Duke: Livros 1 a 5.
A história do Faroeste povoa o imaginário de todos, mesmo daqueles que não apreciam o género Western. Hoje em dia, embora menos que há umas décadas, está repleta de clichés e de mitificações resultantes primeiro dos relatos jornalísticos da segunda metade do século XIX, dos pulp, do advento do cinema e, bem mais tarde, da televisão.
Em 1968, Sergio Leone escreve e realiza o filme Aconteceu no Oeste, por muitos considerado como a obra-prima do género, com uma magnífica banda sonora de Ennio Morricone. Aqui, os clichés são mitigados e dão lugar à crueza das vidas no Oeste. Inicia-se um novo ciclo no género, que pretende ter como ponto de honra o realismo, retomado mais tarde com o Soldado Azul ou Deadwood (a série da HBO) e tantos outros filmes.
Nesta linha, em 2017, Yves H. e Hermann, o seu consagrado pai, criam a série Duke para a banda desenhada.
Duke é um homem atormentado, reservado e enigmático. É xerife-adjunto de uma pequena povoação e leva a sua profissão com a seriedade exigida a uma missão que considera ter uma profunda dimensão moral. Ao mesmo tempo, ele é um atirador exímio, habituado à violência.
Quando estala um conflito brutal entre mineiros da região e grandes proprietários de terras, Duke é obrigado a abandonar a sua neutralidade de xerife e faz cantar as suas armas, sem apelo nem agravo.
Vamos à história!
1 – A LAMA E O SANGUE
Originalmente, é publicado em álbum em Janeiro de 2017 pela Lombard. Em Portugal, A Lama e o Sangue foi editado pela Arte de Autor em 2017.
Colorado, 1866. A Guerra da Secessão terminou, mas nem por isso os ânimos se acalmaram. Os Estados Unidos continuam divididos e há muitos territórios onde a lei prevalecente é a do mais forte. É o que se passa em Ogden!
Ogden até tem um xerife – o velho Emmett – e um xerife-adjunto – Duke. E juntos vão conseguindo manter a ordem.
Mas tudo muda quando Cummings surripia umas quantas pepitas de ouro da mina onde trabalha. Ora, os proprietários da mina têm-se como acima da lei e enviam um grupo de lacaios para lhe dar uma lição e recuperar as pepitas.
Mas à frente do grupo está o fanfarrão McCaulky, conhecido como desordeiro e de gatilho nervoso. A sua intervenção provoca a morte da mulher e do filho do mineiro Cummings.
Duke quer repor a ordem, mas o xerife lembra-lhe que os assuntos da mina são do foro de Mullins. Duke, de olhar penetrante, lembra-lhe: “Não se toca em mulheres nem em crianças, Xerife.”
Mais tarde, no saloon Crimson Lily, os xerifes encontram McCaulky e o seu grupo. Depois de uma advertência verbal, o xerife deixa-os subirem ao segundo piso, para onde vão com prostitutas da casa. Num quarto próximo, está Duke na companhia de Peg, também ela prostituta (os dois têm um fraquinho um pelo outro).
O que ninguém está à espera é que um grupo de mineiros revoltados entre pelo quarto de McCaulky, de modo a vingarem-se dele e dos seus homens. Mas as coisas correm mal e McCaulky e os seus esbirros acabam por fugir, deixando para trás mais corpos.
Enquanto o Xerife Emmett lida com Mullins, Duke parte sozinho em perseguição dos assassinos.
Durante dias, Duke está no seu encalço através de bosques e dos grandes espaços do Colorado. Até que chega o momento do inevitável confronto final. Duke contra três. Os colts fazem-se ouvir, o sangue jorra e o desfecho não é um final feliz à medida de Hollywood.
O argumento de Yves H. tem muito mais do que possa parecer à primeira vista. Desde logo, a galeria de personagens é credível, sem exageros nem heroísmos desmedidos, e as relações de força que os opõem são plausíveis. A causa subjacente a toda a acção (os abusos sofridos pelos trabalhadores/mineiros) é pertinente.
Por outro lado, é igualmente interessante ver que Yves H. coloca Duke apaixonado por uma prostituta afro-americana, mas a cor da sua pele nunca é mencionada, um pouco como se a discriminação fosse mais uma questão de classe social do que de epiderme.
Aliás, neste álbum há muitos “não-ditos” que não deixam de estar lá para o leitor mais atento. E Yves H. não hesita em conceder longas sequências mudas ao génio competente de seu pai, Hermann, percebendo quando é melhor se calar e deixar falar as poderosas imagens com as quais o desenhador há muito nos habituou.
É fantástico ver como Hermann, então com 78 anos, se lança numa nova série. O seu trabalho em cores directas, com a predominância da aguarela, é de alto nível. As suas cenas nocturnas são de uma enorme eficácia, jogando com os cinzentos, negros, castanhos e com o eventual brilho do luar.
A composição das páginas é muito cinematográfica, com a multiplicação de planos fechados e de grandes planos a dar um bom dinamismo a cada prancha.
O “javali das Ardenas”, como é carinhosamente apelidado por alguns, domina de igual modo as paisagens outonais como as invernais, criando sempre décors que, por si só, contam também a história.
Hermann está longe dos tempos de Comanche, onde ele e Greg criaram um western inesquecível, mas que é acompanhado por uma espécie de código moral da época. Agora, quando uma bala penetra em carne humana, há sangue! Quando uma criança aparece de permeio, morre! Quando um herói pensa ter dado o seu melhor…!
“Não se toca em mulheres nem em crianças, Xerife.”, disse Duke. Pois, parece mais fácil dizê-lo do que fazê-lo!
2 – AQUELE QUE MATA
Originalmente, é publicado em álbum em Janeiro de 2018 pela Lombard. Em Portugal, Aquele que Mata foi editado pela Arte de Autor em Maio de 2018.
Colorado, 1868.
Passaram-se dois anos desde que Morgan “Duke” Finch abandonou o cargo de xerife-adjunto e deixou para trás a vila de Ogden e se juntou à sua amada, a prostituta Peg, na vila de Pueblo.
Noutras paragens, um bando de foras-da-lei ataca selvaticamente uma diligência. No fim do assalto, cinco corpos jazem sem vida no caminho empoeirado. Escondida, uma testemunha sobrevive ao ataque – uma menina amedrontada em estado de choque.
Este não é o primeiro ataque mortífero do bando e isso deixa Mullins furioso e preocupado. É que Mullins é presidente de uma companhia mineira que pertence a um conglomerado e vai ter de fazer uma enorme transferência de fundos. Ora, de modo algum ele pode correr o risco de ser roubado.
Mullins pede ao xerife Emmett Sharp para reunir um grupo e partir em perseguição do bando de assassinos. Mas para além de lhe dar poucos meios de modo a que o xerife possa contratar os melhores gatilhos do Colorado, Emmett, por sua vez, já não tem o seu gatilho de confiança: Duke.
O xerife pede a um adjunto que vá até Pueblo buscar Duke. Mas este mostra-se inamovível. Cansado de correr atrás de malfeitores, desfruta agora do correr dos dias ao lado da sua Peg. Mas, contra todas as expectativas, Duke acaba por aceder. Algo mais forte o leva a quebrar a promessa que fez à sua amada.
Por ironia do destino, quando Duke já está em Ogden aparece em casa de Clem, o seu irmão, a menina que testemunhou a chacina na diligência. E com ela, surge algo que faz Duke regressar a um passado longínquo amargo e doce.
A perseguição tem início e, mais uma vez, o final não é aquele que todos estão à espera…
Neste segundo volume da série, Yves H. pega nos cânones do género Western, adiciona-lhes as emoções em bruto e cria uma narrativa adequada a que adiciona um final inesperado que satisfará a maioria dos leitores. Podemos esperar ver a luta do bem contra o mal, a lealdade e a traição, e a vingança, sempre a vingança!
Genericamente, a narrativa está bem conseguida, os personagens e as suas motivações são credíveis e o desenvolvimento da história é bem ritmado.
Tal como aconteceu no primeiro volume, Yves H. entrega nas mãos de Hermann sequências inteiras sem palavras (ou quase), nas quais o desenhador consegue com mestria manter a cadência narrativa, como é o caso do ataque à diligência e da fuga de Eleanor, a testemunha sobrevivente.
Hermann é um desenhador imparável, produzindo dois a três álbuns por ano. Pode até ser considerado o Lucky Luke dos desenhadores, pois parece desenhar mais rápido que a sua própria sombra. Ora, para que isso seja possível, utiliza não poucas vezes a técnica de sombrear as figuras, o que o faz poupar no detalhe. Mas diga-se, a bem da verdade, que o efeito é bem conseguido.
E a qualidade mantém-se nos décors, nas paisagens, no movimento dos personagens e no uso da cor.
No todo, o álbum é bem conseguido e, embora não seja propriamente inovador, cria uma sensação de continuidade que apetece acompanhar.
3 – SOU UMA SOMBRA
Originalmente, é publicado em álbum em Janeiro de 2019 pela Lombard. Em Portugal, Sou uma Sombra foi editado pela Arte de Autor em Março de 2019.
Colorado. 1868.
Na vila de Pueblo, Peg aguarda com ansiedade o regresso incerto de Duke, o seu “namorado”. Mas a profissão de Peg não se coaduna com a saudade ou o amor. Afinal, uma prostituta tem de ser de vários homens e de nenhum. E a Madame vai meter-lhe isso na cabeça, a mal!
Entretanto, bem longe de Pueblo, Duke vai cumprir o contrato feito com Mullins (dono da companhia mineira) e escoltar 100.000 dólares até San Francisco. Mas a diligência ainda não saiu da aldeola de Ogden e os primeiros contratempos começam a surgir. Primeiro chega Timothy Swift, representante da Soakes & Sears, o conglomerado que é proprietário dos fundos, e cheio de si mesmo. Depois chegam os irmãos Briggs, contratados por Mullin para acompanharem Duke. A desconfiança e a tensão reinam entre os membros do grupo.
Por fim, a diligência parte e, pouco tempo depois, é atacada. E se Duke até seria capaz de dar conta do recado juntamente com os nervosos irmãos Briggs, tudo muda quando ele percebe que Clem, o seu próprio irmão, faz parte dos assaltantes. Entre o poder dos laços de sangue e o dever de honrar um contrato, Duke vai ter de jogar cautelosamente.
Apesar disso, um dos irmãos Briggs é morto e os assaltantes põem-se em fuga.
A acção precipita-se. Swift é mandado regressar a Ogden. Duke parte em perseguição do irmão e dos restantes fora-da-lei. A cunhada de Duke é ameaçada pelo pai Briggs que anseia por vingar a morte do filho e acaba por matá-la. Leanor consegue fugir e é entregue no bordel de Crimson Lily. Por sua vez, Peg abandona Pueblo e dirige-se a Ogden na esperança de reencontrar Duke. No meio do nada, a Duke junta-se Swift e um grupo de capangas sedentos pela cabeça do seu irmão. Duke acaba por se escapar do grupo e chega ao lugarejo onde se esconde o bando do irmão, a tempo de preparar uma armadilha tanto para Clem como para Swift.
O duelo é brutal e sanguinário. Duke acaba por deixar para trás o irmão e Swift numa espécie de estranha aliança, e regressa a Ogden. Sob uma violenta chuvada, vinga a morte da cunhada.
Em Ogden, Peg é levada por um enigmático homem de negro e Mullins recebe uma carta perturbadora.
E assim termina mais uma aventura do cowboy taciturno.
Este é mais um álbum bem conseguido pela dupla de pai (Hermann, no desenho) e filho (Yves H. no argumento). Um Western no qual os códigos do género são respeitados. Apesar disso, os autores conseguem tratar temáticas pouco habituais ou aprofundar motivos que, regra geral, são apenas esboçados neste tipo de universo. Eles pintam assim em detalhe o casal disfuncional, o amor impossível, o peso da família ou os impulsos que levam a uma vingança que se serve fria.
Deste modo, a narrativa ilustra perfeitamente a articulação entre a tragédia colectiva e os dramas pessoais. Duke anseia por uma vida tranquila e retirada do mundo dos pistoleiros, mas deixa um rasto de cadáveres à sua passagem. Peg espera pelo seu amor no casulo sórdido de um bordel. Mildred (a cunhada de Duke), que recolheu a órfã Leanor e que deseja despertar nela o gosto pela vida, é traída e abandonada pelo marido. Sharp, o xerife, deseja servir a lei, mas a sua cobardia fá-lo fechar os olhos a maior parte do tempo.
E todos estes personagens são levados a sair constantemente do torpor dos seus sonhos e das suas fraquezas. Vinganças, cobiça, ameaças e traições lançam-nos num turbilhão de partidas, de regressos, de desencontros, de renúncias e de inseguranças. A narrativa não poupa da violência os protagonistas, exacerbando os perigos da vida em momentos e destinos trágicos.
Graficamente, o octogenário Hermann continua a encantar. Ele consegue sempre apresentar-nos os rostos mais imundos e abrutalhados, a tornar tangíveis as atmosferas e a fazer-nos cair na vertigem dos grandes espaços.
A “montagem” das pranchas apresenta, judiciosamente, vinhetas cujo conteúdo narrativo não recorre à utilização de palavras. São os momentos dedicados às paisagens áridas ou verdejantes, às planícies ou às montanhas, aos silêncios diurnos ou nocturnos… Momentos onde Hermann é mestre.
O seu traço a tinta é discreto, a colorização é subtil, e o seu estilo é único.
Enfim, tudo converge para mais um álbum bem conseguido pela dupla de pai e filho, deixando, mais uma vez, o leitor pendurado na última página pela continuidade da narrativa.
4 – A ÚLTIMA VEZ QUE REZEI
Originalmente, é publicado em álbum em Janeiro de 2020 pela Lombard. Em Portugal, A Última Vez que Rezei foi editado pela Arte de Autor em Fevereiro de 2020.
Peg foi raptada por um enigmático homem de negro. Este passou-a a dois rufiões que agora a levam para parte incerta, transportada nas traseiras de uma caravana e fechada dentro de um caixão.
Ao mesmo tempo, o xerife Emmett Sharp parte de Ogden com um grupo de cavaleiros, todos no encalço de Duke, depois de este ter chacinado a família Briggs.
E se o alcançam e o detêm facilmente, o mesmo não se pode dizer de o manterem cativo. À volta da fogueira, sob o luar, o grupo pernoita despreocupadamente. Mas um anjo da morte parece velar pela vida de Duke. Quando este acorda, envolto por um espesso nevoeiro matinal, o xerife Emmett e os restantes cavaleiros jazem degolados por entre o fumo das brasas ainda fumegantes. Duke liberta-se e parte ao encontro de Clem, o seu irmão, e de Swift, o representante do consórcio mineiro Soakes & Sears.
Entretanto, em Ogden, a sorte do déspota Mullins parece estar a chegar ao fim. O seu contabilista e o chefe dos mineiros informam-no que o filão de ouro parece estar a esgotar-se.
Duke encontra-se por fim com Clem e Swift. São estes que têm os 100.000 dólares que Duke deve levar até San Francisco.
A longa viagem tem início, mas dura pouco tempo. Durante uma paragem, Clem ressabiado com a morte da mulher e com a eterna inveja do protagonismo do irmão, atinge Duke pelas costas. Deixa-o com Swift e parte com o dinheiro. Pouco depois, Duke e o “pezinho-mole” seguem-lhe o rasto.
Ao mesmo tempo, Peg continua a sua viagem no caixão e acaba por ser maltratada, abusada e vê mesmo ser-lhe cortado um dedo.
Clem parece dirigir-se a Fort Defiance, um forte que serviu de base à Cavalaria na guerra contra os índios Navajos, segundo Duke. E, de facto, é para aí que Clem se dirige. Mas o forte não está abandonado. Nele, uma guarnição do exército americano continua a controlar os Navajos. Uma guarnição composta por um tenente branco e por soldados negros liderados pelo sargento Blair.
Depois de descobrir que Clem leva consigo 100.000 dólares, o tenente dá-lhe ordem de prisão. Mas o sargento Blair urde rapidamente um plano. Manda sair uma patrulha. Faz soltar Clem que, na ignorância, não percebe que a patrulha lhe prepara uma emboscada com o intuito de ficar com o dinheiro. Quando esta prestes a ser apanhado, surgem Duke e Swift.
Estala a revolta no forte e o tenente é feito prisioneiro dos soldados amotinados que têm agora como cabecilha declarado o sargento Blair.
Longe dali, Duke, Clem e Swift refugiam-se num povoado em ruínas, cercados pela patrulha negra dos túnicas azuis. Tão rápido como começou, o tiroteio cessa. O silêncio é de morte. Duke e Swift vão investigar. O pistoleiro fica petrificado com o que vê: os soldados foram degolados! E ele percebe que uma sombra do passado está prestes a abater-se sobre si. Quando regressam às ruínas, o seu irmão está a esvair-se em sangue, com a artéria femoral cirurgicamente cortada. Para ele é o fim. Mas para Duke é o começo do pesadelo! À sua espera está o misterioso homem de negro que raptou Peg. O seu nome é Manolito e Duke conhece-o bem, tal como conhece o seu patrão, o homem que mandou raptar Peg, que quer os 100.000 dólares, que preparou uma complicada vingança sobre Mullins e que espera por Duke no rancho Four Horseshoes, perto de Sacramento.
No encalço de todos, vão os negros revoltosos da cavalaria americana.
Nesta narrativa, mais complexa do que possa parecer à primeira vista, Yves H. utiliza o saque de 100.000 dólares apenas como pretexto para desencadear uma história com múltiplas ramificações, sobretudo se tivermos em conta todos os álbuns. Ele serve para explicar as motivações do protagonista, discutir a discriminação racial e até, se virmos bem, discutir os direitos das mulheres. Mas também aborda a questão da família disfuncional e problemática, a família que Duke viu desaparecer, o irmão que o traiu e o outro “mano” pouco recomendável. E depois há Peg, a infeliz prostituta que anseia pelos braços de Duke e passa todo este álbum à guarda de dois facínoras. Peg, vendida ao rancho onde o passado de Duke o aguarda. E esta narrativa paralela faz eco da trama principal: nos Estados Unidos de 1800, tudo é mercadoria, tudo pode ser vendido ou comprado, tudo tem um preço!
Por fim, este quarto volume de Duke, através de flashbacks ou de diálogos é particularmente revelador do passado do protagonista e das suas motivações.
Quanto a Hermann, e apesar de publicar dois álbuns por ano, o seu desenho continua a encantar. E pode mesmo dizer-se que nesta série ele multiplica os estilos, quase realista quando nos delicia com uma vasta paisagem, quase abstrato quando representa sonhos, lembranças ou personagens sob uma tempestade ou envoltas em nevoeiro.
Regra geral, as suas vinhetas silenciosas são particularmente bem conseguidas e criadoras de ambientes que se gravam quase imperceptivelmente na mente do leitor.
A colorização, sobretudo com as cores mais sombrias, acentua com eficácia o peso da vida nestas paragens ainda selvagens.
O Western é um género que se quer cru, dominado por paixões, violência e comportamentos levados ao extremo. Nele, o pior e o melhor das pessoas é revelado sem necessidade de grandes subtilezas. E é isso que Yves H. e Hermann fazem em Duke, fixando todos os códigos do género para depois os reciclarem e contarem assim um drama, como já se disse, de múltiplas ramificações.
5 – PISTOLEIRO É O QUE SERÁS
Originalmente, é publicado em álbum em Janeiro de 2021 pela Lombard. Em Portugal, Pistoleiro É o que Serás foi editado pela Arte de Autor em Março de 2021.
Duke e Swift continuam a sua cavalgada em direcção ao rancho Four Horseshoes onde Peg os aguarda, assim deseja o pistoleiro. Nos alforges leva os 100.000 dólares que pertencem a Mullins e à Soakes & Sears e com os quais vai resgatar a liberdade de Peg.
Pelo caminho, a mente do sorumbático cowboy vai deambulando pelo seu passado. Pelo tempo em que ele e o irmão Clem entraram no orfanato do professor Theodore King e onde este traçará o destino de Morgan Finch como “Duke”.
Entretanto, o destacamento de cavalaria continua na perseguição dos dois homens. Ao comando vai o sargento Blair, decidido a vingar-se de toda a opressão a que os brancos sujeitaram a sua comunidade. O seu combate vai, por isso, muito mais além do que a mera ganância pelo dinheiro. Infelizmente, é também isso que o torna radical.
Pelo caminho, vão encontrando as patrulhas avançadas, cada homem eficazmente degolado. É a assinatura de Manolito, o anjo negro que protege Duke e que, paradoxalmente, vai aumentado a raiva do sargento Blair contra este.
Peg, muito maltratada, chega por fim ao rancho onde é recebida por Ogden e King. Na verdade, tanto ela como Duke não passam de peões nas mãos dos dois. O alvo da elaborada vingança é Mullins.
Mullins que vê a sua mina de ouro sem ouro; os mineiros a partirem; a população em debandada geral; o seu dinheiro a desaparecer e o seu contabilista a abandoná-lo, não antes de lhe abrir os olhos para a vingança de Ogden. Mullins está agora numa cidade fantasma, arruinado.
O cerco aperta-se sobre Duke e Swift. O sargento Blair está tão perto que quase pode morder-lhes os calcanhares. Mas Duke sabe o que faz e a sua fuga é tudo menos errática. É assim que chegam a um rancho perdido no meio do nada, um oásis de árvores de fruto no meio de uma terra inóspita.
É o rancho de Oakley e da sua família. Oakley que tem uma velha dívida para com Duke e que este lhe vai agora cobrar em forma de protecção.
Durante a noite, Duke é assombrado pelo momento em que mata pela primeira vez, traçando assim o seu destino e o do próprio irmão. Tudo sob a manipulação e o auspício do professor King.
O dia nasce. O rancho é cercado pela cavalaria. Duke, sem ninguém ver, esconde os 100.000 dólares. Oakley trai-o e tenta entregá-lo aos soldados. Mas estes o que querem é o dinheiro. Estala um violento tiroteio. Há baixas de ambos os lados. E mais uns quantos soldados degolados. Os negros entram em pânico e acabam por fugir. Na confusão, também Duke e Swift se põem em fuga. Para trás, jaz inerte Charley, o filho mais novo dos Oakley, com uma bala no coração. Para eles, não há outro culpado que não Duke e pretendem fazê-lo pagar caro a morte de Charley.
O quinto episódio de Duke retoma a intriga precisamente no momento onde a deixou no volume anterior.
Na minha opinião, nem o título nem a capa prestam homenagem ao conteúdo deste volume. Aliás, a capa é, talvez, a única de Hermann que é pessimamente conseguida. Mas pelo resto, nem a narrativa nem o desenho decepcionam, antes pelo contrário. Numa total coerência com os álbuns antecedentes, continuamos a acompanhar a história deste caçador de prémios solitário com desejos de mudar de vida, mas com dificuldade de se arrepender.
Nem herói, nem anti-herói, Duke é apenas o protagonista. Um homem atormentado, que deseja voltar a encontrar o seu livre-arbítrio, dar uma nova direcção ao seu destino. Mas os acontecimentos, os homens, a sua parte sombria, a sua instabilidade e a violência omnipresente do Oeste ditam-lhe o contrário.
Yves H. continua a estar de parabéns por esta narrativa sólida e bem elaborada, repleta de nuances e de mensagens que, no entanto, não travam o prazer da leitura.
Mas a força dos personagens e os habilidosos recursos narrativos não seriam nada sem o traço inspirado de Hermann – um desenhador que até no mais pequeno episódio é capaz de o imbuir com qualquer coisa de épico.
Os rostos marcados e duros, mesmo os femininos, são reflexo dos dramas e dos sofrimentos sob o ambiente hostil e vertiginoso do Oeste Selvagem, sem que para o descrever as palavras sejam necessárias.
O traço do desenhador dita, com os seus enquadramentos e as suas aguarelas, o movimento do homem e o seu esmagamento pela imensa natureza que não consegue domesticar. Rostos feios e sujos, crepúsculos de sangue, paragens desérticas, rochas opressoras, alvoradas luminosas, céus estrelados, tudo transpira o prazer do velho mestre por colocar tudo em imagens e por criar emoções. Um espírito que mantém mais de 50 anos após ter começado o seu percurso artístico.
Pai e filho continuam a encantar-nos com uma série de grande qualidade!
EXTRAS
Não se assustem aqueles que, como eu, admiram desde sempre o trabalho de Hermann e temem que os seus quase 83 anos de idade possam comprometer a sua cadência de trabalho.
Na verdade, se no espaço de um ano lançou o quarto e quinto volumes de Duke e, pelo meio, mais um álbum de Jeremiah, o nosso “javali das Ardenas” já entregou ao seu editor um novo álbum das Torres de Bois-Maury (onde o cavaleiro Aymar original volta a ser protagonista) e está a terminar o sexto álbum de Duke.
Deixo aqui a primeira e a décima quinta pranchas, sendo que o trabalho já está muito mais adiantado.
Amante da literatura em geral, apaixonado pela BD desde a infância, a sua vida adulta passa-a toda rodeado de livros como editor. Outra das suas grandes paixões é o cinema e a sua DVDteca.
Sou colecionador de DUKE desde o seu aparecimento à frente do meu olhar. Dele e de todos os álbuns que abordem a temática western. Adoro o estilo de Hermann, embora prefira o seu desenho de alguns álbuns de Comanche (não de todos, porque mesmo aí houve algum experimentalismo em determinados álbuns). Pena tenho que a coleção Comanche não tenha sido toda publicada em português, nem as Torres de Bois Maury… Mantenho a esperança que o Público, em junção com outra editora peguem, um dia, nestas preciosidades e dou graças que DUKE conheça a luz do dia em Portugal, pelo menos até ao número 5.
Caro João Reis,
Penso que será uma boa notícia para si o facto da Ala dos Livros ter publicado entre 2019 e 2020 três álbuns integrais de Comanche com as obras completas da dupla Greg e Hermann (a preto e branco).
Estão, por isso, integralmente publicadas em português todas as histórias de Comanche desenhadas por Hermann, inclusive 5 histórias curtas que em França foram publicadas num volume intitulado Le Prisionner.
Abraço
“Os rostos marcados e duros, mesmo os femininos, são reflexo dos dramas e dos sofrimentos sob o ambiente hostil e vertiginoso do Oeste Selvagem…” Ora aqui está uma boa análise ao traço amadurecido de Hermann, que perto dos 83 (!!!) anos continua em excelente forma gráfica!
Obrigado pelo seu comentário, caro André Azevedo.
Estou com grande expectativa quanto à continuação do último Duke e ainda mais em relação ao novo álbum das Torres de Bois-Maury que vai ser publicado ainda este ano, pelo menos em França.
Grande Hermann!!!!!!
O meu medo não são os autores ou as editoras iniciais pararem/desaparecerem.
O meu medo são as editoras nacionais que falham em demasia.
Mesmo assim, caro António Fernandes, temos de reconhecer que nos últimos anos, com a proliferação de editoras de BD no nosso País, tem-se multiplicado a publicação sistemática de diversas séries e algumas até publicadas ao mesmo tempo (ou quase) que no país de origem.
De certa forma, cabe ao leitor tornar viável a publicação continuada de séries.
Abraço