catálogo que posso retirar da lista.
Batman: Cavaleiro Branco é uma minissérie americana, escrita e ilustrada por Sean Murphy, com cores do multipremiado colorista Matt Hollingsworth. Foi originalmente editada em oito revistas pela DC Comics entre 2017 e 2018, e mais tarde, em livro, que compilou todas as revistas, já sob a chancela DC Black Label. A versão portuguesa chegou-nos em maio de 2019 pela Levoir numa edição de capa dura com 232 páginas. A edição que a Levoir nos faz chegar apresenta ainda uma galeria de capas alternativas, design de personagens e esboços iniciais do artista e ainda a biografia do autor.

O que dizer? Faltam-me sempre palavras para descrever a enorme admiração que tenho por este autor, principalmente a nível artístico.
Começando então pela arte, pouco mais posso acrescentar. Murphy apresenta-nos aqui uma obra extremamente bonita e, acima de tudo, original. O autor exibe um estilo maduro, que mistura a influência cartune, com um certo toque de realismo. O principal destaque da sua arte vai para a arte-finalização, bastante cuidada e de traço pesado e carregado. Outra aspeto também bastante caraterístico de Murphy é a singularidade dos efeitos sonoros que usa.
Apesar da sua singularidade e capacidade artística, Murphy não tem por hábito colorir a sua própria arte, pelo que, Matt Hollingsworth, terá sido a alternativa para que a obra se apresentasse artisticamente completa com cores, como é habitual na banda desenhada da DC Comics.
Num breve resumo, Batman: Cavaleiro Branco assume um arco principalmente focado em Jack Napier, alter-ego de Joker. Ao capturar Joker, Batman excede-se, espancando-o até à inconsciência, deixando-o num estado deplorável, logo após lhe forçar a ingestão de uma enorme dose de medicação desconhecida. Sob o efeito desse mesmo medicamento, Jack Napier acorda mais tarde num hospital, completamente alterado, com a sua psicopatia finalmente curada, uma personalidade completamente nova. Napier decide então lutar por afirmar a sua atual sanidade perante Gotham e a justiça e define um conjunto de novos objetivos: acabar com o crime na cidade, corrigir o seu passado e acabar com o “vigilantismo”, procurando trazer Batman à justiça. Batman continua a descredibilizar a renovada personalidade de Napier, acusando-o de manipulação e perseguindo-o cegamente. O herói vigilante acaba por ser detido pelas forças policiais de Gotham, após passar todos os limites durante a sua incessante perseguição para desmascarar Napier.
A obra traz um conjunto de reviravoltas importantes e marcantes. Além de Bruce Wayne perder a confiança e respeito que havia ganho perante Gordon enquanto Batman, a sua identidade é revelada, Alfred morre e ficamos ainda a conhecer o verdadeiro destino que Robin tivera anteriormente às mãos de Joker. Quase parece uma montanha russa de acontecimentos para um só arco, mas Murphy apresenta-os de forma clara e bem estruturada.
Em Batman: Cavaleiro Branco a relação amor/ódio, sempre bastante controversa e conturbada, entre Batman e Joker é levada ao limite, explorada de forma extrema. Murphy expõe o fascínio de Joker por Batman desde o início dos seus tempos de vilania e no final junta os dois arqui-inimigos que acabam por ter de lutar lado a lado pelo interesse comum de salvar Gotham.

Embora perca o ritmo em momentos mais mortos em que os diálogos se prolongam, a narrativa está organizada de forma sucinta e agradável. O texto é coerente e são muito poucas as falhas a apontar. Recordo uma cena por volta do meio da obra, onde encontramos Bruce Wayne de robe, com peito exposto ao encontrar em flagrante um grupo de criminosos que invadem o seu lar. Na página seguinte vemos o mesmo Bruce a abrir o robe, expondo a zona do peito, já com o seu fato de Batman por baixo e a sua máscara no rosto. Claro que poderia ter interpretado mal estas pranchas e talvez o autor pretendesse passar alguma ideia que não consegui projetar, mas se esse foi o seu objetivo, devo afirmar que se trata de uma tentativa falhada.
Em comparação a algumas das suas obras anteriores, nomeadamente às anteriormente mencionadas (Jesus Punk Rock e Off Road), sinto que o trabalho de Sean Murphy, como acontece com muitos outros autores, tem uma aplicação claramente mais interessante quando este assume total liberdade criativa. No caso de Batman: Cavaleiro Branco, Murphy tem parte desta liberdade restringida, uma vez que se encontra preso aos personagens e ao universo em questão, bem como suas respetivas linhas temporais. Nesse sentido, nas obras a nome próprio, de sua completa criação, podemos encontrar o autor no seu melhor, onde apresenta um fluxo narrativo mais instintivo, sob premissas carismáticas e talvez até a presença de alguma pessoalidade.
Neste Batman, os traços caraterísticos dos personagens e seu universo são claríssimos e, embora Murphy pareça representá-los de forma exemplar, traz também uma certa frescura ao ambiente, nomeadamente na renovada forma como projetou os personagens, principalmente nos casos de Batman, Joker e Harley Quinn. No seu conceito artístico, os personagens elaborados por Murphy demonstram uma revigorante aparência visual ao seu estilo caraterístico, sendo simultaneamente fiéis aos originais.

Não foi por acaso que esta obra encontrou uma receção tão positiva do público e da crítica americanos, tendo ainda encontrado espaço para uma sequela lançada entre 2019 e 2020, originalmente chamada Batman: Curse of the White Knight. Para os fãs do herói e para os fãs do autor, Batman: Cavaleiro Branco é, sem dúvida, uma obra de interesse. Ainda não sabemos, no entanto, se a sequela se encontra ou virá a encontrar nos planos editoriais da Levoir, pelo que podemos apenas nutrir expectativas e esperanças.

Rafael Marques tem 24 anos durante o ano de 2020. É músico em Lisboa e faz disso a sua profissão. A restante parte do seu tempo é dedicada ao sono, ao gaming e à leitura de banda desenhada, que terá descoberto como uma das suas maiores paixões entre 2018 e 2019, quando se envolveu numa relação com uma artista/ilustradora. Rafa é um apaixonado por tudo aquilo em que trabalha. Em segredo, escreve argumentos para banda desenhada, que são executados em belas pranchas pela sua companheira. Ainda sonha um dia vir a ser mordido por uma aranha radioativa…
muito bom!