Uma leitura de Pensar É Estar Doente dos Olhos

Uma leitura de Pensar É Estar Doente dos Olhos

Uma lição que não se deve esquecer.

Confesso que não fazia ideia de que esta prenda de Natal fosse tão rica e surpreendente. Elaborada por dois jovens amigos, que decidiram pegar nas suas referências e transportá-las para um universo alternativo, esta banda desenhada levou-me numa viagem muito interessante, sobretudo nestes tempos algo conturbados onde há realmente muita desinformação e quem disso se aproveite…

Neste Pensar É Estar Doente dos Olhos de Samuel Jarimba e Filipe Olival, dois madeirenses, um arquiteto (Samuel), outro antropólogo (Filipe), encontro dois jovens com bastante bom senso e muita imaginação, num texto de escrita simples carregada de termos e expressões que nos transportam pela complexidade da trama, o qual se revela uma boa aposta da recém-criada Cadmus.

Em Pensar é estar doente dos olhos, estamos em 1972, mais exatamente num sábado, 19 de agosto, e a lua está em quarto crescente. João, veterano da guerra colonial, traumatizado, fuma um cigarro à laia de celebrar o 1.º ano fora do manicómio, embora com vozes ainda a atormentá-lo. Um estranho aproxima-se por detrás e, sem ele se aperceber, enfia no bolso da sua camisola um bilhete com um recado: “11 HORAS NO CAIS”.

É este o ponto de partida que antevê uma viagem. João decide comparecer e encontra algumas caras suas conhecidas do submundo de Machico e uma outra que o tem vindo a observar desde que ele saiu do manicómio porque quer o que João tem confiado este tempo todo aos astros. É aqui que João recomeça a dar algum sentido à sua vida, ajudado por traficantes, traficantes de um produto muito especial, tão especial que o Doutor General Augusto Caio, o “Dono da Madeira”, a proibiu e perseguiu quem a fabricava.

Qual o produto de que se fala? LITERATURA! Essa droga horrível, que faz as pessoas interrogarem-se e questionarem-se, que leva ao conhecimento e, meu Deus, à abertura da mente! Não admira que o Doutor General, perante tão grande mal, queira combater com todas as suas forças. Ele é o correto e senhor de toda a verdade, dita por ele; algo com que PC – o estranho homem que obrigou João a partilhar o que só dizia aos astros – não concorda e usa todas as artimanhas para combater, ao mesmo tempo que ajuda João a encontrar-se a ele próprio.

Considero uma obra muito bem conseguida, com camadas e elementos muito interessantes, tais como a prosa pitoresca de alguns personagens e o caminho de autoconhecimento árduo de João e de outros que prefiro não desvendar. Um estilo de desenho de que gostei muito, levando-me por vezes a imaginar alguém com um livro de esboços a fazer o trabalho ali, na hora, e ficar tão bem que não vale a pena mexer mais.

Estes dois autores estão de parabéns! É mais uma prova que se faz boa BD em Portugal e recomendo a leitura desta obra. Deixo aqui umas pranchas para que apreciem e vão pensando que não estamos nem ficamos doentes. 

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