
Sobre Marvels, a obra-prima de Busiek e Ross.
Marvels é a mítica obra-prima da Marvel Comics que estabeleceu os seus criadores, Kurt Busiek e Alex Ross, como dois dos maiores nomes na nona arte. O que tem esta obra de tão especial e como alcançou tal reconhecimento?

A minissérie foi originalmente publicada entre janeiro e abril de 1994, em quatro números e teve mais tarde, em agosto, o lançamento de um prólogo com o número zero (#0). A obra conquistou três Prémios Eisner e tornou-se, quase instantaneamente, um clássico da banda desenhada.
No nosso país, tivemos a primeira edição completa desta obra em capa dura no ano de 2008, pela editora BdMania e, mais recentemente, já em 2014, foi a vez da Levoir nos apresentar a sua própria edição de Marvels, desta vez com adição de extras como as capas originais ou parte o processo criativo de Alex Ross.
Quanto ao segundo caso, a editora inseriu esta banda desenhada na sua coleção Universo Marvel tendo-lhe atribuído também o mesmo título. Esta opção resultou numa capa um tanto confusa e incoerente, onde vemos a repetição deste título (coleção e álbum) em letras garrafais e ainda o subtítulo Marvels, já com um tamanho mais reduzido. A verdade é que o design desta capa ficou muito aquém e acabou por não se rever na grandiosidade da obra. Neste caso posso afirmar que a capa da primeira edição portuguesa, por parte da BdMania, faz maior justiça à obra.

Em Marvels somos apresentados a Phil Sheldon, um jornalista e fotógrafo que nos narra parte dos primeiros trinta anos de universo Marvel na sua ótica, enquanto habitante desse mesmo universo. Aqui, a abordagem de Busiek é muito interessante e original. Nesta obra abstraímo-nos parcialmente dos enredos típicos desse mesmo universo e somos apresentados a Nova Iorque segundo a perceção de um cidadão “normal”. Não nos são apresentados planos maquiavélicos ou padrões de moralidade e de justiça heroica, ou pelo menos, certamente não da forma a que este universo nos habituou. Em vez disso, os autores dão-nos a provar como seria estar no lugar deste cidadão comum que vive um enorme dilema diário: “como viveremos [cidadãos comuns] entre estes ‘marvels’ e eles entre nós?”.
Algumas das questões apresentadas são comuns à grande parte dos livros a que a Marvel habituou os seus leitores e, com isto, refiro-me a casos como o sentimento de impotência vivido pelos “cidadãos comuns” ou, até que ponto se pode confiar nestes novos heróis superpoderosos…
A história de Phil Sheldon não exibe exatamente um tipo de progresso, não no sentido em que comece num ponto e o protagonista passe por diversas adversidades, terminando a narrativa com a completação do seu objetivo. Em vez disso, vamos acompanhando as progressivas mudanças deste universo (e, nesse sentido, sim, podemos considerar a existência de progresso), as constantes ameaças cada vez mais recorrentes (por parte de vilões superpoderosos ou de confrontos entre heróis em discordância) e o crescimento exponencial em números destes humanos superpoderosos, bem como da nova “raça mutante”. Sheldon experiencia a constante incerteza, enquanto jornalista e enquanto cidadão, quanto a estes humanos superpoderosos, as suas intenções e o comportamento e aceitação que a cidade e o mundo apresentam. O protagonista dedica a maior parte da sua carreira ao reconhecimento destes heróis e Marvels é o título do livro que decide escrever sobre os mesmos.
Esta obra revê-se não só numa tentativa de abordar o universo Marvel de uma perspetiva não convencional, mas também de proporcionar uma experiência mais realista, sem que perca a fidelidade a quaisquer eventos passados. Desta forma, Busiek recorda-nos de alguns dos mais marcantes momentos deste universo da banda desenhada, desde o surgimento daquele que é considerado o seu primeiro super-herói, o Tocha Humana original, Jim Hammond, até à trágica morte de Gwen Stacy (a primeira namorada de Peter Parker), pelas mãos do Duende Verde.

A arte desta obra funciona de forma maravilhosa. Confesso nunca ter lido, antes desta, uma banda desenhada ilustrada por Alex Ross, tendo-me deparado com a sua arte em diversas capas, no entanto. Esta era uma obra que me suscitava curiosidade, principalmente pela arte. É impossível ignorar a sensação de que a arte de Ross nos leva além do universo Marvel (neste caso específico), transcendendo, em parte, a barreira do fictício. A sua forte componente realista, ainda que traga inspiração clássica, transporta também o leitor para esse carismático mundo.
Não me refiro apenas ao traço, mas também à cor, ao contraste e à luminosidade. A arte de Ross é única e marcante e esta obra é também um marco de diferença na editora.
Quero ainda destacar o cuidado com o detalhe na arte de Ross. Não me sai da cabeça a aparência metálica e brilhante que Ross dá à armadura do Homem de Ferro, ou o quão palpável o tecido do fato do Homem-Aranha aparenta ser. Neste último caso, o artista ilustra de forma genial as folgas entre a máscara e o corpo ou entre as luvas e os braços. O aspeto clássico e o realismo das texturas são detalhes lindíssimos, que conferem a Alex Ross a merecida reputação que lhe é atribuída.

Concluímos que Marvels foi e continua a ser uma obra extremamente enriquecedora e refrescante no espetro da Marvel Comics e a razão para a denominação de obra-prima torna-se clara aquando realizada a sua leitura.
A obra não apresenta um enredo extraordinário ou revelador, mas a sua busca pela originalidade no meio destacam-na de tantas outras obras do subgénero de super-heróis americano.
Para o leitor que procura na Marvel a típica ação extraordinária, talvez Marvels não seja o livro certo. Todavia, para quem procura uma experiência de leitura diferente, de uma perspetiva também diferente, com uma narrativa compassada e com um aspeto nostálgico e retrospetivo, mas mantendo-se dentro do universo de super-heróis que a editora nos apresenta desde 1939, esta será provavelmente uma leitura de agrado.
Quanto às edições portuguesas, sugiro qualquer uma das duas, relembrando uma vez mais as diferenças mencionadas acima, quanto à capa e ao conteúdo extra.

Rafael Marques tem 24 anos durante o ano de 2020. É músico em Lisboa e faz disso a sua profissão. A restante parte do seu tempo é dedicada ao sono, ao gaming e à leitura de banda desenhada, que terá descoberto como uma das suas maiores paixões entre 2018 e 2019, quando se envolveu numa relação com uma artista/ilustradora. Rafa é um apaixonado por tudo aquilo em que trabalha. Em segredo, escreve argumentos para banda desenhada, que são executados em belas pranchas pela sua companheira. Ainda sonha um dia vir a ser mordido por uma aranha radioativa…
Também houve a importação da mini serie original pela Abril/cj em capas de acetato da editora Abril Jovem algures entre 1994 e 1996.
“em letras garrafais e ainda o subtítulo Marvels, já com um tamanho mais reduzido. A verdade é que o design desta capa ficou muito aquém e acabou por não se rever na grandiosidade da obra. Neste caso posso afirmar que a capa da primeira edição portuguesa, por parte da BdMania, faz maior justiça à obra.”
O ponto Fraco dessas edições era as traduçoes tal como em Vingadores,Ghost Rider,etc qualquer Levoir Salvat faz melhor.
Olá, Optimus!
Sobre as edições brasileiras, já tínhamos escrito aqui.
Boas leituras,