Mais um episódio da incrível caminhada de Ed Brubaker.
Os Meus Heróis Foram Sempre Drogados tem argumento de Ed Brubaker e ilustrações de Sean Phillips. Foi editado no nosso país em 2019 pela editora G. Floy e venceu o Eisner para melhor romance gráfico no mesmo ano. É uma obra que está enquadrada no universo Criminal dos mesmos autores e que resulta no mesmo declínio moral dos seus personagens, mas não tem um ar sombrio e negro com a promiscuidade de mafiosos e prostitutas. Ed Brubaker acabou por fazer uma das suas obras mais pessoais, inspirando-se na sua mãe e na sua reabilitação. Talvez por isso tenha construído a personagem de Ellie para justificar e enaltecer o consumo de drogas. O livro tem apenas 72 páginas mas, tal como os homens não se medem aos palmos, também os livros não se medem pela quantidade de páginas, nesta que é uma obra com muita qualidade e tem a particularidade de falar abertamente sobre um assunto que por vezes é tabu (toxicodependência).
Trata-se de um livro que vai encantar pela sua história mas também pelas reviravoltas que a ação dá e “obriga” o leitor a ler compulsivamente e de uma maneira quase obsessiva. A escrita de Brubaker é fluída e engenhosa, criando personagens de alguma forma decadentes na sua vida mas interessantes nas suas vivências. Com as devidas diferenças, é como se tivéssemos a ver um filme, mas em forma de banda desenhada. Se as ilustrações encantam, temos que dar relevância à coloração por parte de Jacob Phillips (o filho de Sean Phillips), que roça a perfeição com múltiplas cores cheias de personalidade, por vezes assemelhando-se a aguarelas. Por outro lado, quando a obra regressa ao passado, os desenhos são a preto e branco, realçando-se desta forma o ambiente temporal diferente.
A personagem principal é uma rapariga (Ellie), que se torna obcecada por famosos que são toxicodependentes, após a morte da sua mãe – que também era toxicodependente -, seguindo o mesmo caminho desta. Quando a sua mãe morre, ela encontra uma mix-tape (cassete com várias músicas gravadas) em que, de uma forma ou outra, todos os seus intervenientes tiveram problemas com drogas, sendo isto também uma maneira de o autor homenagear alguns músicos de que gosta.
A verdade é que nos sentimos atraídos por Ellie e toda a sua complexidade moral e determinação por um estilo de vida em que não vê qualquer tipo de problema. Brubaker e Phillips demonstram um olhar sobre a moral e como ela pode ser encarada de um modo relativo – Ellie não quer deixar os estupefacientes pois assim sente-se feliz. Aliás, durante toda a história, ela faz constantes referências a artistas que tomaram drogas e que esse consumo os fazia melhores enquanto produtores de cultura. Usa como exemplo Billie Holiday, David Bowie, Lou Reed, William Burroughs, Van Gogh ou Brian Wilson dos The Beach Boys, entre muitos outros.
Entretanto, numa clínica de reabilitação, conhece Skip, que se torna o seu namorado, ponto fulcral de toda a narrativa, sendo o seu desenlace algo que deixa a todos surpreendidos… Tal como nos números anteriores de Criminal, a realidade não é assim tão simples e o fim vai ser trágico, pois Ellie não é quem parece.
É um livro que apela à reflexão sobre o que é a felicidade e a que ponto estamos dispostos a ir por ela. Brubaker “planta” a ideia de que a criatividade resulta melhor através do uso de drogas e que a criação artística só atinge o seu pico com recurso a estupefacientes.
Ellie não encara o seu vício como algo negativo antes alguma coisa positiva e uma forma de ver a vida. Acha que o seu comportamento não é errado e quer continuar nesse rumo. Isso acontece devido ao seu fascínio por músicos e artistas que usam drogas nos seus projetos. Ou seja, ela romantiza o consumo de drogas e vê nele um caso de “inspiração” para criar grandes obras, um ponto de vista que não será estranho a algumas pessoas da nossa realidade. Ellie e todos os personagens do livro são apenas o resultado das suas vivências e experiências, o seu percurso erróneo não se deve a má índole, sendo apenas o produto da sua existência imperfeita. Mesmo tentando escapar a esse fim, os antigos laços acabam por perdurar.
Em suma, Os Meus Heróis Foram Sempre Drogados é um livro para quem gosta de boas histórias, contadas por alguém exímio na arte de descrever a condição humana.
Apaixonado por BD, o seu livro preferido é “Maus” e tem mais livros que amigos (embora goste de amigos). Também acha que alguém devia erguer uma estátua ao Alan Moore. Dá-lhe muito prazer ver séries e filmes baseados nas mais variadas bandas desenhadas.