Os Gigantes das Nossas Vidas

Os Gigantes das Nossas Vidas

Joe Kelly e J. M. Niimura em I Kill Giants.

Com o subtítulo Eu Mato Gigantes, foi em 2014 que a editora portuguesa Kingpin Books publicou a edição nacional do original I Kill Giants.

A obra foi originalmente publicada pela Image Comics em 2008, como uma minissérie de sete números posteriormente compilados. O argumento foi escrito por Joe Kelly e a arte é de J. M. Ken Niimura.

Em 2018, a obra de Kelly foi adaptada ao grande ecrã num filme com direção de Anders Walter (que admito desconhecer).

Embora tenham passado já seis anos desde a data de edição da obra no nosso país, I Kill Giants parece-me ser um livro pouco referenciado no nosso meio da banda desenhada. Posso estar errado, mas depois de o ter lido fica-me a impressão de que o livro poderá estar a ser subestimado em Portugal. Digo isto por ter achado esta uma leitura bastante interessante e, sobretudo, impactante.

No enredo, acompanhamos a protagonista, Barbara Thorson, uma aluna do quinto ano, com dificuldade em fazer amigos, aparentemente, sem medo de nada e com uma língua afiada. Um grande trauma na infância de Barbara fê-la trancar-se numa fantasia por si criada, baseada no mundo fictício do jogo Dungeons & Dragons. A protagonista rege a sua vida pelas rigorosas regras de como matar gigantes. São estes gigantes e esta vocação de Barbara que acompanhamos ao longo da obra, enquanto vamos desvendando também a realidade por trás destes mesmos gigantes que parecem existir apenas na sua cabeça.

Kelly oferece ao leitor uma linda história, uma enorme viagem emocional. O enredo principal parece demorar um pouco a arrancar, o autor leva o seu tempo a construir o suspense e demora a chegar ao clímax da premissa, mas vale totalmente a pena.

O livro deixa-nos, quase até ao final, a questionar o que é realidade e o que é fantasia, ou onde termina uma e começa a outra, mas aos poucos tudo se vai tornando claro e fazendo cada vez mais sentido.

O esquema de vinhetas e a organização da página é muito bom e parece funcionar de forma perfeita entre este duo. Os efeitos sonoros funcionam também de forma espetacular, o que não é algo que diga de qualquer banda desenhada, além do facto de serem feitos tradicionalmente.

A história apresentada é, durante a maior parte do tempo, vista pelos olhos de Barbara. Uma história emocionante que, aos poucos, se vai tornando perturbadora. Os gigantes que Barbara enfrenta não são mais do que os seus próprios medos, neste caso, o medo da morte da sua mãe (que se encontra acamada durante o decorrer da obra, com um cancro diagnosticado).

A obra passa muito bem a imagem de que, apesar destes gigantes e deste mundo fantástico fazerem apenas parte da cabeça de Barbara, os personagens à sua volta vivenciam estas metáforas de forma natural.

Embora pareça direcionada a um público juvenil, a obra do duo tem muito que se lhe diga quanto a esta mesma direção. Na verdade, pode e deve ser encarada com uma certa maturidade emocional, tal como a mesma apresenta.

A arte de Niimura apresenta uma clara influência do típico estilo asiático. Esta mesma influência de manga nota-se, não só, mas sobretudo na expressividade que os personagens transmitem. Por seu turno, as páginas não apresentem cor, mas apenas tons de cinza.

Apesar de se apresentar sempre regular e consistente, o traço do artista parece ser apressado e rabiscado. Neste caso, não é exatamente uma caraterística negativa, pois a arte acaba por ter um aspeto bastante bonito e singular, que assenta muito bem com a narrativa também.

Durante quase toda a longevidade da obra, Barbara mostra-se receosa quanto ao primeiro andar da sua casa, por vezes até com medo ou pânico. Para representar estes momentos, temos vinhetas em que a protagonista fica ao início da escada para o primeiro andar, especada e em silêncio enquanto vê a imagem de um monstro na escuridão, no topo das escadas. Estes momentos parecem inspirar-se em cenas de horror conforme o ambiente e o sentimento passados e a arte resulta muito bem aqui também na construção do suspense e da tensão.

Esta edição da Kingpin Books merece, de facto, a atenção dos leitores portugueses, quer do público juvenil, quer do público adulto.

Recordo-me de ter achado que se trataria de um enorme cliché que encontramos facilmente no cinema, mas confesso que a obra acabou por me surpreender no final. Uma ótima referência, um ótimo exemplo de como deve ser contruída uma narrativa emocional.

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