Eu sou Sentinel! Eu sou Sentinel!!! Esta é a minha cidade e eu sou o rei das visualizações.
Todos, pelo menos uma vez na vida, já passamos por uma “encruzilhada” onde tivemos de tomar decisões importantes, quer seja optar pelo caminho da esquerda ou o da direita, ou mesmo vestir algo preto ou branco para uma especifica ocasião, por exemplo… Ficando na consciência, inevitavelmente, com essa decisão para sempre.
O díptico Watchers / Sentinel tem como base um argumento que nos leva a explorar as profundezas da consciência humana, o estado da nossa sociedade e a reflectir sobre as nossas prioridades. O ponto central dos livros é, sobretudo, uma forte crítica social, uma sátira, deixando no ar uma questão tão atual como delicada, em que numa sociedade dominada pelas redes sociais, o que estaria o leitor disposto a fazer para conseguir mais seguidores e mais visualizações?
Trata-se, portanto, de uma crítica à sociedade atual que se centra excessivamente nas redes sociais e para as quais se projecta uma realidade e para a qual se criam expectativas.
Na sequência de Watchers, publicado em 2018, Luís Louro publicou em 2019 Sentinel (com direito a 3 nomeações nos Prémios Bandas Desenhadas 2019), sendo todos os livros editados pela ASA. Watchers tem um somente início mas dois finais distintos, enquanto Sentinel apresenta dois inícios diferentes e um só desfecho. Deste modo, existe uma versão “vermelha” e uma “branca”, tanto de Watchers como de Sentinel.
Esta é a história do Sentinel, um utilizador da plataforma online “People Watching”.
Sentinel é um dos mais conhecidos Watchers – um jovem anónimo, sem rosto, que consegue captar os episódios mais curiosos e mais populares. Mas a que custo? Sentinel não se remete apenas ao papel de observador e a vontade de aumentar a sua popularidade leva-o a provocar situações de conflito com as quais alimenta o seu canal. De interferir e provocar, Sentinel passa a tentar exercer justiça pelas próprias mãos, mostrando-se como uma espécie de justiceiro, omnipotente, que tudo vê e tudo pode fazer. Numa luta para estar sempre no topo, acaba por entrar numa onda de crimes, dando fim a perseguições da polícia, ao nascimento de cultos e de haters, num caminho alucinante e sem regresso.
Sentinel usa a tecnologia para criar canais que expõem o mundo que o rodeia. Sem filtros, sem análises nem contextos, as filmagens são divulgadas para todos os que as quiserem ver. Começa por postar episódios simples e caricatos, à busca de mais seguidores e de mais reações nas redes sociais, o que depressa leva a que sejam filmadas situações mais inusitadas, ridículas, perigosas e violentas.
Porém, após o desaparecimento de Sentinel em Watchers, surge uma legião de seguidores, os Discípulos, cujo objetivo é preservar o legado do seu herói e manter bem viva a luta pelo maior número de visualizações. Uma nova história gira em torno do universo da comunidade de Watchers.
No entanto, Lisboa continua a ser o palco do livro em Sentinel, cruzando elementos que todos conhecem da cidade com tecnologia futurista, onde os eléctricos tradicionais cruzam os ares, e os polícias de farda tradicional circulam em motos voadoras, percorrendo as ruas mais antigas da cidade, brincando assim com a realidade que conhecemos.
Por outro lado, se em Watchers, Luís Louro apresenta-nos, dentro deste Universo, um grupo de jovens anónimos que vagueiam pela cidade com o intuito de gravar situações mirabolantes, obviamente em busca de visualizações e seguidores, em Sentinel a história centra-se numa senhora que se fartou dos observadores, os seguidores do desaparecido que perturbam o quotidiano de toda a gente.
De início, os observadores eram os caçadores, mas, em Sentinel, eles são as presas e as armadilhas em que caem tornam-se assim agora o motivo das visualizações. Claro que o que se segue é uma intensa investigação policial que irá terminar da pior forma possível, inclusive com problemas pessoais.
Contudo, tal como no livro anterior, a narrativa é acompanhada pelos possíveis comentários dos que seguem os canais dos observadores. Novamente, alguns dos comentários têm nicks alusivos a personalidades da banda desenhada, desde editoras a autores, como sendo uma componente que tem piada adicional para quem conhece as pessoas e pesquisa, por entre os falsos diálogos, as referências.
Porém, tanto em Sentinel como em Watchers, somos levados por um enredo bem composto, contínuo, lógico e coerente.
Visualmente, tanto em Sentinel quanto como em Watchers, a representação do desenho da cidade de Lisboa futurista que mantém as ruas que conhecemos é expressiva e hiperbólica, tanto nas posturas como nas expressões das cenas e dos personagens. O desenho, assim como a ação e os planos da cidade de Lisboa com cores expressivas, dão vida aos livros.
Concluindo, tanto em Watchers como em Sentinel, o mundo futurista retratado é tão deprimente quanto o nosso, carregado de jovens sem futuro ou sem destino, que não sabem o que fazer da sua vida ou como ultrapassar as contrariedades com que se deparam. Em busca de comentários, aceitação e atenção, há quem perca a noção do que é certo e errado, e exponha a privacidade – a própria e a dos outros.
Por outro lado, a possibilidade de ter um feedback imediato leva à divulgação, sem filtros nem contexto, de notícias e interacções, por uma única perspectiva, viciada. As notícias passam de informação imparcial a pedaços de novelas quotidianas, cedendo-se aos desejos mais primitivos de sexo e sangue. Sentinel, por um lado, pretende elevar o seu canal a milhares de visualizações. Mas a que custo? Até que ponto o que retrata é real ou provocado? Da mesma forma, se pode transpor esta crítica para o que vemos nas redes sociais atualmente, com divulgações de perspectivas viciadas, notícias que misturam a verdade com a ficção, desinformando ao invés de informar.
Abaixo partilho algumas imagens dos livros:
Gosta de ler. É apaixonada pela luz, cor e movimento, tanto na ilustração como na expressão de movimentos em criar efeitos visuais na animação e vídeo. A ilustração é a fuga das suas ideias, assim como é respirar.
Excelente pc